Soldados agredindo manifestantes no Chile Ditadura Chilena – foto: reprodução Youtube

Resistência musical: 8 canções sul-americanas que põem o dedo na ferida dos ditadores da região

Leonardo Vinhas
Por Leonardo Vinhas

Leonardo Vinhas fala sobre a praga das ditaduras na América Latina, e o que alguns artistas fizeram para combatê-la através da música

Somos todos latinos, essa é a real. O Brasil pode ser o único país das Américas a falar português, mas nossa origem latina está aí, por mais que certo povaréu tenha ilusão de ser europeu. Existe uma identidade latina, sim, expressa e vivenciada na força da ancestralidade dos povos originários e nas semelhanças de alguns traços culturais. Porém, essa identidade se expressa também nas mazelas que os países latino-americanos enfrentam com ditadores sangrentos.

Não há um único país latino-americano que não tenha sofrido com desmandos autoritários, ditaduras, terror institucionalizado, brutalidade policial e males afins. E obviamente, a música popular sempre refletiu isso. Houve vários músicos coniventes ou até entreguistas, mas nunca faltou, felizmente, quem batesse de frente e desse porrada em forma de canção nos fascistas da vez.

 

 

Por isso, eis aqui uma brevíssima lista de alguns desses momentos. Não é nem de perto uma tentativa de esgotar o assunto – na verdade, o tema merece livros, muitos livros – e sim uma breve lista para alento nesse momento sombrio… e quem sabe inspiração para que novas composições do tipo surjam.

 

“Como la Cigarra”, Mercedes Sosa

Muita gente gravou essa canção da argentina María Elena Walsh, mas a versão de Mercedes Sosa é disparado a mais conhecida. “Tantas vezes me mataram / tantas vezes eu morri / Ainda assim, estou aqui / Ressuscitando”. Esses são apenas os primeiros versos de uma das mais belas canções de resistência já composta.

“Mal Bicho”, Los Fabulosos Cadillacs

Os Cadillacs são argentinos, mas fizeram essa porrada ácida contra o carniceiro chileno Augusto Pinochet. Tudo bem, porque a gente tem mesmo que denunciar quando o vizinho é criminoso. Tão diretas são letra e clipe da canção que ela ficou banida da difusão pública no Chile durante anos.

“This Is Not America”, Residente feat. Ibeyi

O portorriquenho René Pérez Joglar, mais conhecido como Residente, tem várias canções sobre a identidade latino-americana. Mas essa, lançada no ano passado, diz respeito a resistência ao imperialismo, aos narcogovernos, às crises econômicas e às elites predatórias. Veja o vídeo com legendas e tente não ficar arrepiado.

“La Carta”, Violeta Parra

O Chile é talvez o país que concentre os exemplos mais contundentes de canções contra ditaduras – nada surpreendente, considerando os milhares de mortos nos anos Pinochet. Difícil escolher apenas uma composição de Violeta Parra, a compositora mais contundente da Nueva Canción Chilena, mas “La Carta” é certeira demais para não ser incluída. Aponta diretamente o dedo na cara de Pinochet, cobrando dele a fatura pelas prisões arbitrárias, mortes e outras barbaridades.

“Ultraderecha”, Los Prisioneros

Los Prisioneros foram uma das mais populares (e polêmicas) bandas do Chile. Suas letras mais ácidas tratam de questões sociais, mas essa, apesar de musicalmente datada, merece ser lembrada.Ela se vale de um instrumental festivo e bobinho para falar da ultradireita, que deseja liberdade “para torturar o escravo, para proteger o milionário, para globalizar a fome”.

“Alerta Antifascista”, Ratos de Porão

“Um perigo eminente / Mentiroso imoral / Ser humano decadente / Especialista em matar / Privatizando o presente / Sem futuro para sonhar”. Necropolítica, o álbum de 2022 do Ratos de Porão, é o disco mais violento e direto sobre os anos Bolsonaro. A faixa de abertura é uma condenação direta do pior presidente que o Brasil já teve, mas o disco todo é um vômito de quem sofreu com esse período de trevas. “Neonazi Gratiluz”, sobre a elite golpista e racista, também poderia estar facilmente nessa lista.

“Gimme Tha Power”, Molotov

“Se você dá mais poder ao poder / mais duros eles virão pra te foder”. Os mexicanos do Molotov nunca economizaram no enfrentamento, e nessa canção lembram, sem firulas, que quanto mais autoritário um governo, mais violento ele será para garantir a perpetuação dos abismos sociais, e que só a união popular é capaz de barrar essa dominação.

“Eles”, Maglore 

Outra canção de 2022, porque… que tempo vivemos, né? O quarteto baiano lançou um disco lindo, “V”, e em meio à beleza, há espaço para lembrar que não faltou gente espalhando horror por aí, e fizeram essa canção, um retrato inequívoco dos golpistas contemporâneos.. “Eles fuzis e botas em altos brasões / Forjam verdades e conspirações / Raio divino exterminação, pura avareza (…) / Não há beleza, é só tristeza e vício em destruição / Eles não entendem o que são”.

 

Leonardo Vinhas

Leonardo Vinhas é jornalista, escritor e produtor cultural na ativa há mais de 20 anos. Escreve para o Scream&Yell desde 2000, já produziu 19 discos para o selo S&Y, e foi co-responsável pelo Festival Conexão Latina.