Paul McCartney Foto: Tati Silvestoni/Music Non Stop

Seria Paul McCartney o verdadeiro pai do indie rock?

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Ex-Beatle declarou que o álbum Let It Be “foi tipo uma onda indie. O que hoje é chamado de indie”

Antes de começar a ler qualquer entrevista de Paul McCartney, que está completando 82 anos de vida nesta terça-feira, esperamos algumas coisas. Contamos com elegância nas respostas, educação e bom humor. O baixista mais cultuado da história do rock se prepara para entrevistas, estudando inclusive traços pessoais de seu entrevistador antes de atender ao telefone. No entanto, uma característica que não devemos esperar em suas conversas é modéstia.

Ao mergulhar sobre a obra de seu famoso grupo, que envolve incríveis 12 álbuns em dez anos de atividade, todos eles virando o mundo da música de ponta cabeça, dá para entender que a modéstia seria mais um vício do que uma virtude. É difícil para um fã ouvir uma nova banda e não buscar “de qual disco dos Beatles é a influência”. E Paul, calçado na falta de modéstia que lhe é peculiar, avisa que o indie rock é invenção deles, em seu último disco, Let It Be.

“Foi um tipo uma onda indie. O que hoje é chamado de indie. Eu tentando e experimentando com sons sem me preocupar qual seria o resultado. Eu não estava criando esse material [as músicas de Let It Be] com alguma ideia na cabeça”, declarou, segundo a Far Out Magazine.

Na infinita novela que trata da paternidade de gêneros musicais, a história de vida do indie rock rende a mais mexicana de todas, com reviravoltas, adoções, intrigas e mistérios. Resumindo bem a história, o termo surgiu para rotular bandas que viviam fora da curva, a partir dos anos 80. As que não se preocupavam com as ondas do momento, replicadas à exaustão pela imprensa musical. Bandas que recorriam a gravações lo-fi, de baixo orçamento, sem a preocupação estética no som e, principalmente, no visual e na atitude.

O indie rock era muito mais uma atitude do que um tipo de música, propriamente. Englobava de Belle & Sebastian e Yo La Tengo a Minutemen e Residents; de Pixies a Stereolab. Bandas que “tocavam o foda-se” e, importante, sobreviviam assim, através de seus pequenos shows, vendas de CDs e a camisetas, com um público pequeno, cativo e pulverizado geograficamente. Indie vem, caso não tenha notado, de “independente”.

A partir dos anos 2000, com o advento da música digital e a explosão do circuito de festivais, a imprensa preguiçosamente ampliou o termo para qualquer banda que ainda usava o rock como principal referência. Se tinha integrantes bonitinhos, tocava em grandes palcos e não flertava com R&B ou dance music, joga na caixa do “indie rock” que tá bom. Partindo da concepção original do termo, como pode um disco dos Beatles ser considerado “indie”?

Quando Let It Be foi concebido, os Beatles já haviam, internamente, acabado. Os integrantes se falavam pouco, e passavam o dia olhando para o mundo lá fora, através da janela do estúdio. O tesão da criação conjunta já havia terminado, e a conexão entre eles, definitivamente murchado. As intenções daquele álbum se dividiam entre dar um ponto final digno à banda e cumprir tabela, espremendo as últimas gotas de suco da laranja que encantou o mundo por uma década. Paul McCartney era o único integrante determinado em fazer música e lançar aquele LP.

O resultado foi um álbum que assustou crítica e público. Muitas das canções pareciam incompletas, ou gravações demo. Tocadas ali, durante o ensaio, e gravadas. Lo-fi! O lançamento original incluiu “pedaços” de músicas, ao mesmo tempo em que incluía obras-primas (Beatles, né?), como Let It Be, Get Back, The Long And Winding Road e Across The Universe. Cada faixa olhando para trás, para os lados e para frente, mas nenhuma para o que estava tocando nas rádios.

A vibe despreocupada do disco influenciou, sim, uma gigantesca leva de bandas posteriormente classificadas como indie. E é embasada por essa estética que McCartney, olhando para atrás, teve a epifania de que “este filho é meu”. Permite deliciosos e infindáveis debates, claro, mas faz sentido.

Se Ratinho um dia gravasse um quadro do exame de DNA para o indie rock, tretas e cadeiradas voariam pelo palco, lançadas por músicos das mais diferentes estilos musicais, países e gerações. Frank Black, do Pixies, uma vez deu a Mose Allison (a quem dedicou uma música) o título de verdadeiro pai da estética indie rock, misturando country, jazz e blues, com um jeitinho inseguro e retraído de cantar, já em 1957.  No meio do barraco estariam também Velvet Underground, R.E.M., The Smiths, e até obscuros e desconhecidos neo-zelandeses de bandas como Sneaky Feelings e Tall Dwarfs; todos berrando: “mentira deslavada, Ratinho, o filho é meu!”.

Com Paul McCartney e os Beatles entrando na disputa, a novela fica ainda mais deliciosa.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.