Os erros e os acertos deste Tomorrowland Brasil
Tropeços na produção não permitiram a entrega no máximo nível de excelência que a marca exige. No entanto, o potencial para um grande evento em 2024 segue latente
O amanhã realmente chegou para o Tomorrowland Brasil. Depois de uma estreia marcada por chuva e lama na quinta-feira (12), o festival correu atrás e entregou uma nova experiência neste sábado (14), na Arena Maeda, em Itu/SP.
Com a decisão acertada de cancelar a edição de sexta-feira (13) para o público em geral, apenas as 17 mil pessoas acampadas no DreamVille tiveram a oportunidade de frequentar uma festa exclusiva na área de acampamento do evento, que recebeu headliners como Nervo e Steve Aoki. Visitamos o local, que contava com dois palcos, e percebemos o empenho da equipe em melhorar os serviços prestados, dando um spoiler do que aconteceria no dia seguinte.
Os vídeos que circulavam nas redes sociais também davam o tom do que se esperar. Neles, a organização distribuía pisos modulares de plástico entre a área mais crítica do espaço, prometendo uma locomoção mais segura. E não é que deu certo? Graças ao clima e a São Pedro, que segurou as águas, o solo secou parcialmente, e não havia mais a tão comentada lama deslizante.
Números
Logo na chegada, já deu para perceber um staff mais entrosado, com um número maior de pessoas para orientar o público em relação à quinta. De acordo com os dados fornecidos pela própria organização, foram sete mil profissionais envolvidos, desde a montagem (que durou 40 dias) até a desmontagem.
120 contêineres de 12 metros foram necessários para transportar o palco principal e as demais estruturas da Bélgica para o Brasil, abrigando no local 630 metros de bares, mais de 300 tendas de estrutura e 800 lixeiras, com 140 agentes dedicados à gestão de resíduos, cujo destino do lixo reciclável separado é a doação à cooperativa de resíduos de Itu.
Mas entre todos esses números, um dos pontos que mereciam maior atenção eram os banheiros. A quantidade montada e distribuída em toda a área do evento não dava conta de atender os 60 mil participantes diários. E com o barro, a limpeza ficou comprometida. Fica o alerta para os próximos.
Shows
O line up de sábado (14) acabou sofrendo algumas alterações, que não foram avisadas com tanta antecedência. Um dos desfalques foi o holandês Don Diablo, que não conseguiu chegar devido ao mau tempo. Ele se apresentaria no Mainstage, que acabou recebendo Aline Rocha, Victor Lou, Bhaskar, Yves V, Deorro e Cat Dealers.
John Newman foi um dos destaques do palco. Conhecido pelos hits Love Me Again e Blame, ele estava visivelmente animado e emocionado com a audiência. Lost Frequencies também entregou uma performance digna de palco principal, bem como Paul Kalkbrenner, um nome de vanguarda do cenário.
Adicionado de última hora, Dimitri Vegas conquistou o público com seu hipnótico poder belga e preparou o terreno para o encerramento com Alok, que fez história como o primeiro brasileiro a finalizar o palco principal do Tomorrowland, com um set voltado às multidões.
Pedindo licença, preciso falar em primeira pessoa sobre Steve Angello. O sueco, que não vinha ao Brasil desde a última edição, em 2016, fez um show histórico de apenas uma hora no Mainstage, fazendo muito adulto chorar e se sentir como adolescente.
Seus clássicos — muitos deles produzidos com o Swedish House Mafia —, aliados aos fogos de artifício e à grandiosidade do espaço, foram um dos highlights do dia.
No palco CORE, o segundo mais comentado, Jackson, RHR, CERSV, Sofia Kourtesis e Brina Knauss deram um show. Vale destacar Antdot B2B Maz, dois expoentes do afro house brasileiro que conquistaram a cena internacional, e, claro, o B2B entre ANNA e Vintage Culture, um dos mais esperados de todo o evento.
A incógnita era como os diferentes sons de ambos artistas brasileiros reconhecidos a nível mundial se encaixariam em um mesmo set. Mas a resposta veio do público, que lotou o palco para o encerramento, presenciando um set alternado entre momentos leves e outros mais pesados, transitando com maestria entre as sonoridades de ambos, que se complementaram.
O techno tomou conta do Essence by Beck’s, contando com o pernambucano Bigfett e com os paulistanos do BINARYH. Entre os gringos, Bora Uzer, Capoon, Fideles e Mind Against participaram do único palco coberto do rolê.
A mesma vertente foi explorada no palco Tulip, em suas diversas ramificações. Tudo começou com Acid Asian, que fez um set 100% autoral, seguido de Tessuto, KENYA20HZ, a aguardada Sara Landry, o performático Patrick Mason, Indira Paganotto (conhecida por misturar techno e trance) e Hector Oaks.
A label Smash The House foi a responsável pela curadoria do palco Youphoria, que realmente entregou a proposta contida em seu nome. Os brasileiros Pontifexx, Inndrive, Bruno Martini e Dubdogz brilharam no espaço — este último carregando uma multidão.
Também passaram por lá Sevenn, Azteck B2B Diego Miranda, Bassjackers, Felix Jaehn, Brennan Heart e Dimiti Vegas, um dos donos do selo, que se apresentou com diversos amigos no anunciado Dimitri Vegas & Friends.
DreamVille
Acampamento oficial do Tomorrowland, o DreamVille tem 248.300 m² (o mesmo tamanho de 30 campos de futebol), sendo o único espaço a realizar uma festa na sexta-feira (13), quando o evento foi cancelado para o público em geral.
Com três tipos de acomodações, sendo 13.260 Magnificent Greens (modalidade onde você leva sua própria barraca), 1.445 Easy Tents e 425 Spectacular Easy Tents, os 17 mil campistas tiveram oportunidade de presenciar uma festa particular com dois palcos, com artistas nacionais e gringos.
No The Gathering, estavam Dre Guazzelli, Jessica Brankka, Liu, KVSH b2b Bruno Be, Carola, Gordo, B Jones, Amber Broos, Nervo, Kölsch B2B ANNA, Steve Aoki, Dimitri Vegas, Coone B2B Sub Zero Project e Da Tweekaz B2B Mandy.
Já no segundo palco, próximo à área de alimentação, se apresentaram de forma mais intimista Due, Mila Journée B2B Meca, Dino Lenny, Francis Mercier, Jaguar e Âme.
São 338 chuveiros, 397 banheiros, 17 mil m² de piso fácil e 14 mil m² de outros tipos de piso, 13 mil m² de área coberta e 85 metros de bares. Além disso, um marketplace completo, com supermercado, padaria, salão de beleza, barbeiro, farmácia, estúdio de tatuagem, barracas de comida e até mesmo aulas de yoga.
Aquela área não havia sido tão afetada pelas chuvas, por isso o público seguia animado. Encontramos uma audiência internacional extensa nos arredores do camping, e diversas bandeiras hasteadas.
Foi o caso de Alexandra Moreno, da Colômbia, e seu marido Carlos Troncoso, do Chile. Grávida de seis meses, ela aproveitou para curtir o Rio de Janeiro antes de ir à Arena Maeda. Ostentando três pulseiras no braço, esta foi a sua terceira vez no Tomorrowland, sendo duas passagens na versão brasileira e uma na Bélgica. Ela estava acompanhada de seu irmão, Hernan Moreno, e sua cunhada, a ucraniana Olena Zolina.
Erros e acertos
Com a chancela da marca belga, que está prestes a completar 25 anos, mas produzida por time brasileiro, a entrega de quinta-feira (12) foi aquém das expectativas. Entendemos que as circunstâncias climáticas prejudicaram, mas não podemos colocar toda a culpa na tempestade. A grande pergunta que fica é: por que não viabilizaram, já no primeiro dia, como precaução, a estrutura que adicionaram no terceiro?
Entretanto, no sábado (14) foi possível sentir a magia e essência do festival. O semblante mudou, tanto do staff quanto do público. Mais organizado, o evento pensou na integridade do “povo do amanhã” e proporcionou um espaço um pouco mais confortável no quesito deslocamento, mostrando que o cancelamento no dia anterior, dadas as circunstâncias, foi um acerto. Mais funcionários ajudavam a não acumular filas e a orientar o público com suas dúvidas.
Um ponto ainda a ser melhor elaborado é o trânsito. Claro que haveria complicações devido à quantidade de pessoas, mas com estradas pequenas (e bem complicadas) na terra, é muito fácil formar um congestionamento na entrada e na saída, bem como nas rotas de embarque e desembarque e estacionamento.
Depois de 12 horas, passar mais três horas num meio de transporte, sem acesso a banheiro e muitas vezes já com fome e sede, não é exatamente a experiência esperada num evento de marca internacional.
No quesito som e efeitos visuais, o festival dá aulas. Palcos incrivelmente elaborados, com estrutura cheia de detalhes, de se admirar de boca aberta, tanto na luz do dia quanto na escuridão da noite. Todo o circuito contempla um mergulho na atmosfera encantada do Tomorrowland, na qual encontra-se o seu famoso símbolo por todo canto. Artistas e performers também colaboram para perpetuar a magia da label e o famoso clima de amor e união.
Com um line up que contempla as diversas vertentes da música eletrônica, o Tomorrowland Brasil embarcou no melhor do underground e do mainstream, traçando um paralelo entre nomes de vanguarda do cenário e talentos em ascensão. Os fãs de cada vertente tiveram diversas boas opções de shows para assistirem. E quem gosta dos dois mundos da cena, teve que se organizar para conseguir conferir um pouco de cada proposta.
O golaço do Tomorrowland Brasil
Um dos maiores pontos positivos ocorreu em relação à Tomorrowland Foundation. A cada R$ 30,00 da venda de ingressos de entrada solidária do festival, mais de R$ 1 milhão foi arrecadado e será destinado a uma escola de música em Itu, que além de receber uma reforma e novos instrumentos, terá sua praça e seu Centro de Experimentação em Linguagem ampliados.
O espaço, em funcionamento há cinco anos, atende cerca de duas mil crianças da comunidade e da rede municipal de ensino, mas com o investimento, passará a atender o dobro de pessoas. Essa iniciativa mostra a preocupação da produção em contribuir com a comunidade local em que atuou, deixando um legado para além de uma grande experiência de entretenimento.
No final das contas, fica a sensação de que, evitando os erros que levaram a um primeiro dia mais caótico e ao cancelamento do segundo, o potencial de termos uma grande festa segue brilhando. Tanto é que a próxima edição já está confirmada para outubro de 2024.