Laerte Castagna conta suas impressões sobre mais uma edição brasileira do holandês DGTL, que rolou no Komplexo Tempo no último sábado
Era um sábado fresco, mas que prometia ferveção, pois logo iria conferir a edição brasileira do DGTL, festival holandês que desembarcava mais uma vez na capital paulistana, com alguns dos grandes nomes do techno e house mundial. A inclusão de Jeff Mills no line-up já era motivo mais que suficiente para ir, mas ainda havia outros atrativos, como as estreias de Albuquerque e, para alegria dos hardeiros, do PETDuo.
Às 22h, o local já estava quente e as pistas a todo vapor, como a principal, Modular, com o holandês Eelke Kleijn mandando seu trance-pop de gosto às vezes duvidoso, mas que agrada demais o público. Não deu para mim, e passei pela pista Generator, a mais concorrida e frequentada pela molecada que gosta de sons rápidos e pesados. Vi a lituana Somniac One já descendo o braço e empolgando a plateia com sua mistura de techno e hard-dance. Uma falha nos equipamentos interrompeu o set por alguns instantes, e corri para o palco Frequency para ter certeza de que nosso veterano Marcio S. estava fazendo a lição corretamente. Estava.
Clubbers que já passaram dos cem mil quilômetros dançados começaram a chegar pelas 23h, e pela meia-noite o lugar estava lotado com as três pistas bastante cheias. Apesar disso, não vimos grandes filas para banheiro ou bar. A única coisa meio nada a ver é a ideia de não se ter copos descartáveis, sob justificativa de diminuir o impacto sobre o meio ambiente. Ter que carregar um copo por horas é, como dizia o povo da antigas, o “ó”.
Uma das estrelas da festa seria a Blessed Madonna, que mesmo estando em São Paulo teve que cancelar por motivos de saúde. Quem esperava uma performance polêmica ou ver alguns knobs voando, perdeu. Em seu lugar tivemos o veteraníssimo John Digweed, lenda do progressive house, que começou o set um tanto perdido. Não tive como conferir, mas relatos dão conta de que ele logo fez boa leitura e botou todo mundo para dançar a valer, deixando a pista quente e pronta para a nossa querida Eli Iwasa. Já volto para contar.
Enquanto Digweed se encontrava, fomos para o Generator conferir o casal mais amado pelos techno-heads do Brasil, PETDuo. No review do último Time Warp, questionei o porquê de os Pets nunca terem vindo para um desses grandes festivais por aqui, já que a molecada parece definitivamente estar ligada nos sons pesados, especialidade de nossos heróis. Que bom que finalmente puderam vir agora.
O que se viu foi mais uma hecatombe sonora comandada a quatro mãos, com muita lenha na moleira. Bom para a maioria dos presentes, que certamente nunca havia assistido a uma apresentação da dupla. E tome batidas pesadas, timbres sujos e climas cavernosos para levar a pista consistentemente para cima. Foram ovacionados e cumprimentados com reverência pela DJ seguinte e uma das mais aguardadas da noite, Sara Landry.
Impressionante a quantidade de celulares que subiram assim que ela toma a frente dos controles e desfila seu set, com o perdão do termo, instagramável. Muito hard-trance, timbres de hardcore, buzinas e psy, em uma mistura que cai em cheio no gosto daquela audiência. O que incomoda um pouco — mentira, demais! — é a quantidade de viradinhas e sobe-desce do set. Como diria Odete, da novela O Clone, cada virada é um flash! Cansa. Foi até bom, pois deu para ir à pista Modular a tempo de ver uma das melhores apresentações da noite.
A nossa Eli Iwasa quebrou tudo em um set irrepreensível, numa seleção de faixas perfeitamente enfileiradas e mescladas com primazia, contando aquela história bonita que a gente tanto gosta. Eli é uma artista com larga experiência e amplo conhecimento musical, com presença marcante nos principais festivais e clubes do planeta. Daí foi só pegar a pista que Digweed deixou lá em cima e chutar tudo lá para o espaço, para alegria da galera.
Nunca pensei que veria isso, mas parece que ficou complicado para o DVS1 e seu techno de muita personalidade, às vezes um pouco cabeçudo demais, com muitas camadas e atmosferas, e sem viradas. O fato é que a pista deu uma encolhida e o russo demorou um pouco para se recuperar e segurar o baile, mas no final entregou a pista em bom tom para O Homem.
O dono da noite e, acima de tudo dono da porra toda, foi o norte americano Jeff Mills, um dos maiores artistas da música de pista, para muitos o melhor DJ do planeta. Suas performances são lendárias, desde meados dos anos 80, quando já chamava atenção com sua técnica apurada discotecando nos buracos de uma Detroit forjada nas batidas do hip-hop e electro, e logo se firmando no então nascente techno.
Também chamado de O Mago, o veterano DJ e produtor fechou a festa com (mais) um set impecável, uma aula maestra de construção, mixagem, coerência e, é claro, uso da bateria eletrônica TR-909, com a qual ele faz transições entre tracks, sola em outras ou mesmo a utiliza como instrumento autônomo, como no encerramento de seu show. Como de costume, não há espaço para viradinhas, mãozinha para cima ou fotinho. A parada é séria, fascinante e dançante.
São camadas e camadas que vão se acumulando em um set preciso e de rara elegância, sempre deixando a pista em movimento. Mesmo em momentos em que praticamente não existem elementos nas tracks, com apenas aquele fundo grave marcando o groove, a pista é controlada de forma hipnótica. E é claro que não podia faltar aquela que talvez seja a faixa mais conhecida do techno, The Bells, do próprio Mills. Ao final de duas horas, The Wizard encerra o festival com chave de ouro. Poderiam ter sido três horas, tempo que é mais adequado para um set desses, mas no final das contas valeu a pena demais.
Há bons informes sobre as performances de Albuquerque, da alemã Cinthie e do espanhol Hector Oaks, que subiu ainda mais o peso e o BPM para encerrar a acelerada pista paulêra, a Generator. E, principalmente, da dupla brazuca From House to Disco, que fechou com muita ferveção o palco da house, o Frequency. Saldo da festa: positivo.
Os melhores momentos ficaram por conta de Eli Iwasa, PETDuo e, é claro, Mr. Mills. Tudo bem que a molecada curte um som pesado e às vezes bem chegado em uma farofa, então não dá para fazer uma noite só com sons mentais ou sem apelo pop. Porém, é essencial que os festivais continuem trazendo nomes dessa importância, para que esse novo público conheça de onde veio toda essa bagunça; em tempos de falta de informações confiáveis, uma aula prática é de extrema valia.
E que bom que terminou cedo, assim teve gente que pôde ir para o after até as seis da tarde (me contaram).