
6.5/10
Quando sento para resenhar um disco, tento me desligar completamente de qualquer outro contexto que não seja a música. Boto o álbum para tocar, separo o artista de sua arte e foco no presente musical daquele ser, que ao mundo está sendo entregue. A “londrina da gema” Lily Allen lançou na última sexta-feira (24) West End Girl, seu primeiro álbum em sete anos, gravado em apenas duas semanas em Los Angeles.
Musicalmente pouco relevante, embora tenha alguns momentos mágicos, as letras começaram a pinicar minha mente já nas primeiras faixas. Canções pop têm letras, e elas são importantes. Começo a buscá-las e ler, uma por uma, enquanto ouço o álbum. Eis o grande lance do disco, eis seu enorme valor.
West End Girl é um diário e um vômito. Sem meias palavras, Allen dedicou um álbum inteiro a entregar as frustrações de um relacionamento extremamente condizente com os dias atuais. Querendo ser “moderninha”, aceita a ideia do marido, que viaja o tempo todo, a abrir a relação para sexo “sem sentimento”. Não consegue lidar com isso. O casamento é regado a uma espécie de assédio poligâmico, em que só um lado o executa, colocando o outro em sofrimento.
O marido da história usa a volta para casa para jantares, papo-furado e mornas rotinas, enquanto exerce o romantismo e o fervor sexual com as amantes. Várias músicas são dedicadas a uma tal de Madeline, para quem o parceiro de Lily compra bolsas caras e com quem joga tênis. Quando volta para casa, Allen não resiste e pega o celular do amado, lê as mensagens trocadas e então sofre, sofre e sofre. É taxada por ele de louca, ciumenta, incapaz de lidar com algo combinado e “saudável”. Careta. Chata.

Sim, eu estou resenhando mais resenhando um livro do que um álbum. Afinal, West End Girl é uma história com começo, um triste meio e um fim libertador. O disco foi feito em formato de pedra, primeiro atirado na fuça de quem a machucou, e depois colocado em cima de um túmulo.
Eu mereço um troféu porque consegui resistir, a duras penas, a abrir meu navegador e mergulhar nos sites de fofoca. Qual o nome do tal marido filho da puta? Essa Madeline realmente existiu? Com muito esforço, não o fiz. Mesmo sabendo de que se trata de algo corajosamente autobiográfico, a história contada é a mesma de milhares de relacionamentos ao redor do mundo em tempos digitais, em que novos “formatos” de amor são metralhados nos corações de todo mundo via Instagram, colocando a necessidade de se manter cool à frente dos sentimentos verdadeiros. As letras de Lily Allen em West End Girl são boas demais. Mostram o ser humano que existe por trás do post.
A crueza do texto, sem metáforas ou maquiagens, deixa ainda mais latente o sofrimento que envolveu a artista nos dias em que escreveu cada música. As composições são despretensiosas, no sentido técnico. Foram feitas por alguém que quer apenas se expressar, conseguir uns shows para tocar e manter sua carreira na indústria da música. Não contêm experimentações, pirotecnias ou ousadias. São canções cansadas. E até nisso, se adequam perfeitamente ao contexto do álbum.
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Paulo Vanzolini escreveu, em uma de suas mais incríveis canções: “Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima”. O próximo momento de Lily Allen, em sua carreira, será o de dar a volta por cima. West End Girl foi um disco para sacodir a poeira.



