Professor de toda uma legião de clubbers, DJ Mau Mau completa 30 anos de carreira. Falamos com o mestre

Claudia Assef
Por Claudia Assef

Só a paixão pela profissão pode explicar a energia que eu sempre sinto quando estou perto do DJ Mau Mau. Até mesmo em momentos difíceis, como numa entrevista que fizemos pouco após o falecimento de sua mãe, na ocasião do lançamento de Music Is My Life (2004), ele, mesmo supertriste, tem um não-sei-o-quê que faz a gente se sentir bem.

E, claro, isso se alastra pelas pistas por onde ele toca, há vários anos. Pra ser exata, em 2017 completam-se 30 anos desde a primeira vez que Mau Mau tocou como DJ, isso foi em 1987, quando Maurício Bischain ainda era menor de idade, tinha um emprego no Bradesco, dançava break e resolveu dar os primeiros passos (ou seriam viradas rs) como discotecário, no saudoso inferninho gótico Madame Satã, ao lado de lendas como Marquinhos MS, Magal e Renato Lopes (não necessariamente todos na mesmo época).

Music Is My Life: Mau Mau completa 30 anos como DJ, sempre se renovando

São tantos os momentos importantes na carreira dele que é difícil escolher os mais absurdos, mas vou citar alguns bem pessoais 1) a residência de Mau Mau e Renato Cohen no Lov.e (batia cartão quase toda sexta); 2) o set de encerramento do Skol Beats de 2002 (que rendeu a foto histórica que acabou virando capa do meu livro); 3) Mau Mau, Noise e Renato Lopes tocando na Techno Parade de Paris em 2001 4) Mau Mau, então DJ Maurício, tocando Beastie Boys numa matinê chamada U.S. Beef Rock, na rua Estados Unidos e 5) não muito longe dali, Mau Mau na cabine do Hell’s Club, o primeiro afterhours do Brasil.

Quero ver fazer um espacate no ar como o Mau Mau sabe fazer. A foto é de 1985

Outra lembrança muito forte é quando Mau Mau tocou na Praça dos Omaguás, ao lado da Fnac, no lançamento do meu livro Todo DJ Já Sambou em 2003 e meu pai me puxou de canto e falou: “Agora entendi por que você escolheu ele pra botar na capa”…

Bem, são tantas emoções que a gente não poderia deixá-lo jamais de fora da coluna #MillerMusic, que, como você já sabe, traz as grandes figuras da noite em entrevistas incríveis. Agora um presente, um set maravilhoso e exclusivo que Mau Mau gravou especialmente pra celebrar seus 30 anos de discotecagem. Taca-lhe o play e segue pra entrevista dançando na cadeira.

Ouça 30 Years of DJ Mau Mau

Music Non Stop – Você se lembra a primeira vez que acertou uma mixagem na mosca e pensou: “acho que vai dar certo isso de ser DJ”?

DJ Mau Mau – Quando comecei a tocar no Madame Satã, em meados dos anos 80, o repertório era basicamente rock alternativo e não exigia mixagens. Na mesma época eu dançava break com os b-boys no largo São Bento, foi nesse momento que a cultura hip hop me aproximou um pouco mais do universo do DJ, com suas performances e scratching. “Arranhar os discos” e produzir um som diferente era a novidade do momento. Foi aí que comprei meus toca-discos Gradiente Garrard e comecei a treinar em casa. A dificuldade para compreender o processo da mixagem foi gigante, demorei muito tempo para entender como uma música poderia se encaixar em outra, mesmo com velocidades distintas. Nessa época não existia nenhum curso de DJ no Brasil, me arrisquei na arte da mixagem na raça e com equipamentos bem precários. Muito treino, muitos erros, mas um dia consegui acertar e com o tempo aperfeiçoei a técnica. Depois de alguns meses tocando no Madame, o rock não era mais novidade, foi aí que introduzi artistas como Run DMC e Beastie Boys nos meus sets, e as mixagens se tornaram necessárias.

Um DJ chamado Maurício: Mau Mau tocando na Freedays nos anos 90

Music Non Stop – Qual a sua principal lembrança da primeira vez que entrou no Madame Satã?

DJ Mau Mau – Um amigo muito próximo me falou sobre o Madame Satã, de como o lugar era diferente com punks e góticos circulando pelo porão da casa e das músicas estranhas que não tocavam nas rádios. Fiquei muito curioso, mas eu era menor de idade e só me restou fantasiar e questionar: quando seria minha primeira vez nesse universo tão exótico? O tempo não passava, a ansiedade só aumentava e meus 18 anos estavam tão distantes que arrisquei uma carteira de identidade falsa, para finalmente conhecer o tal casarão de esquina, no bairro do Bexiga. A porta estava lotada de pessoas com cabelos coloridos e moicanos, usando coturnos, roupas pretas e rasgadas, nada comum nos anos 80 para pessoas com empregos formais. Depois de muito aperto e dificuldade, finalmente ultrapassei a porta de entrada e me deparei com a performance de Claudia Wonder, nua em uma banheira instalada no centro do bar. Foram momentos mágicos, imediatamente pensei: achei meu lugar!

Mau Mau sempre foi um elemento-chave na música eletrônica nacional: aqui ele tocando na Parada AME SP

Music Non Stop – Você esteve à frente de tantos movimentos no Brasil dentro da música eletrônica, vou deixar pra você escolher os três momentos mais importantes da sua carreira, por favor?

DJ Mau Mau – Foram tantos momentos mágicos, mas ok, vamos lá… 1- Skol Beats 2002 em Interlagos, set que consagrou minha carreira e foi registrado pelo fotógrafo Fábio Mergulhão. Muitas pessoas comentam que nesse dia eu encerrei o festival, mas não, depois do meu set ainda teve Layo & Bushwacka [hehehe falha nossa também]; 2- Minha primeira gig internacional em 1995, no Festival francês Transmusicales, a convite do DJ Laurent Garnier. Eu e a banda Nação Zumbi, ainda com Chico Science, representamos o Brasil; 3- Primeiro Trio Eletrônico de Daniela Mercury em Salvador, no ano 2000, abrindo fronteiras e mudando a história; 4- Preciso acrescentar um quarto momento inesquecível (sorry), a Ópera Eletrônica “O Guarani” de Carlos Gomes, desconstruída e remixada em parceria com o produtor Franco Junior e o maestro Fabio Gomes de Oliveira.

Music Non Stop – Se você não fosse DJ seria o dançarino, designer, cozinheiro… ou nada disso?

DJ Mau Mau – Se eu não fosse DJ, seria uma pessoa frustada em alguma área da publicidade, acho.

Music Non Stop – Qual a parte que poucos conhecem e que tem zero de glamour na profissão?

O “maestro” Mau tocando numa Virada Cultural no centro de SP

DJ Mau Mau – A profissão é um misto de extremos, eu toco para muitas pessoas em sets de algumas horas, em festas e eventos, mas me sinto muito sozinho nas viagens, hotéis, estradas e aeroportos. A maior parte do tempo, quando estou em casa, passo fazendo pesquisas musicais e produzindo minhas músicas em estúdio, não sobra muito tempo para amigos, família e lazer.

Music Non Stop – Como foi a emoção de reviver o Hell’s, com amigos daquela época, no ano passado?

DJ Mau Mau – A primeira fase do Hell’s Club (1994-1998), no Columbia, foi mágica. Uma verdadeira revolução de comportamento, embalada por trilha sonora única e protagonizada por formadores de opinião! Porém, como nada é para sempre, o projeto comandado pelo amigo quase gêmeo, Pil Marques (sim, muitas pessoas confundem a gente pela semelhança física), um dia acabou, e a palavra órfão nunca fez tanto sentido na minha vida. Muito vinil rolou em outros toca-discos depois do encerramento do Hell’s, mas um espaço ficou vazio e nunca mais foi preenchido. Depois de alguns anos rolou a segunda fase do Hell’s, no Clube Vegas, que também foi bacana, mas com clima diferente do porão da rua Estados Unidos. Ano passado, quando fui convidado para reviver o Hell’s pelo projeto Absolut Nights, fiquei um pouco ansioso e preocupado com o que poderia acontecer. A responsabilidade em resgatar o clima foi imensa, até senti um friozinho bater no estômago. Felizmente as duas festas que rolaram foram um sucesso. A primeira geração clubber compareceu em peso, a fumaça e o estrobos estavam a todo vapor, fotos da época decoraram o espaço e o resultado não poderia ser outro: muita emoção e jogação… Amei!

Music Non Stop – Se você pudesse congelar um momento na sua vida pra que ele durasse pra sempre qual seria?

DJ Mau Mau – Acho que poderia ser qualquer momento de explosão na pista de dança, reagindo a músicas poderosas!

Music Non Stop – Na foto da capa do Todo DJ Já Sambou, clicada pelo Mergulhão, você estava tocando num Skol Beats lotado, em 2002. Qual a lembrança deste momento?

Mau Mau tocando no Skol Beats 2002 em clique histórico de Fábio Mergulhão, que acabou virando capa de livro

DJ Mau Mau – As edições anteriores do Skol Beats não seguraram muitas pessoas até o final de cada evento. Quando fui convidado e escalado em 2002 para tocar no penúltimo horário, em um palco com bandas e DJs, confesso que fiquei um pouco decepcionado. Passei dias antes do evento pensando o que poderia fazer para obter uma resposta positiva em uma situação tão inusitada, em horário onde as pessoas estariam indo embora exaustas. Finalmente uma lâmpada mágica surgiu acima da minha cabeça (quase um desenho animado), uma idéia desafiadora surgiu (ufa): “Farei o oposto dos anos anteriores, em toquei músicas recém-lançadas, vou contar a história da minha carreira (até aquele momento), com os principais hits de cada fase, de cada clube onde trabalhei”. Arrisquei, e o resultado foi emocionante. As músicas mixadas traziam lembranças diferentes para cada corpo dançante à minha frente, grupos de pessoas saíram das outras pistas e se multiplicaram em êxtase, braços para o alto e muitas lágrimas de emoção nos meus olhos. Foi foooooooda!

Music Non Stop – Se pudesse “obrigar” um/a DJ iniciante a comprar três discos de vinil, quais seriam?

DJ Mau Mau – Acho que vou responder um pouco diferente, citando três artistas que lançaram trabalhos fantásticos em suas carreias, cada um em estilo diferente, mas super original:
Aphex Twin, Carl Craig e DJ Koze.

DJ Koze – Magical Boy

Music Non Stop – Qual foi a frase mais doida que você já ouviu enquanto estava tocando numa cabine?

DJ Mau Mau – Não é exatamente frase de alguma pessoa que vou citar, está mais para coral ensaiado. Nos anos anos 90, toquei em uma festa na zona leste de São Paulo, com aproximadamente 1.000 pessoas bem jovens, onde grupos dançavam “passinho” e cantavam no ritmo da música. No meio do meu set, se empolgaram e ouvi coisas do tipo: GLS (tum tum tum), GLS (tum tum tum)!!!… BASFOND (tum tum tum), BASFOND (tum tum tum)!!! E assim seguiu a noite, eu tocando e o público, composto basicamente por cybermanos, dançando e cantando em coro. Foi surreal!

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Claudia Assef

https://www.musicnonstop.com.br

Autora do único livro escrito no Brasil sobre a história do DJ e da cena eletrônica nacional, a jornalista e DJ Claudia Assef tomou contato com a música de pista ainda criança, por influência dos pais, um casal festeiro que não perdia noitadas nas discotecas que fervilhavam na São Paulo dos anos 70.