Review Lollapalooza 2024 Titãs no Lollapalooza 2024. Foto: Observadordaimagem/Music Non Stop

Do show encenado de Thirty Seconds to Mars à última vez dos Titãs: o sábado no Lollapalooza 2024

Claudia Assef
Por Claudia Assef

Trap, música eletrônica e mar de lama também marcaram o segundo dia do rolê

Com a colaboração de Daniela de Jesus, Mari Rossi e Vitória Zane

A chuva não deu trégua, e o sábado (23), segundo dia deste Lollapalooza 2024, se transformou numa missão ingrata de locomoção entre os palcos graças ao mar de lama que tomou conta de quase todo o gramado. Salvo as áreas asfaltadas e alguns pontos onde havia passarelas de madeira, a movimentação do público tinha que ser feita a passinhos lentos e calculados para evitar quedas — e muitas delas aconteceram.

“Da parte que tem-se a melhorar, com certeza, a lama, por conta de tanta chuva, e alguns problemas técnicos, como o que aconteceu com o show da MC Luanna“, disse Marcelo Beraldo ao Music Non Stop, diretor de festivais da América do Sul da empresa C3 Presents, responsável pelo Lolla.

Invasão de rap, trap e funk

Pois é. O que era para ser um momento de celebração para MC Luanna tomou outro rumo. Sua estreia no evento foi marcada por atraso de cerca de 20 minutos por problemas técnicos e finalização de forma abrupta, sem a opção de deixar a artista se despedir da galera no Palco Samsung Galaxy.

Nesse intervalo, a MC entrou acompanhada do seu balé de forma potente, cantando sucessos como 44, Maldita e 99 Problemas (com a participação especial de Duquesa). Apesar da apresentação curta, ela se destacou como um dos nomes em ascensão do rap. Com letras sagazes e inteligentes, animou o reduzido público que, em plena chuva, cantava suas rimas, e ficou frustrado com o corte repentino da apresentação.

BK’. Foto: Observadordaimagem/Music Non Stop

Pela segunda vez no Lollapalooza, BK’ se apresentou no Palco Budweiser no começo da tarde, com a chuva constante que tem marcado o festival. Além do DJ, o rapper carioca contou com a participação de quatro músicos que faziam dobras, principalmente nas faixas do disco ICARUS (2022).

BK’ focou no disco mais recente, mas passou por faixas de O Líder em Movimento (2020), Gigantes (2018) e de seu álbum de estreia, Castelos e Ruínas (2016), que recentemente completou oito anos e foi responsável por projetá-lo como um dos grandes nomes da cena hip-hop.

Xamã. Foto: Observadordaimagem/Music Non Stop

Natural de Campo Grande/RJ, Xamã debutou no Lolla no meio da tarde, no Samsung Galaxy. Orgulhoso de estar presente no palco e sempre reforçando a mudança de vida que a música lhe ofereceu, reforçou a influências dos diferentes ritmos musicais em sua apresentação.

Os pontos altos foram marcados pelos hits Malvadão 3 e Leão, parceria com Marília Mendonça. O artista também apresentou ritmos que fazem parte da sua formação musical, como o funk, ao cantar Atoladinha e Rap da Felicidade, e o pagode, com Palavras de Amigo. O ritmo se intensificou com as participações de Major RD e Leall, que geraram momentos de tímidas rodas de dança e rap freestyle.

Depois de uma participação como convidado de Post Malone em 2019, Kevin o Chris fez seu primeiro show solo no Lolla, no começo da noite no Palco Alternativo. A apresentação provou o quanto o artista é responsável pelos hits funkeiros mais recentes, como Ela é do Tipo, Eu Vou pro Baile da Gaiola, Tipo Gin, e os mais recentes sucessos, Tá OK e Faz o Vuk Vuk.

Ressaltando a importância do funk em sua formação, o artista prestou homenagem para clássicos como Glamurosa e Se Ela Dança Eu Danço. Mais para o final, foi da MBP ao axé em versões de Alceu Valença e Leo Santana.

Rock’n’roll: do hollywoodiano ao psicodélico, passando pelo nu metal

Mas teve também rock hollywoodiano; um show encenado e lotado de clichês do Thirty Seconds to Mars. A banda do ator e cantor Jared Leto cumpriu todos os chavões de um show de rock de arena em uma hora de apresentação: elogiou o Brasil, levou fãs e o jogador de futebol Marcelo para o palco, vestiu camisa da seleção, abusou de jatos de CO2, pirotecnia, soltou bolas sobre o público e entregou uma música bem executada que mais parece ter sido criada sob um prompt de inteligência artificial, mesclando os maiores vícios do rock de arena desde Queen.

Os fãs adoraram, e com certeza o festival sabia bem o que estava contratando. Esta foi a sexta apresentação do grupo de Leto no país.

Review Lollapalooza 2024

Thirty Seconds to Mars. Foto: Observadordaimagem/Music Non Stop

No Palco Alternativo, Pierce the Veil também foi uma estreante no Lollapalooza Brasil, e encontrou um público engajado em um momento em que a chuva diminuiu e deu alguns momentos de trégua. Com rifs certeiros, baixo marcado e uma bateria potente, a banda norte-americana pós-punk de San Diego mesclava entre screamo e um som potente que fazia o público pular, balançar a cabeça e brincar com guitarras imaginárias no ar.

Em um momento emocionante, o guitarrista Vic Fuentes escolheu uma fã, Gina, para subir no palco. O músico agradeceu pelo apoio, enquanto Gina confessou que a banda salvou sua vida. 

Mais tarde, entre a lama que cercava os morros do palco Samsung Galaxy, o público lotou o espaço para conferir o show de Limp Bizkit. Sucesso nos anos 2000, a banda explorou hits como Rollin’, My Way, My Generation e Take a Look Around, todos cantados em coro pela audiência. Rolou até umas brincadeiras e trechinhos de Seven Nation Army, de The White Stripes, e Song 2, do Blur, além de Purple Rain, do Prince.

Limp Bizkit. Foto: Tati Silvestroni/Music Non Stop

A interação do frontman Fred Durst com o público é algo realmente especial. Mas ele também explora muito bem os laços com os próprios integrantes do projeto, especialmente com o DJ Lethal, que dá o tom perfeito para a apresentação de um dos nomes responsáveis por desenvolver o nu metal na indústria musical.

Às 21h, o Kings Of Leon entrava para fechar o Palco Budweiser. O grupo norte-americano encontrou um público reduzido para o horário, em que normalmente os principais nomes se apresentam e lotam os arredores.

Com uma apresentação prática e pouca interação com o público, os artistas passaram por faixas como Manhattan, The Bandit e Find Me, e os grandes hits Use Somebody e Sex On Fire, que encerrou o show dez minutos antes do previsto, apesar da discografia extensa da banda. O pouco papo foi ofuscado pela execução fiel e técnica ao vivo das canções.

Lollapalooza 2024

Kings Of Leon. Foto: Observadordaimagem/Music Non Stop

Enquanto isso, no Palco Alternativo, rolava um dos melhores shows desta edição até agora. A banda australiana King Gizzard & The Lizard Wizard trouxe toda a sua psicodelia em forma de um show de hard rock setentista com influência de blues, The Doors, Pink Floyd, Black Sabbath, Deep Purple, The Who e afins. Durante uma hora o Lollapalooza virou uma espécie de Monterey Pop Festival — leia o review completo aqui!

Música eletrônica

Assim como na sexta-feira, teve muita música eletrônica no Perry’s by Johnnie Walker. Passando pelas sonoridades melódicas da house e do techno, Sarah Stenzel e Curol mostraram muita sintonia em seu B2B. De remixes que estão no hype, como a versão de Kiko Franco, Moser e Dyve para Last Night, de Sean Combs e Keyshia Code, a faixas autorais, como Oxum, de Curol, as artistas encerraram o set com um edit emocionante de Como Nossos Pais, original de Elis Regina

Esta foi a segunda apresentação de Curol no Lolla, que no ano passado entregou uma performance solo. A brasileira vem crescendo no cenário mundial de afro-house, entrando para lineups de eventos da vertente, como Zamna Tulum, e abrindo para um dos projetos mais bem posicionados atualmente: Keinemusik.

Conhecido como Rei da Chinelada, o DJ e produtor Gabe voltava ao Lolla depois de exatos dez anos para mostrar sua solidez e relevância na cena. Ao subir no palco, gritos e assobios já deram o tom de como seria a apresentação. No setlist, não faltaram suas duas marcas registradas: uma versão de BPMs mais altos de Enjoy The Silence, do Depeche Mode, e seu remix de Combinação Perfeita, do MC TH.

O público também cantou edições voltadas para o tech house de Trem das Onze, de Adoniran Barbosa, e de Chove, Chuva, de Jorge Ben Jor. Sem dúvidas, colocou a galera pra cima mesmo embaixo das águas de março que fecham o verão deste ano.

Lollapalooza 2024

Groove Delight. Foto: Observadordaimagem/Music Non Stop

Comandado pela DJ e produtora Ké Fernandes, o projeto Groove Delight fez uma linda leitura semiótica clubber, contando toda a sua trajetória na música eletrônica. Passou pelos sons das raves, onde começou, seguiu para o pop, onde reina até hoje e mostrou a influência que as religiões de matrizes africanas têm em sua vida, além dos seus flertes atuais com a house e a disco music.

Como se já não bastasse sacudir o público com seus hits autorais e grandes clássicos, Ké mostrou mais uma vez no Lolla a sua força e poder de questionamento, finalizando o seu set com um discurso feminista, tocante, emocionante e necessário.

Para conquistar o público brasileiro, o duo canadense Loud Luxury emendou clássicos de sua autoria, como Body e If Only I, com hits de outros artistas, como I Will Survive, de Gloria Gaynor, Pump It, dos Black Eyed Peas, e In My Mind, de DynoroOs visuais estavam incríveis (vamos combinar que a estrutura e o design do palco Perry é impecável), conquistando a galera com os seus efeitos especiais e lasers.

Deu tempo até de homenagearem o Brasil, estampando no telão de LED uma imagem de Neymar segurando uma taça, assinalando 2026.

E o que falar do show de Timmy Trumpet? O australiano sabe como conduzir a plateia como ninguém. Com o BPM lá nas alturas, ele pesou a mão no set, misturando big room, hardstyle e tudo o que você puder imaginar. Rolaram até remixes de Quando o Sol Se For, dos Detonautas, e de À Sua Maneira, do Capital Inicial, pegando todo mundo de surpresa.

Entre dancinhas malucas e a clássica performance com trompete (daí o nome do projeto), Timmy levou o público a movimentar os braços e até mesmo criar um moshpit na pista. Mostrando ser um verdadeiro showman, o australiano fez uma performance digna de palco principal. 

Encerrando o set levantando a bandeira verde e amarela com o som de Que País É Esse?, do Legião Urbana, o público respondia em coro: “é a porra do Brasil!”. Ele também comentou que ama a audiência daqui, já que “somos loucos como ele”. 

Lollapalooza 2024

Gabe. Foto: Observadordaimagem/Music Non Stop

Encerrando a programação do palco, o Above & Beyond não estava em sua formação completa, o que não alterou nem um pouquinho o lindo desempenho dos artistas. As apresentações do projeto são sempre marcantes, e misturam as batidas da música com reflexões que fazem verdadeiramente o público valorizar o momento que estão vivendo. Não tem como explicar… somente sentir!

Cada frase estampada nos telões de LED, junto de visuais que despertam as emoções, mostram o poder de transformação da música. Não à toa, eles têm o conhecidíssimo Group Therapy, um radioshow e formato de evento no qual propõem essa “terapia em grupo” por meio do som.

A última vez dos Titãs

Lollapalooza 2024

Titãs. Foto: Observadordaimagem/Music Non Stop

No Samsung Galaxy, o último show da noite foi conduzido pelos Titãs em sua formação original, marcando a apresentação de encerramento da turnê Encontro, que fez 47 datas pelo Brasil, boa parte delas esgotada. Exceto pelo guitarrista Marcelo Frommer, que faleceu em 2001 devido a um atropelamento, todos os membros originais estavam no palco: Tony Bellotto, Nando Reis, Charles Gavin, Branco Mello, Arnaldo Antunes, Paulo Miklos e Sérgio Brito.

Eles deixaram no último ano suas carreiras individuais para comemorar os 40 anos de banda, e o show mais parecia uma celebração de final de novela, com músicas que ajudaram a contar a história do Brasil nessas últimas quatro décadas. Absolutamente todos os hits da banda foram tocados com maestria e muita vontade; era como se realmente fosse a última apresentação deles de todos os tempos.

Flores, Bichos Escrotos, Sonífera Ilha, Toda Cor (com participação da filha de Frommer, Alice), Estado Violência, Comida, Cabeça Dinossauro, Marvin, Pra Dizer Adeus, Epitáfio. A cada uma, era possível ver a reação das pessoas, que ora se abraçavam e dançavam emocionadas, ora partiam para um mosh, reagindo a uma guitarra punk. Os Titãs fazem parte do inconsciente coletivo do brasileiro, e isso foi provado ontem com todas as cores e notas musicais.

Claudia Assef

https://www.musicnonstop.com.br

Autora do único livro escrito no Brasil sobre a história do DJ e da cena eletrônica nacional, a jornalista e DJ Claudia Assef tomou contato com a música de pista ainda criança, por influência dos pais, um casal festeiro que não perdia noitadas nas discotecas que fervilhavam na São Paulo dos anos 70.

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