Se alguém falar que pop é coisa de adolescente, diga apenas duas palavras: Tina Turner

Claudio Dirani
Por Claudio Dirani

Se você acredita em teorias e clichês, não leia esse texto. Vou falar sobre Tina Turner, a rainha coroada após os 40

Em uma das cenas de Em Algum Lugar no Passado, o personagem de Christopher Reeve, o autor teatral Richard Collier, coleciona uma série de objetos que o ajudem a viajar no tempo. Vestido a caráter, ele se hipnotiza e volta ao lugar onde encontrou o amor de sua vida na primeira década do século 20.

Não é preciso buscar por nenhum item para retornar aos anos 1980. Eu estive lá em minha adolescência. Uma época onde a dificuldade em se comunicar era superada pela qualidade e quantidade de artistas que nos ensinaram a amar o pop como se não houvesse amanhã.

Anna Mae Bullock foi uma dessas cantoras que pode ser incluída na lista de “vozes da geração”. Ou gerações, melhor. Um ícone com quase 200 milhões de discos vendidos e 12 Grammys, além de muitos outros feitos na carreira.

Poucos irão lembrar de seu nome de batismo, mas o modo de cantar e de se mover no palco dessa artista não engana. Quem ouviu suas músicas e viu suas performances com pernas longilíneas sabe e nunca se esquecerá que viu Tina Turner.

Tina deixou esse plano nesse 24 de maio – ironicamente no aniversário de outro gênio, Bob Dylan. Mas sua partida não significará nunca um adeus. A voz dela certamente está ecoando pelas fronteiras do espaço e do tempo – e por séculos ainda será ouvida por seres merecedores.

Por sorte, antes de sonhar em me tornar um jornalista musical, aproveitei os primeiros grandes sucessos da carreira solo de Tina Turner em tempo real.

Quando Private Dancer chegou às lojas de discos e rádios brasileiras em 1984, Tina já era famosa e já havia superado os piores dramas de sua existência, incluindo a violência doméstica de seu antigo parceiro, Ike Turner.

O ano foi de ressurgimento espiritual e comercial. A nova fase, diga-se, vinha endossada pela confiança de ter se apresentado, poucos meses antes, em megaturnês de Rod Stewart e Rolling Stones.

“Estou muito triste com a morte da minha maravilhosa amiga Tina Turner. Ela era realmente uma artista e cantora extremamente talentosa. Ela era inspiradora, calorosa, engraçada e generosa. Ela me ajudou muito quando eu era jovem e nunca vou esquecê-la”, recordou Mick Jagger, que pôde retribuir o suporte quando Tina subiu aos palcos para abrir para os Stones na turnê de Tatoo You, em 1981.

Tina se aproximava da meia idade, mas o impacto de sua música negava qualquer imposição social, onde julga-se pelo R.G. Era só parar para ouvir. Os singles Private Dancer (composto por Mark Knopfler, do Dire Straits) e What’s Love Got To Do It rapidamente se tornaram hinos radiofônicos. Ambas eu curti na Jovem Pan FM, anunciados pelos lendários radialistas Emilio Surita e Monica Venerable.

O disco Private Dancer – embalado pelos hits – ficou 147 semanas nas paradas da Billboard, onde atingiu o 3º lugar no Hot 200 e 1º nas paradas de R&B.

Ao olhar pelo retrovisor, parecia muito simples ver Tina fazer sucesso. A indústria pode ser cruel e imperdoável. Porém, a Rainha do Rock e do Soul não deixou escapar a chance de brilhar também em Hollywood. Na esteira de Private Dancer veio We Don’t Need Another Hero, 2º lugar na Billboard e terceiro hit consecutivo. Ao lado de Mel Gibson, mesmo fazendo apenas uma ponta em Mad Max – Além da Cúpula do Trovão, Tina se deu muito bem no mundo distópico do longa do australiano de George Miller.

MACHO TÍPICO

Quebrar as regras para o bem foi uma das marcas de Tina Turner. Break Every Rule, portanto, soou como um título perfeito para o sucessor de Private Dancer. Tina sabia que 1986 precisava ser o ano em que ela não falharia. Melhor. Era a chance de embalar sua fase renascentista.

O resultado apareceu na música mais uma vez e nas performances. Typical Male, Two People e Paradise Is Here embalaram muitos bailinhos ao redor do planeta – incluindo os brasileiros. Letras na ponta da língua indicavam que a Segunda Vinda de Tina parecia ser algo religioso.

Não continue a ler esse texto se você acha que as impressões de um brasileiro sobre a inimitável Tina soam prepotentes. As palavras aqui servem apenas como contexto. São como pilares de uma existência que influenciou pessoas ao redor do planeta.

Mas espere só um pouquinho antes de eu terminar.

TINA… PEPPER

Tina Turner era americana, sim, mas sua alma tinha passaporte internacional – e um pouquinho de Brasil Iá-Iá. Quem viveu os anos 80 irá se lembrar que ela inspirou uma hilária personagem de novela, a Tina Pepper, interpretada em altíssimo nível por Regina Casé em Cambalacho, de 1986.

Regina Casé como Tina Pepper, na novela Cambalacho, de 1986. Reprodução YouTube.

Antes de Paul McCartney tomar para si o feito em 1990, foi Tina a responsável por quebrar o recorde de público no maior estádio do mundo: 188 mil fiéis dançando e cantando seus hinos pop em janeiro de 1988 no Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro.

Essa “herança brasileira” está em Tina Turner – Rio ’88. Procure pelo DVD. Se você não viu Tina, os milagres divinos de uma tecnologia nem tão moderna assim poderá ajudar você a concluir essa reparação histórica.

TINA: UMA VIAGEM PARA O FUTURO

Há ainda outra chance de revisitar a grandiosidade de Tina, para quem puder vir até São Paulo. O destino fez com que neste exato momento uma exposição fotográfica de Tina estivesse em cartaz no MIS (Museu da Imagem e do Som), em São Paulo.

Tina Turner numa das imagens presentes da mostra do Mis. Crédito: Bob Gruen/Divulgação

Primeira exposição brasileira dedicada à lenda viva, Tina Turner: uma viagem para o futuro desvenda o início da carreira da eterna rainha do rock do início dos anos 1960 até o final dos anos 1990 sob as lentes de fotógrafos que fizeram parte da revolução musical e cultural que ocorreu na América nessas décadas.

Com curadoria e direção criativa do ecossistema criativo MOOC e curadoria adjunta de Adriana Couto, Tina Turner: uma viagem para o futuro reúne cerca de 120 fotos do acervo da The Music Photo Gallery realizadas pelos fotógrafos americanos Ebet Roberts, Bob Gruen e Lynn Goldsmith e pelo londrino Ian Dickson, além de conteúdos audiovisuais e instalativos. A mostra foi organizada em torno de quatro temas principais relacionados à vida de Tina: sua inigualável carreira musical; o poder feminino que faz da artista um referencial de superação; sua marcante participação na sétima arte; e seu estilo único refletido nos figurinos e seus penteados emblemáticos, envolvendo colaborações com grandes nomes da moda.

Além da mostra no MIS, Tina pode ser revisitada em livro, através da autobiografia A Plenitude do Ser – O Guia Para Uma Vida Transformada (ed. Alta Life). Com tom autobiográfico, o livro é um registro de suas alegrias, mas também dos momentos em que precisou superar a tristeza e o preconceito até conquistar o coração de milhares de pessoas.  Tina também traz no livro princípios práticos do budismo e mostra como, desde 1973, eles a ajudaram a se elevar do desespero, da adversidade e da pobreza para a felicidade, estabilidade e prosperidade.

Uma estrela não morre, só vai brilhar em outro lugar. Rest in power, Tina <3

SERVIÇO:

Tina Turner: uma viagem para o futuro
MIS (Museu da Imagem e do Som)
Av. Europa, 158, Jd. Europa
Terças a sextas, das 10h às 19h
Sábados, das 10h às 20h
Domingos e feriados, das 10h às 18h
Ingressos: R$ 15 (meia) e R$ 30
Gratuito às terças

A Plenitude do Ser
Subtítulo: O Guia para uma Vida Transformada
Autora: Tina Turner
Editora: Alta Life (248 pgs)
Preço: R$ 69,90

Claudio Dirani

Claudio D.Dirani é jornalista com mais de 25 anos de palcos e autor de MASTERS: Paul McCartney em discos e canções e Na Rota da BR-U2.

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