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Super Bowl, tretas táticas e Kanye West nazi: a cultura pop no ringue da discórdia
A rivalidade entre Kendrick Lamar e Drake esquentou no intervalo comercial mais famoso dos EUA, enquanto Kanye West lançou propaganda nazista
“Ah, o Kendrick Lamar jantou o Drake.” Poucas horas após sua bombástica apresentação no intervalo do Super Bowl, transmissão mais assistida no ano nos Estados Unidos, veículos de imprensa, celebridades da música e fãs transitarem em análises que variaram de “nojento” a “histórico”. O ponto alto da resenha em torno da noite, presente na imensa maioria dos textos e comentários, foi a desavença notória que os rappers têm desde 2013, se intensificando nos últimos anos, com lançamentos de faixas cheias de indiretinhas de ambos os lados.
![Super Bowl](https://musicnonstop.uol.com.br/wp-content/uploads/2024/02/Usher-Super-Bowl-2024-150x150.webp)
O intervalo da final do campeonato nacional de futebol americano é a maior vitrine dos Estados Unidos. Desde que começou a convidar grandes artistas para animar a festa de um dos esportes mais populares do país, em 1988, sua audiência só aumenta. Tanto que a edição 2025 bateu o recorde histórico, com mais de 123 milhões de pessoas assistindo ao vivo pela TV. Assim como seus antecessores, o momento é preparado com cuidado pelos artistas e suas equipes. Lamar convidou artistas como a cantora SZA e o ator Samuel L. Jackson, além da tenista Serena Williams, para participar da performance, cantou envolto por centenas de dançarinos com cores da bandeira dos Estados Unidos e promoveu um grande espetáculo de entrentenimento.
A atenção nacional captada pelo evento abriu a caixa de pandora para o público. Kanye West, que agora assina por Ye, precisava pensar em algo para chamar mais atenção do que o colega. Por que não causar apoiando o nazismo? Pois é. Conhecendo muito bem o poder que a “cultura da treta” tem de amplificar a exposição de sua marca no ambiente digital, West pagou um anúncio de TV durante o intervalo comercial do Super Bowl LIX. Na propaganda, o músico convidava o espectador a acessar o site da sua marca, Yeezy. Entrando lá, você dava de cara com uma loja online vendendo apenas um único produto: uma camiseta com a suástica nazista. Vender a alma ao diabo é uma metáfora que segue viva, vinda de um filho de um ex-integrante dos Panteras Negras, grupo ativista que lutava pelos direitos civis da comunidade negra do país. Assustador.
Por mais incrível que possa parecer, a gracinha teve menos repercussão do que as indiretas que Lamar embutiu em sua apresentação ao desafeto Drake, como usar um colar com a letra “a”, que fazia referência à letra de sua diss track, Not Like Us, na qual acusa o rival de se envolver com garotas menores de idade, ou posts sociais pedindo que o canadense desista da competição, pois já perdeu. Afinal, Kendrick é quem estava estrelando o Super Bowl. Basicamente, o cara que chegou ao ponto mais alto da promoção de sua imagem no espaço mais disputado da indústria musical dos Estados Unidos dedicou uma baita energia para expor um desafeto. Não foi surto. Foi friamente calculado.
E o nazi West? Também já brigou com Lamar. Também já tretou com Drake. Explicamos:
Se a vingança envenena a alma, se a mágoa traz tristeza e atrasa a vida, por que os dois não marcam um café, sentam cara a cara e resolvem de uma vez essa desavença? Porque dá muito mais dinheiro seguir brigado. As brigas (e em muitos casos “brigas”) entre artistas no topo das paradas de sucesso é antiga. Remonta aos tempos de Beatles x Rolling Stones. Cresceu exponencialmente na era digital, quando qualquer smartphone é capaz de enviar uma publicação que rapidamente será lida por milhões de fãs, haters… e jornalistas. Há rumores de que os irmãos Gallagher, do Oasis, por exemplo, já fizeram as pazes muitas vezes. Seriam até sócios em empresas. O xingamento é sempre público. O cruzar de dedinhos, no entanto, fica em segredo.
Manter acesa a fogueira da discórdia também faz com que artistas transbordem da panela do jornalismo musical. Garantem espaço em cadernos de variedades, fofocas e, em alguns tristes casos, policiais. Na Noruega, membros de duas bandas de Oslo (Burzun e Mayhem), com discos ouvidos por fãs de todo o mundo, chegaram aos jornais graças a assassinatos. O mesmo ocorreu com o avanço do gangsta rap nos Estados Unidos, gerando uma gigantesca rivalidade entre rappers das Costas Oeste e Leste. Tupac Shakur e Notorious B.I.G. são dois artistas cujas mortes são ligadas à horrenda treta entre as duas cenas musicais. Tudo isso, antes do domínio das redes sociais.
Vale lembrar também que sempre foi normal, na cultura hip-hop, o comportamento desafiador. O breakdance surgiu para transformar as brigas de gangue de Nova Iorque em batalhas de dança. O vencedor é o que dançar melhor. Por isso é tão comum aquela peitada no adversário, ou os braços cruzados e a cara de desdém de quem está esperando sua vez de dançar. O jeitão “cai pra dentro” foi transferido para as batalhas de rima. Acabou o show, todo mundo se respeita. O hip-hop transformou guerra em diversão. E Ye, no Super Bowl, parece ter deliberadamente trabalhado para destruir tudo o que foi erguido pelo movimento cultural que o acolheu quando era um garoto, em Chicago.
![Música e esporte](https://musicnonstop.uol.com.br/wp-content/uploads/2024/08/Semi-da-Euro-no-The-Killers-150x150.webp)
Deixando de lado esses bizarros excessos, em que seres humanos levaram muito a sério os personagens que encarnavam na vida artística, o mercado da música sacou rápido que uma boa briga dá muita audiência e é usada à revelia em redes sociais como o X/Twitter. A própria treta entre Kendrick Lamar e Drake começou quando, em uma música, o primeiro cantou versos em que dizia poder “matar” nas rimas um monte de colegas, citados nominalmente. Uma herança da batalha de rimas que virou briga online, rendendo espetadas e muito engajamento para ambos, além de muita reverberação gratuita em sites de fofoca. Muita gente que postou seus comentários com ânimo de torcida organizada desde a noite do Super Bowl jamais escutou um álbum inteiro de qualquer um dos dois artistas.
Ao bater todos os recordes de audiência e autopromoção desmedida (cá estamos nós aqui, falando do figura), Lamar expõe não só Drake, mas o pior do comportamento humano, tomado pela curiosidade mórbida. Capaz de se excitar (além de promover e patrocinar) com um suposto desentendimento entre duas figuras do mainstream que só enxergam números à sua frente.
Se algum leitor faz parte da boa e velha “turma do deixa disso”, apartadores de brigas e arautos da pacificação, saibam que seus dias de gloria se foram. As tretas artísticas digitais, reais ou não, jamais vão sair de cena. A boa notícia é que o show de Kendrick Lamar carregou mensagens cifradas que são muito mais relevantes do que toda essa briga de quinta série. Mas isso é papo para uma próxima publicação.
![Beyoncé e Kendrick Lamar](https://musicnonstop.uol.com.br/wp-content/uploads/2024/11/Beyonce-e-Kendrick-Lamar-150x150.jpg.webp)