
Quem gosta da Rosalía vai dizer que ela é eclética, uma incansável destruidora de barreiras musicais, sempre pronta para apresentar algo novo e inesperado. Quem não gosta, comentará que é uma oportunista que atira para todos os lados em busca do hype. Berghain, sua nova música lançada no último dia 27, vai dar muito pano para esse embate. Trata-se do primeiro single de seu novo álbum Lux, agendado para 07 de novembro.
“Mudei muito, mas, ao mesmo tempo, continuo me concentrando nas mesmas coisas. É como se eu ainda tivesse as mesmas perguntas e o mesmo desejo de respondê-las. Continuo com o mesmo amor pelo passado e a mesma curiosidade pelo futuro”, declarou à imprensa.
Para a artista, desde que deu um tempo no reggaeton, o futuro consiste em refazer coisas do passado com produção musical milionária e mistura de gêneros improváveis. Em Berghain, que mistura espanhol e alemão — e não, não tem nada a ver com Cheia de Manias, do Raça Negra, como alguns brasileiros andaram especulando —, procurou ousar misturando a música clássica da London Symphony Orchestra, sob a regência do maestro Daníel Bjarnason, o experimentalismo eletrônico de Yves Tumor (aqui, sim, um pouco de futuro) e a voz de Björk.
Misturar elementos de uma orquestra na música não tem nada de novo. Björk, apesar de sua inegável contribuição à música pop, há tempos adotou a antropofagia na carreira e se alimenta das mesma fórmulas que a levaram ao topo da arte e até mesmo ao Berghain, icônico clube de música eletrônica berlinense que batizou a canção, é hoje muito mais uma casa noturna histórica do que um lançador de tendências na cultura notívaga. Um futuro atrasado.

Na indústria da música pop, um álbum é concebido no departamento de marketing das gravadoras e agências de artistas. Primeiro, se define qual a imagem que o astro deseja projetar no mercado. Depois disso, vem a criação da música, a escolha dos produtores e dos artistas convidados para os feats. Trata-se da arte como bem posicional, um desejo estético e, principalmente, um descolamento da concorrência. Em Lux, veremos a venda do pacote “artista ousado, sem medo de experimentar”. A escolha de Berghain como o single de apresentação dos trabalhos, para esse objetivo, foi bastante acertada.
Björk e Rosalía já trabalharam juntas na canção Oral (2023), empopando a canção da diva islandesa e servindo como um agente de reciclagem em duas mãos. Um baita som. Mandou muito bem, também, quando gravou sozinha uma canção puramente flamenca, honrando sua tradicionalidade espanhola em Catalina (2017). Foi nesse cenário que conheceu o produtor musical Raül Refree, com quem começou a trabalhar junto no projeto de tirá-la da cena local de flamenco e tranformá-la em uma grande artista pop, o que demandou sua mudança para Los Angeles, o lugar onde tudo acontece.
Explodiu para o mundo e segue, então, encarnando deus e o diabo na terra do sol, alternando-se entre a provação católica tão explorada por Madonna (veja as capas de El Mal Querer e Lux) e o profano (MOTOMAMI). Sim, a arte gráfica também passa pelo projeto de marketing.

Foi a partir de El Mal Querer, de 2018, que Rosalía apareceu definitivamente para o mundo e, em menos de sete anos, se tornou uma das mais influentes artistas de todos os tempos em seu país natal. Em um mundo no qual a expectativa de vida artística anda na casa dos 60 anos (vide Paul McCartney, Rolling Stones, Bethânia, Ney Matogrosso…), a cantora espanhola ainda é um bebê. Para ela, o futuro é excitante. Afinal, usa sua fama para subir a régua do pop e transformar seu cenário em um lugar onde é preciso tentar algo diferente, ainda que dentro dos limites do aceitável para quem consome esse tipo de música.



