
Festival manchado em sangue? Entenda a polêmica por trás do Sónar
KKR, que investe em empresas bélicas israelenses, é uma das acionistas do festival, o que vem gerando comentários negativos e cancelamentos
Um dos mais importantes e inovadores festivais de música do mundo, o espanhol Sónar, se envolveu em uma tremenda saia-justa com a opinião pública e a classe artística graças à ocupação israelense na Palestina, que vem chocando o mundo. A empresa Superstruct Entertainment, dona do festival, aceitou dinheiro manchado com o sangue do conflito, e agora a produção tenta se explicar.

O rolo se originou daquelas embolias financeiras típicas do capitalismo. Vamos lá, caderno e caneta na mão: desde 1994, o Sonár era produzido pela empresa Advanced Music SL. Em 2018, James Barton, criador do Creamfields e dono da Superstruct Entertainment, chegou junto e comprou a marca. Mas não colocou dinheiro do bolso. Ele o fez usando uma empresa de private equity chamada Providence Equity Partners. As private equities juntam grana de outros investidores e fundos de investimentos e compram participações em empresas que não estão nas bolsas de valores. Quando a sacolada de empresas parcialmente pertencentes a uma private equity dá lucro, os investidores originais engordam seus patrimônios sem apertar um só parafuso.
Investimento não tem dono. É tudo pulverizado entre centenas ou milhares de microinvestidores que se juntam a esses fundos, atrás de lucro. Eis a causa da treta em que se enfiou o festival catalão. No ano passado, uma outra private equity chegou, botou a mala de dinheiro em cima da mesa e ofereceu uma bolada para comprar parte da Superstruct Entertainment, quem tem participapação na Providence Equity Partners, que por sua vez tem participação no Sónar. A empresa se chama KKR, e lucra com a ocupação israelense na Palestina.
É sabido que a KKR investe em empresas bélicas israelenses (como a Optical e a Circor International) e também no ramo de construções em assentamentos israelenses dentro de terras palestinas. E a contaminação no setor de eventos só piora, se considerarmos que a Superstruct Entertainment também tem participação em marcas como Boiler Room, DGTL, Field Day e o festival húngaro Sziget, entre vários outros.

Vários artistas já se posicionaram anteriormente, boicotando qualquer evento que use o dinheiro da KKR, como Massive Attack, Brian Eno e Ikonika. Recentemente, o alvo dos pacifistas está voltado para o Sónar: uma carta aberta assinada publicada dia 16 de maio por 95 DJs, incluindo alguns agendados para se apresentar no festival, como Juliana Huxtable, Tim Reaper, Animistic Beliefs e Emma DJ, denunciam o uso do dinheiro sujo.
A KKR silenciou sobre o assunto e se limitou a comunicar que seus investimentos buscam “criação de valor e expansão global”. O Sónar publicou um comunicado em suas redes sociais justificando que segue independente em sua curadoria, não recebendo nenhuma imposição da Superstruct.
O sistema de investimentos capitalista é tão embaralhado, envolvendo empresas que são de outras empresas que são de outras empresas, paraísos fiscais e diluição de identidade através das ações, que dificulta propositalmente seu rastreamento. No entanto, ONGs e artistas parecem estar mais atentos do que nunca. O Sónar está sentindo isso na pele, já que, além da reclamação do público, tem se deparado com algumas de suas atrações cancelando suas participações no festival.

A artista síria Dania chegou a se reunir com a organização do evento e anunciou o cancelamento após o fim da conversa, alegando que o posicionamento da equipe foi “insuficiente”. O egípcio Abadir alegou que “é impossível tocar com a consciência limpa”. O duo holandes Animistic Beliefs também bateu pesado: “Em algum momento, o limite tem que ser traçado. Para nós, é aqui”, afirmaram ao comunicar sua retirada, em abril.
O Sónar está programado para acontecer nos dias 12, 13 e 14 de junho, em Barcelona.