
Assista ao minidoc de Richie Hawtin sobre a cena techno de Detroit
“Para compreender uma fagulha do movimento raver dos anos 90, Kids Like Us é deliciosamente indispensável”, diz Jota Wagner
O início do movimento raver, em qualquer lugar do mundo, é repleto de nostalgia. As pequenas festas ilegais, com estrutura mambembe, preços baratos, uma vibe de “eu sei de algo que você não sabe” e aquela romântica sensação de ter finalmente encontrado o seu lugar é algo que marcou fundo toda a geração que encontrou o pote de ouro no final do arco-íris em algum ponto da década de 90. Durou pouco. Logo, produtores “profissionais” começaram a entrar na onda daquela nova moda. Tudo começou a crescer e ficar mais bem-estruturado.

O pêndulo foi para o outro lado: para compensar a novidade e a magia, eventos começaram a gastar rios de dinheiro em cenografia, transformando um buraco de rato na Disneylândia, com palcos gigantes, cheios de pirotecnia. Os smartphones chegaram para destruir o pouco de privacidade que havia no ambiente das raves. Mais do que isso, conquistou-nos por dentro, a ponto de todo mundo passar a dançar com um braço só. O outro está agora ocupado segurando a câmera portátil. Se as pessoas querem filmar, então a ambientação visual se torna mais importante do que a sonora. Eis o processo involutivo das raves, e muita gente sente falta daquele momento de virada cultural, hoje raro.
Richie Hawtin é um deles. O DJ canadense criado na cena noturna de Detroit, lá quando tudo começou, deixa claro no minidocumentário Kids Like Us, produzido por ele e dirigido por Luke Jaden. Nove minutos dedicados a mostrar às novas geração como era o real deal, e para encher de saudade quem esteve dançando naqueles anos incríveis. A ideia é mostrar artisticamente como era o rolê em Detroit naqueles tempos e, para cumprir a missão, Jaden e Hawtin tentaram ser absolutamente fieis ao que se lembram.
O filme começa com uma reprodução do que era “encontrar” uma festa nos Estados Unidos naquela época, com quatro amigos em um carro e um número de telefone que deveria ser chamado na hora da rave para conseguir o endereço do galpão onde tudo estava acontecendo. Para dar um tchan, Richie promoveu uma festa de verdade. O roteiro é de um mini road movie de uma vida inteira: os garotos encontram, chegam, dançam e vão embora de manhã, em nove minutos de história, sempre com a trilha sonora de Hawtin em seus tempos de Plastikman.

“Luke focou em uma pesquisa arqueológica profunda para expor cada pequeno detalhe e emoção daqueles tempos, e usou isso para seguir com a história refletindo honestidade e engajamento narrativo do que transpirou ali”, conta o DJ, falando sobre o trabalho do diretor.
As auroras da cena das raves nos Estados Unidos, na Europa e no Brasil são diferentes na estética coletiva. No Velho Continente, o sentimento era de esperança com um novo mundo no futuro. Nos EUA, desesperança e fuga do atual. Aqui, adaptamos como dava a influência inglesa, graças aos primeiros organizadores de festas e DJs que trouxeram de lá a maior referência. Mas individualmente, é a mesma coisa para todo mundo.
“A pista de dança representa aceitação e liberdade, não pela sociedade, mas para você mesmo”, completou Jaden. É por isso que nos escondíamos em buracos na cidade ou sítios perdidos no meio do mato. Para compreender uma fagulha do movimento, Kids Like Us é deliciosamente indispensável. Assista abaixo!