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Como Satyajit Ray, o mestre do cinema indiano, ajudou a moldar a sétima arte

Satyajit Ray

Foto: Reprodução

Cineasta indiano explorou a cultura bengali e a condição humana de forma única e poética em seus filmes

Nascido em 2 de maio de 1921 em Calcutá, Índia, Satyajit Ray foi um cineasta, escritor, ilustrador e designer gráfico que deixou para o cinema mundial uma obra marcada pela sensibilidade. Com a maior mostra de cinema do país prestes a homenagear seu legado — a Mostra Internacional de São Paulo —, seu trabalho volta às telas, oferecendo uma oportunidade única para redescobrir a obra do mestre indiano que continua a inspirar gerações de cineastas e espectadores.

Ray iniciou sua carreira cinematográfica em 1955 com A Canção da Estrada, filme que o projetou para a cena internacional. Em seguida realizou a os demais capítulos da Trilogia de Apu, o Invencível, em 1956 e O Mundo de Apu, em 1959. Essas obras, que acompanham a vida do protagonista Apu desde a infância até a idade adulta, são consideradas um marco do neorrealismo indiano, bem como consolidaram sua reputação como um dos grandes cineastas do século XX.

Além de cineasta, Satyajit escreveu contos e romances, ilustrou livros infantis e também criou peças de design gráfico para publicações. Ray recebeu inúmeros prêmios e homenagens durante sua carreira, incluindo um Oscar honorário em 1992 (ano de seu falecimento). 

Valorização da cultura indiana

A cultura bengali — uma rica tradição do leste da Índia e de Bangladesh, marcada por forte expressão literária, artística, espiritual e culinária, refletindo valores de intelectualidade, poesia e comunalidade — está profundamente enraizada na obra de Satyajit Ray. Em suas produções, encontramos o retrato de seus costumes, tradições, paisagens e a língua bengali. O artista utilizou tal cultura como pano de fundo para explorar temas universais, como a família, a religião, a tradição e a modernidade.

O cineasta também era um grande amante da literatura, logo, seus filmes são marcados por riqueza narrativa. Ele utilizava a linguagem cinematográfica para criar mundos ricos e complexos, semelhantes aos que encontrava nos livros. Da mesma maneira, sua paixão pela música reverberava em suas produções. Ray utilizava a música tradicional bengali para criar uma atmosfera que conectasse o espectador à cultura local, bem como refletir os estados emocionais dos personagens, fosse a alegria, a tristeza, a esperança ou a angústia.

A influência do neorrealismo italiano

Considerada uma das maiores obras-primas do cinema mundial, a Trilogia de Apu acompanha a vida de Apu desde sua infância pobre em uma vila rural até sua juventude na cidade, retratando as mudanças sociais e as transformações da Índia em que o jovem vive. Nesses filmes, pode-se destacar como aspectos únicos de sua beleza a sensibilidade ao mostrar o amadurecimento da personagem por meio da construção de sua personalidade e conflitos. 

Apu se tornou um símbolo da busca pela identidade, pessoal e nacional, mas também da busca pelo lugar do indivíduo na sociedade. Assim sendo, a trilogia não é apenas um retrato da Índia, mas uma reflexão universal sobre a condição humana. Tais características vêm da influencia do neorrealismo italiano. Com filmes que retratavam a realidade social e política da Itália pós-Segunda Guerra, Satyajit adaptou tais princípios à realidade indiana, utilizando atores não profissionais, cenários reais e uma câmera que capturava a vida cotidiana.

Entretanto, ele foi além do neorrealismo ao desenvolver um estilo próprio combinando a tradição e inovação. Como consequência, temos o prazer de assistir a filmes poéticos e contemplativos, que exploram temas universais como o amor, a perda e a busca pela felicidade.

O legado de Satyajit Ray para o cinema indiano e mundial

Influenciado por cineastas estrangeiros como Jean Renoir — um encontro com Renoir foi fundamental para sua decisão em se tornar cineasta —, Akira Kurosawa e Federico Fellini, Ray também inspirou gerações posteriores à sua. Por exemplo, Mira Nair, que explora e valoriza a cultura indiana em suas produções; Adoor Gopalakrishnan, e sua estética visual rica e poética; e Abbas Kiarostami, cineasta iraniano influenciado pela forma como Satyajit explorava o cotidiano em seus filmes.

Além disso, as suas obras não se limitavam a entreter, Sua abordagem das dificuldades enfrentadas pelas classes mais baixas da sociedade indiana, o impacto da modernização e da urbanização na vida das pessoas e questões como o casamento arranjado, a educação feminina e o papel da mulher na sociedade, são de profunda relevância para a construção do respeito e interesse em seu legado.

Ecos de Ray em Bollywood

Satyajit Ray no set de “The Adversary”, 1970. Foto: Nemai Ghosh/Reprodução

A relação entre o cinema de Satyajit Ray e Bollywood, a indústria cinematográfica indiana de grande escala, é um tema complexo e cheio de nuances. Por um lado, ambos representam duas vertentes distintas do cinema indiano. O cineasta, com seus filmes artísticos e realistas, focados na cultura bengali e em temas universais, contrastava com a produção grandiosa, melodramática e musical de Bollywood.

No entanto, a sua influência em Bollywood, embora indireta, é inegável, pois Ray trouxe para o cinema indiano um rigor técnico e estético que elevou os padrões de produção. Além disso, embora Bollywood seja mais conhecida por seus musicais e romances, alguns diretores começaram a explorar temas mais complexos, como desigualdade social, desigualdade financeira e gentrificação. Da mesma maneira, podemos observar que a valorização da cultura bengali em seus filmes fomenta a exploração das diversas culturas da Índia.

E agora, com a mostra de cinema que o homenageia, é a chance perfeita para rever ou descobrir pela primeira vez a obra-prima de Satyajit Ray nas telas de cinema, revivendo a magia de seu legado.

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