A cara de Rafael Moraes marca o seu primeiro álbum, Reconnection, lançado pela Yoruba Records, selo do qual ele faz parte da família.
Não é só pela capa do disco que a cara de Rafael Moraes está em seu último lançamento, Reconnection carrega toda a alma do artista escancarada nas oito faixas que compõem o primeiro álbum do músico e DJ. Desafio lançado por Osunlade a cerca de 6 anos, chegou a pouco tempo aos ouvidos de todos e recebeu muitos elogios por todo o mundo, incluindo de produtores que fazem parte de suas referências da música eletrônica como Blaze, Vince Watson, Reiner Trüby e Laurent Garnier.
A música não entrou agora na vida de Rafael Moraes. Qualquer um que conheça seu trabalho contínuo no universo musical sendo realizado das mais diversas formas percebe que simplesmente ela esteve presente desde sempre. Sua experiência com bandas, rádio, sonoplastia para televisão e estúdio foram se somando às suas milhares de horas de música escutada. Pesquisador e colecionador de discos a décadas (faz parte da equipe da Patuá DJs e tem em seu acervo mais de 5mil vinis), adquiriu assim a riqueza de suas influências, imensurável e evidente a cada set, o tino para composição e por onde mais ele encostar a mão.
E ele mete a mão mesmo, pois foi na música afro brasileira e cubana que ele encontrou os instrumentos de percussão onde realiza sua melhor versão como músico mas, não nega a habilidade de saber fazer um piano funcionar, o suficiente para ele lidar com os instrumentos virtuais onde ele cria música eletrônica, em especial, House Music.
Assim como o grande leque de gêneros musicais da sua coleção de vinil, a House Music também se apresenta de várias formas e foi assim que seu primeiro álbum foi desenhado, contendo um pouco de cada lado da forma como ele interpreta a House Music, cheio de suas referências afro, experimentais, soulful, deep e jazzy.
Mas para chegar a seu primeiro álbum – Reconnection,- muita água passou por debaixo da ponte. Membro da família da Yoruba Records, já esteve presente em alguns de seus showcases e festivais realizados pela gravadora que rodava toda a Europa e foi em um deles, em Santorini, na Grécia, que surgiu o convite desafiador de compor um álbum todinho dele. Prestes ao lançamento de um EP pela Get Physical, o artista cogitava em conversa com Osunlade seu segundo EP pela Yoruba, já que tinha recém lançado um remix para ele, foi quando o big boss da gravadora disse “Eu quero um álbum seu. Você, sua música e sua cara na frente.” relembra o episódio, Rafael. Com histórico de notórios lançamentos e trabalhos com Ron Trent, DJ Spinna, Karizma, Kuniyuki Takahashi e muitos outros com seus parceiros André Torquato e Ale Reis com o Nomumbah, o convite poderia soar menos intimidador se não fosse a intenção de transmitir seu conceito de álbum, o que Rafael Morais espera de qualquer disco que escute.
“Minha concepção de um disco é uma coisa eterna. Eu coleciono discos a vida inteira e os discos que eu compro são eternos, que eu posso ouvir hoje ou daqui a 10 anos puxar um na estante e dizer “isso aqui é música”. Eu preciso fazer um disco que seja acessível para todo mundo e não que se restrinja à pista ou DJs, quero que ele também possa ser ouvido por alguém no domingo enquanto cozinha para a família.”
Yoruba Family
Em nossa conversa sobre o Reconnection, Rafael descreveu os encontros do selo como reuniões de família. Sempre regados a música e comida, a gravadora reúne em seus artistas formas de ver o mundo muito parecidas, o que os conecta além da música, ancorados também em espiritualidade. A Yoruba Records teve seu início em 1999 e de lá pra cá transmite em seus lançamentos sua integridade, passando a vibração e a energia da música com conexão espiritual que refletem a alma de cada artista. Com sua essência dançante, passeia entre o Deep, House ao Soulful Jazz, com foco em uma ótima composição e produção musical o que fez que o label experimentasse também lançamentos de Jazz e Soul se dando o rótulo de simplesmente “boa música”. O selo de Osunlade que nasceu em St. Louis, Missouri, um lugar conhecido pelo pioneirismo no blues e jazz, tem sua forma que se assemelha ao seu criador, um sonho realizado com músicas feitas para elevar a alma e reconhecida como uma das gravadoras de dance music mais importantes do mundo.
Reconnection
O convite que ressoava com os propósitos de Rafael Morais não o assustou por muito tempo, já que tinha carta branca para fazer do seu jeito e com o tempo que fosse necessário. Ele já tinha em mente que a construção do álbum seria toda feita por ele, tocado, mixado e arranjado. Mas os primeiros sketches das músicas soavam como tudo que o artista não gostaria para este trabalho e assim ele ficou meses sem ouvir tudo aquilo.
“Há três anos atrás o álbum já estava pronto, foi quando eu ouvi o disco e pensei que ele seria tudo que eu não queria na minha vida. Vai ser feito para DJs, durar 6 meses e acabou! Fiquei decepcionado comigo mesmo a ponto de não conseguir mais ouvir o disco. Foi como um estalo lembrar que, “Pô! Eu sou músico!”. E decidi levar esse disco exatamente para o lugar que queria, ser uma coisa musical juntando todo mundo que é minha família, os músicos que eu conheço para transformar as tracks em músicas!”
Durante esse bate papo descontraído com o DJ que cresceu músico, ele relatou que parou de tocar com bandas por ter ficado de saco cheio. Várias opiniões divergiam entre os músicos, brigas e rixas fizeram com que o trabalho em conjunto se tornasse uma coisa chata e estressante.
“Quando eu descobri a produção de música eletrônica, eu mandei todo mundo para a puta que pariu! Eu mesmo poderia fazer minha música e pensei “Foda-se todo mundo, eu vou fazer o que eu quero”. Mas depois de um tempo percebi o quanto era chato fazer música sozinho, mas eu sei que não preciso de uma banda inteira, vou escolher os músicos que eu gosto e que tem a ver comigo para trabalharmos juntos.”
O álbum Reconnection tem em praticamente em todas as faixas a colaboração de diversos artistas que fazem parte da vida do músico, trazendo o clima de se reunir com os amigos em torno dos mesmos ideais que a própria gravadora carrega, o que foi um processo super natural para o DJ que já tinha em sua experiência com bandas o senso de cooperação e união que facilmente incorporou neste trabalho.
Enquanto ouvia o álbum, logo de cara já fiz um mergulho bem Deep na bomba de consciência “Earth” com vocal de OVEOUS, especialista em poemas urbanos que escreveu e cantou a primeira música do disco. A letra que se encaixa perfeitamente no contexto atual que vivemos no mundo, mesmo que tenha sido escrita a três anos atrás, atua como uma das sincronicidades da construção de Reconnection que vai se desenrolando entre instrumentos envolventes e marcantes, frutos de deliciosas participações, como a do piano de Jesse Gannon, junto de um groove à lá Mr. Fingers, demonstração de que todo mundo teve a chance de colocar o dedo, já que a música também contém uma linha de baixo que foi cantarolada por Reiner Trüby em sua última visita ao Brasil.
Daí por diante a audição partiu para o que eu chamo de sacanagem, “Higher” me deixou alta com a sensualidade da percussão que embala a gaita de Vitor Lopes, em um clima que continuou a esquentar com a chegada do renomado instrumentista brasileiro Raul Mascarenhas, na primeira faixa mais pisteira do álbum. Os sussurros com a voz marcante de Capitol A, que também já gravou com o Jazzanova, relembram noites sem fim das quais eu tenho saudades e a faixa me fez perder o ar. “In Love Again” é a música mais soulful do disco e também um ótimo exemplo de como Rafael Morais transpôs seu objetivo de tornar o álbum acessível em seus arranjos e melodias. A participação de Nadirah Shakoor não era inédita para ele, anos antes ela também já havia feito vocais para o Nomumbah com a música “Like a Rainbow” lançada em 2017. A reaproximação surgiu em um dos encontros da gravadora durante um festival na Croácia, enquanto cozinhavam e ouviam música ela se dispôs dizendo “Acho que está na hora da gente trabalhar de novo”, logo ele já sabia para onde direcionar a voz doce da cantora americana. Depois de todo o romance expresso por ela, vem a cooperação dos amigos de fossa, Aroop Roy e l-cio. Juntos contemplavam mais que os corações partidos dos coincidentes términos de relacionamento, transformando o que sentiam em inspiração para o estúdio, o resultado é uma faixa hipnótica, enérgica e profunda de lavar a alma.
Além das conexões com velhos amigos, músicos e artistas que o inspirava, Reconnection é o espelho de Rafael Moraes, refletindo a sua essência. Reconexão com ele mesmo, desde a maneira como ele gosta de viver à seu retorno junto aos tambores como prática religiosa e como músico.
“Reconnection tem a ver com um processo da minha vida, eu sempre fui ligado à espiritualidade e essa foi a hora de unir tudo do jeito que eu gosto, que é cantando e tocando. Me reconectei comigo, me livrando das cobranças de criar todos os dias e tendo o prazer de estar comigo mesmo e expressar as coisas que eu acredito e minhas verdades. O álbum é a síntese disso tudo, eu 100% e a música que me representa.”
A última faixa que leva o nome do disco, também tem participações ocultas em samples de gravações dele por aí. O xilofone foi gravado na rua durante uma saída da praia no Rio de Janeiro, um artista de rua africano chamou a atenção e ele logo sacou o celular para fazer a gravação, da mesma forma os vocais foram captados em uma exposição cultural em Belo Horizonte. Como o álbum tem um impacto maior, ele acredita que este seja sua maior ponte para continuar fazendo o que ama, que é viajar para estar com as pessoas que a música o conecta e conhecer outras culturas.
Mesmo ainda sem cenas previstas na pista de dança ou em festivais pelo mundo com suas apresentações como DJ, o primeiro álbum já coleciona grandes conquistas para o artista que disse estar “pisando nas nuvens” com os elogios que tem recebido. Nem sempre vindo de artistas que transitam exatamente pelo seu universo, estes feedbacks mostram que o objetivo esperado por ele foi atingido, sua música vai além da barreira do nicho musical que pertence.
“O Rainer Trüby me ligou pra dizer “Que puta disco que você fez!”. Kevin Hedge do Blaze me mandou uma mensagem “Seu álbum está foda.” Pô, ouvir destes caras, que são os caras que já estavam fazendo o House do jeito que eu gosto quando eu comecei a escutar e pesquisar música eletrônica, isso me trás uma grande felicidade. Laurent Garnier, tem um conhecimento musical gigante independente do estrelato no techno, ele manja da ópera ao heavy metal e ele escreveu no feedback do release em duas palavras o que falou muito mais para mim do que se escrevesse uma página “absolutely beauty”. Receber elogios dessas pessoas me deixa muito feliz, é saber que eu consegui atingir o que mais me preocupava, que ele não fosse um disco datado.”
Eternizado em vinil
Esse disco ficou a cara dele, não só pela concepção da capa que também feita por ele e finalizada pelo designer de Nova Iorque, Gregory Hurcomb com a fotografia do João Sal, mas também por carregar em suas oito faixas todos os lados de sua visão sobre a House Music. Agora o próximo passo do Reconnection é fazê-lo ainda mais imortal, a espera do formato em vinil no álbum duplo é o que entusiasma Rafael para os próximos meses e conta mais um vez com o apoio dos amigos pelo mundo para a potencializar pré-venda que acontece pela distribuidora Diggers Factory, antes de sua prensagem.
https://www.diggersfactory.com/vinyl/242623/rafael-moraes-reconnection