
Quando a arte provoca: a passagem hipnótica de Nicolas Jaar por Porto Alegre
Performance marcou a abertura do 10º Kino Beat — conceituado festival de música e audiovisual da capital gaúcha
Porto Alegre recebeu na noite do último domingo, 03 de agosto, a performance do projeto Radio Piedras, do artista chileno-americano Nicolas Jaar, que já havia tocado em Rio de Janeiro, São Paulo e Curitiba, trazido pela Gop Tun. A apresentação final integrou a programação de abertura do 10° Festival Kino Beat, que conta com programações em Porto Alegre e em Londres.

Nicolas Jaar em Porto Alegre. Foto: Bruno dos Anjos/Divulgação
A abertura da noite ficou por conta do violinista mapuche Eli Wewentxu, que faz parte do selo Other People, o mesmo de Jaar e seu projeto paralelo Against All Logic. O trabalho criativo de Wewentxu abrange diferentes áreas da arte, como criação musical com instrumentos e máquinas antigas, performance, arte sonora e vídeo. Sua pesquisa se concentra em redefinir a escuta e, com isso, articular novas formas de fazer música.
Foi perceptível que de início a sonoridade da performance causou bastante estranhamento no público. Em determinado momento, me questionei se o ruído que eu ouvia vinha das caixas de som ou das pessoas conversando — e, sim, eram as pessoas. Observei, do andar de cima, narizes torcidos e caras feias. E me perguntei: “essas pessoas conhecem o Kino Beat?”. Não é de hoje que o festival traz para Porto Alegre performances sonoras e visuais que causam estranhamento e incômodo. Foi observando o Bar Opinião lotado de expressões mistas que eu entendi que aquele momento tratava-se de uma grande provocação ao público, que estava no aguardo da entrada de Nicolas Jaar.
Gradualmente, os músicos foram tomando suas posições, até que Nico subiu ao palco. Não houve anúncio, foi contínuo; uma performance emendada na outra. E a música foi se transformando, batidas foram tomando conta e a voz de Jaar foi se apresentando. Ao menor sinal de uma música de ritmada, o público já mudou de expressão e começou a se mexer junto. E foi sensacional. Hipnótico, eu diria.


Nicolas Jaar em Porto Alegre. Foto: Bruno dos Anjos/Divulgação
Foram mais de duas horas de apresentação, e a atenção das pessoas permaneceu no palco até o fim — todos envolvidos ou com o ritmo, ou com a voz, ou com as luzes. Mas um fator que certamente envolveu a grande maioria presente foi o discurso político, que ora era abstrato, ora explícito.
“O Brasil ainda exporta petróleo para o país genocida”, disse Nicolas Jaar no microfone, causando um desconforto existencial em todos que estão conscientes da realidade política e da atual situação de Gaza. Jaar tem origem chilena, integrando a comunidade palestina do Chile. O projeto apresentado, Radio Piedras, foi encomendado pelo Museu de Memória e Direitos Humanos de Santiago, para integrar uma exposição sobre o ditador Augusto Pinochet.
Muitos dançaram, muitos celebraram, muitos se realizaram ao ver um artista que é referência para muitos se apresentando na capital do extremo sul do Brasil. Mas o que mais marcou essa noite foi o lembrete de que a arte é feita de construção, criação, provocação e política.

Nicolas Jaar em Porto Alegre. Foto: Bruno dos Anjos/Divulgação
Vida longa ao Kino Beat. Vida longa a Nicolas Jaar e Wewentxu. Vida longa à música experimental.