Rock e música eletrônica Orbital. Foto: Reprodução

Como as fronteiras entre rock e música eletrônica foram dissolvidas

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Há 30 anos, grupos como Orbital, The Prodigy e The Chemical Brothers foram pioneiros na aproximação entre os estilos musicais

A apresentação do duo de música eletrônica Orbital, formado pelos irmãos Phil e Paul Hartnoll, na última edição do festival Glastonbury, foi tomada de recordações, tanto pelo público quanto pelos artistas. Afinal, o grupo que apresentava seus grandes hits da carreira (com direito a participação especial da incrível atriz Tilda Swinton, recitando) havia transformado o festival para sempre há 30 anos, quando tocou pela primeira vez em um evento que, até então, era dominado pelo rock.

Em 1994, uma porção de indie kids — termo usado pelos próprios Hartnoll em entrevista que deram para o jornal The Guardian — assistia ao show do Orbital e atualizava os seus conceitos sobre o que era a tal música eletrônica, um universo para o qual muita gente virava a cara na época.

Era um momento de polarização cultural. A Inglaterra, terra do rock, testemunhava o auge de um movimento no qual uma porção de artistas subvertia completamente a fórmula que há uma década movimentava o cenário musical da ilha. Sons totalmente sintetizados, sem refrãos, de verve hipnótica, em apresentações em que os artistas se escondiam atrás de toneladas de parafernálias eletrônicas. “Nada a ver. Isso era anti-rock.”

Para quem não viveu os primórdios da revolução causada pelo techno e pela house music, fica difícil de entender. Afinal, hoje em dia todo mundo mistura tudo, e a linguagem da música eletrônica já foi cooptada por artista de tudo quanto é gênero musical — do brega paraense ao punk. Mas lá atrás, a treta era braba, a ponto de fazer guitarrista virtuoso arder em febre revoltosa.

Porém, os dois movimentos musicais tão responsáveis pela linha de frente da contracultura tinham muitas coisas em comum. E o Orbital, em sua apresentação histórica no Glastonbury, foi o responsável por mostrar isso à garotada, ao lado de vários outros colegas que se tornavam gigantes no mundo da música, no mesmo momento histórico.

A muralha começou a ser destruída quando o pessoal da música “acústica” começou a sacar a música eletrônica com batidas “quebradas”, feitas por artistas como Prodigy, Altern 8, Chemical Brothers, Fatboy Slim e, claro, Orbital. No lugar do ritmo quatro por quatro (o Tum Tum Tum Tum), artistas eletrônicos usavam o breakbeat (Tum Tum Pá, Pá Tum Tum Pá). No lugar da total ausência de letras, no caso do techno, ou dos discursos sobre amor e respeito, comuns na house, esses artistas enfiavam em seus hits letras agressivas e politizadas — os fundadores do Orbital, por exemplo, eram fãs de bandas como os Dead Kennedys, ícones do punk californiano.

O abraço do reencontro se completou quando samples de guitarra (ou sintetizadores cujos sons lembravam as guitarras sujas) trouxeram para o ouvido roqueiro algo reconhecível. E essa geração abusou da sonoridade, construindo um convidativo portal de entrada para quem ainda não havia sido picado pelo mosquito da dance music.

Em 1994, ano em que o Orbital debutava no Glastonbury, o Prodigy já havia lançado os discos Experience (1992) e Music for the Jilted Generation (1994), pesadões, em shows com o vocal insano de Keith Flint, com uma estética sonora e visual que remetia muito ao punk e ao hardcore de anos passados. Altern 8 rodava a Europa com shows radioativos, apresentando seu álbum Full On… Mask Hysteria, também muito punks, atualizados pelo futurismo pessimista. Cyberpunks!

No ano seguinte, 1995, os Chemical Brothers debutavam com Exit Planet Dust, adicionando ao casamento elementos e estética do rock psicodélico. Diretamente de Berlim, o Atari Teenage Riot, com Delete Yourself, contribuiu iniciando um movimento importante: juntar o hardcore punk e o metal extremo ao techno, construindo assim, mais uma ponte. E no ano seguinte, Fatboy Slim batia o último prego no caixão das desavenças, lançando seu álbum Better Living Through Chemistry e apresentando às pistas o movimento big beat, que era uma completa fusão entre o garage rock dançante e festivo dos anos 60, o hip-hop e a música eletrônica. A festa estava completa, não faltava mais ninguém.

Ao Orbital, coube a responsabilidade de entrar na festa de penetra. No festival, melhor dizendo. Furaram a bolha e mostraram para a multidão do Glastonbury um novo jeito de se fazer música e quebrar conceitos.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.

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