Artista, que hoje é referência no dancehall brasileiro, já representou o país em grandes eventos na Europa e Nova Zelândia
No último sábado, 28, Sistah Mari apresentou no Centro Cultural Olido, em São Paulo, seu primeiro disco, EVOLUIR, acompanhado de um documentário que registra o projeto de criação e gravação do álbum.
— Eu era uma garota tão tímida, tinha medo de falar, então eu vejo a Sistah Mari aqui hoje… — diz ela, comparando a sua autoconfiança atual com a de dois anos atrás.
Na ativa desde 2009, a cantora, que já representou o Brasil nos maiores festivais de reggae do mundo — como Rototom Sunsplash (Espanha), Uprising Festival (Eslováquia) e One Love Festival (Nova Zelândia) — quer inspirar outras meninas da periferia, contando sua história em um disco solar.
Conversamos com Mariana Soares, crescida na favela do Primavera, na Zona Leste da capital paulista, sobre sua criação, as batalhas e as aventuras pelo mundo.
Jota Wagner: Mari, queria que você contasse pra mim como foi o processo de criação desse seu primeiro disco…
Sistah Mari: Foi um processo criativo que vem de dois anos atrás, na verdade. Eu passei por uma maternidade, um momento meio conturbado. Teve a pandemia também. Me vi mais focada e queria sair da minha zona de conforto. Então eu tive a ideia de ter um álbum. Eu sempre gravava um single, lançava um clipe…
Trouxe nesse disco pessoas que fizeram parte de algum momento da minha vida. Convidei alguns artistas que são referência para mim, e quis tirar cada um deles da zona de conforto.
Por exemplo, tem um feat meu com a Miss Iva. O público esperava um dancehall dançante, mas a gente fez uma música consciente, que já tem mais a cara da Sistah Mari.
Contar com todas essas parcerias foi um sonho.
Um filho que está aí no mundo agora…
As pessoas só conheciam a Sistah Mari indo aos eventos. Ouviam a música, mas não a tinham. Agora tem essa ferramenta, das pessoas poderem continuar ouvindo em suas casas. Acho que esse álbum proporcionou às pessoas a chance de me conhecerem mais.
As composições vêm lá de trás, de toda a sua carreira, ou você compôs para o projeto?
Duas faixas já faziam parte da minha carreira, eu já cantava nos lugares. Eu não as tinha gravado e decidi escrever letras novas também. Letras falando de amor, porque eu sempre falei muito sobre o dia a dia, sobre tacar fogo no sistema.
Quis fazer algo diferente. Sair, também, da minha zona de conforto. Então eu falo sobre amor, sobre parceria, sobre corpos… Sobre como a gente quer ser tratada.
Evoluir de dentro para fora. Acredito que as pessoas que estão me escutando possam sentir esse evoluir também.
O disco ficou bem legal. Como foi seu envolvimento com o dancehall e a música jamaicana?
Sempre fui muito admiradora do dancehall, porém nunca tive um embasamento de cantar um dancehall e falar sobre outros contextos. Mas foi o que eu mais me identifiquei conforme ia escrevendo. Pensei: “eu gosto tanto de dançar, quero ter um dancehall meu”.
Sabia que tinha boas referências, então eu tinha que fazer isso. Ser artista é isso, se permitir. Deslizar por outras vertentes. Eu não queria só cantar o roots, nem o step, mas também o dancehall,
Pô, eu tenho três filhos, né? Eles gostam de fazer passinho, batalha de rima… Então pensei: “eu tenho um público em casa. Vou fazer para eles consumirem também”.
Você é original da Zona Leste e tocou até na Eslováquia. Como sentiu o público europeu?
Pra mim foi surreal. Sou cria da periferia, da favela do Primavera, meu maior sonho era ir pra Bahia. Eu nunca fui pra Bahia fazer reggae, e aí a música me proporcionou cantar num dos maiores festivais de reggae do mundo [Rototom Sunsplash], ir pra Eslováquia, pra Espanha, pra Londres… Foi surreal. O público foi muito acolhedor.
A minha experiência lá fez com que eu abordasse outros temas aqui.
Reggae é conscientização. Mas ele também é uma música que fala de amor, fala de união. E também é um tapa na cara do sistema. Te acorda, te faz observar a vida de um outro modo.
O público aqui de São Paulo é mais caloroso, mais quente. Lá, a galera é mais reservada, mas ao mesmo tempo, tem uma vibe “pra cima”.
A música me proporcionou conhecer e passar por lugares que moldaram quem eu sou. Eu agradeço muito, nunca me imaginei saindo do país. Poder representar o reggae feminino lá fora é uma grande vitória.
E como pintou o convite?
Foi bem interessante. Tudo começou em 2018, com uma festa chamada Tawai Dub Festival, no sul do Brasil. Fui cantar em uma das edições, com meu coletivo, e lá tive contato com produtores de fora. Conheci o Kibir La Amlak e gravei um dubplate para ele. Então ele me convidou, com mais duas cantoras daqui [Carol Afreekana e Regiane Cordeiro — a união das três originou o grupo Dawtas of Aya], para fazer uma participação em seu show no Brasil.
Acabamos cantando a convite dele, e no outro dia só se falava nisso. Então viemos todos para São Paulo, e gravamos novamente a música.
Três dias depois da publicação do vídeo, chegou a notícia de que um dos maiores festivais do mundo [Rototom Sunsplash] tinha visto, e que já conheciam nosso trabalho.
Fizemos uma turnê de um mês lá. Eslováquia, Genebra, Londres e Bélgica, em festivais super conhecidos.
Qual o objetivo da sua música. O que você quer transmitir?
Eu quero ser porta-voz de várias Marianas, de várias Marias, de várias Joanas que eu conheço e que não não conheço, e que se identificam com as coisas que eu falo.
Eu venho de uma família de mulheres inspiradoras. Chamávamos nossa casa de “a casa das 8 mulheres”. Minha avó, com 96 anos, ainda é guerreirona, sabe? O legal, para mim, é incentivar as mulheres que criaram e cuidaram dos seus filhos sozinhas.
Falo também para minha filha. Quero que ela conquiste outras coisas para ela — o que ela almeja e pode sonhar.
Quem diria: uma mulher preta, periférica, da favela do Primavera, indo para o maior festival de reggae do mundo? Um sonho que eu jamais imaginaria.