Festival Zepelim 2025. Foto: @arthurhenriquefotos/DivulgaçãoFestival Zepelim 2025 mostra que Brasil precisa abraçar o turismo de festivais
Em Fortaleza, rolê trouxe nomes como Anavitória, Marina Sena, Luísa Sonza, FBC, Mateus Fazendo Rock e JAH-VAN
Perambulando para instalações da quarta edição do Festival Zepelim, em Fortaleza, uma coisa me veio à cabeça: os brasileiros precisam se acostumar mais ao “turismo de festival”. Ao fundo, atrás do palco, a bela arquitetura do Marina Park Hotel, um local que já recebeu a nata turística brasileira e internacional, e agora ostenta sua decadência charmosa, estacionado à beira do mar, parado no tempo. Viro a cabeça e vejo o mar mais do Nordeste, o cearense, já em rebarbas caribenhas. Bem em frente ao hotel, jaz o cargueiro Mara Hope, encalhado a poucas centenas de metros desde 1985. Esperta essa Mara Hope, escolheu um dos melhores litorais do país para morrer.

Festival Zepelim 2025. Foto: @arthurhenriquefotos/Divulgação
Entre o edifício do Marina (erguido em blocos horizontais, como um grande navio de cruzeiro) e o barco, está o Zepelim, a céu azul aberto em tarde linda, recebendo seus primeiros artistas. Na Europa, é comum fãs de música se enfiarem em voos baratos para a Croácia, Sérvia, Geórgia e, em décadas passadas, a costa da Itália e da Espanha, para viverem um festival de ponta a ponta. Por que não fazer isso aqui, com suas continentais dimensões? Pense nisso, amado leitor. E coloque o Zepelim em sua lista de desejos.
Voltada à música pop nacional, a edição de 2025, navegada no dia 15 de novembro, levou ao palco, nos palcos principais, Anavitória, Marina Sena, Luísa Sonza, Yago Oproprio, Lagum, FBC, Mateus Fazendo Rock, Cor dos Olhos, Diego Martins e JAH-VAN, um projeto que reinterpreta as músicas de Djavan nas batidas do reggae, e que juntou no palco convidadas mais do que especiais: Céu, Luedji Luna e Assucena. No lado oposto aos dois palcos gêmeos, um ao lado do outro, permitindo transições com apenas seis minutos de pausa de um artista para o outro, o evento ainda contava com uma feira cultural de produtores locais e um espaço mais voltado para lives eletrônicas, que esquentou a noite.
De extensão planejada para testar a resistência dos mais aguerridos festivaleiros (começou às 16h e terminou após as 05h), cerca de 16 mil jovens cearenses se mostraram capazes de encarar o desafio. Até porque, uma das grandes atrações, a dupla Anavitória já foi escalada para o começo do evento, juntando uma baita turma de fãs, apresentando um momento de transmutação do folk-rock do começo da carreira para o formato palcão, com um baita banda e performance azeitada e quente.

Anavitória no Festival Zepelim 2025. Foto: @arthurhenriquefotos/Divulgação
“A estrada foi nos trazendo a noção do som que a gente queria fazer”, me conta Ana. “As faltas que a gente sentia naquele som, que era mais delicadinho, mais fofo, eram de ocupar mais espaço no palco, ouvir mais barulho.”
Ao seu lado, ali no camarim, Vitória compartilha da visão da parceira com quem divide a estrada desde os 19 anos: “Depois que começamos a tocar em outros lugares, a gente foi sonhando mais. O sonho foi acontecendo ao vivo, conforme as coisas foram acontecendo”.
“No começo, era difícil até de sonhar”, completa Ana.
Ana e Vitória foram a segunda grande atração do festival, tocando após a gema local Mateus Fazeno Rock, responsável por um dos melhores shows do Zepelim 2025, com sua mistura maluca de gêneros musicais — não na mesma apresentação, mas na mesma música. Enquanto o ouvido esquerdo ouvia um reggae, o direito reconhecia um trance. Atrás de uma rima de rap, uma base heavy-metal. Doideira.

Mateus Fazeno Rock no Festival Zepelim 2025. Foto: @arthurhenriquefotos/Divulgação
Após o show, colo no garoto: “Misturar tem muito a ver com o texto em que eu me formei ali na adolescência. Eu sou cria de saraus. No sarau, tem a poesia, tem o rap… E ao mesmo tempo, frequentei todos os eventos de banda independente, de banda cover do meu bairro. Rolês de grunge, punk, thrash-metal, enquanto o reggae é base da cultura de periferia de Fortaleza. Eu aprendi a fazer música onde as pessoas estão e se organizam”.
Atuando como observador oficial vindo de longe, vi que o cair da noite trazia shows cada vez mais quentes, e o público se comportando de um jeito leve, de boinha. Talvez a brisa do mar, talvez a questão geracional mesmo, que nos presenteou com uma juventude muito mais educada, acostumada com a inclusão e com níveis de testosterona absolutamente mais baixos do que em décadas anteriores.
Gritaria e pressão, só mesmo em resposta às músicas. E o nível mais alto do festival veio com o show de FBC. Potente, ativista, repleto de mensagens e posicionamentos, em respeito à escola hip-hop. Teve até reverência a banda ultracult The Residents, com um dançarino com cabeça de olho gigante e terno dançando break em cima do palco. Fortíssimo e necessário em um tempo em que é preciso dar discernimento e cognição a quem vai cuidar do nosso futuro.

Anavitória no Festival Zepelim 2025. Foto: Harrison/Divulgação
Quando o domingo deu as graças, o jogo já estava ganho para o Zepelim. Tecnicamente, tudo deu certo. Foi quando consegui me sentar com Gabriela Parente, idealizadora do rolê, para um papo no backstage lotado.
“O Zepelim é um objeto voador. Então o destino dele é voar, se tornar itinerante”, me entrega, com excitação e tranquilidade nos olhos.
Produtor de festival é assim. Passa dias sem dormir, traz todos os artistas que gosta e mal consegue ver os shows.

JAH-VAN no Festival Zepelim 2025. Foto: Harrison/Divulgação
“Minha realização é quando vejo tudo dar certo. Quando olho esse backstage lotado e todos os artistas interagindo, se conhecendo”, brinca. “Mas o JAH-VAN eu quero ver. Vou me esconder em algum lugar e assistir ao show inteiro.”
O reggae é um gênero musical danado de fácil para combinar com qualquer coisa. Não à toa, já dançamos ao som de projetos como Easy All Stars, que regravou Pink Floyd e Beatles, e até o debochadíssimo Dread Zeppelin, com versões jamaicanas das músicas de Robert Plant e Jimmy Page cantadas por um maluco fantasiado de Elvis Presley.
O reggae foi assimilado pelo soul, pelo rock, pela MPB e, vamos combinar, Djavan, com “ja(h)” no começo do nome, era uma piada pronta, esperando ser contada. Foi sim um grande show, belamente executado e com precisão cirúrgica nas convidadas. Luedi Luna subiu ao palco corada pelo Grammy. E Céu é cria do reggae. Foi lá em que começou sua jornada.
A noite terminou em catarse com Marina Sena (única artista que tocou em todas as edições do festival até agora), Yago Opróprio e Luísa Sonza. Pegaram o público em estado de ebulição e, experientes, deram conta do recado. Gente passeando, gente dançando e gritando, gente descansando nas redes ou no chão, abraçados pelo mar. Foi uma bela noite. E escute, novamente, meu conselho. Viaje para assistir a festivais fora do estado de São Paulo.



