Parental Advisory Imagem: Reprodução

Proibido é mais gostoso: a história do selo “Parental Advisory”

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Carimbo para alertar os pais sobre conteúdo explícito em mídias musicais acabou virando uma forte ferramenta de marketing

Proibido é mais gostoso. E um selinho afixado na capa dos discos de vinil, CD e cassetes nos Estados Unidos (regra seguida mais tarde pelo Reino Unido), a partir de 1987,  ajudou a confirmar esta sentença. O carimbo “Parental Advisory: Explicit Content” (“Aviso aos Pais: Conteúdo Explícito”, em português) surgiu de um choque maternal, foi implantado em um ambiente polêmico e acabou virando a cabeça dos jovens e dos artistas.

A ideia de botar uma estampa na capa de qualquer álbum que contivesse, nas letras de alguma de suas músicas, putaria ou violência, veio de uma mancada de Mary “Tipper” Gore, esposa do cara que, alguns anos mais tarde, se tornaria vice-presidente dos Estados Unidos, Al Gore. Mary deu de presente um CD de Purple Rain, seminal álbum do Prince, para sua filha de 11 anos. Ao acompanhar a audição com a garotinha, no entanto, viu o fio de seus louros cabelos apontarem para a lua. Darling Nikki, a quinta canção do álbum, poeticamente falava sobre masturbação!

O chilique foi tamanho que Tipper Gore tomou o caso como missão de vida. Quantos pais estavam presenteando seus filhos com conteúdo impróprio sem saber? Fundou, em 1985, a Parental Music Resource Center, a PMRC, para acabar com as gafes, e em menos de dois anos conseguiu fazer tanto barulho que motivou a criação do selo de aviso aos pais pela RIAA (Recording Industry Association of America), associação que reúne as gravadoras americanas. A ação foi vendida como uma forma da RIAA “assumir responsabilidade na ajuda aos pais em identificar conteúdos impróprios para crianças e jovens”.

Logo nos primeiros meses da implantação do selo Parental Advisory, o mundo da música inflamou em polêmica. O primeiro disco lançado com a marca foi As Nasty As They Wanna Be, do 2 Live Crew, em 1989, e gerou uma enxurrada de acusações de racismo. Além disso, a imposição poderia ser vista como censura, principalmente depois que algumas redes de revendedores, como a Walmart, resolveram não vender mais álbuns que tivessem o selo em suas capas. As grandes gravadoras pop se assustaram, e passaram a disponibilizar duas versões de seus lançamentos: a original e a clean. Na clean, palavrões, versos ou até músicas ofensivas, segundo a PMRC, eram limados.

O que era para ser a solução para pais preocupados, no entanto, acabou surtindo efeito contrário. A molecada que comprava discos por conta própria só queria saber dos álbuns que continham o selo de Parental Advisory. Além de buscarem pela obra original, do jeito que foi composta pelos artistas, ninguém resiste a um bom palavrão e, por tabela, àquele ato de rebeldia contra os pais caretas. A comunidade artística caiu de pau em cima da suposta censura. No disco Mondo Bizarro, dos Ramones, lançado em 1992, Joey Ramone cantou, na música Censorshit (um trocadilho com “censorship”, “censura”): “ah Tipper, qual é? Você não tem transado? Pergunte ao Ozzy, ao Zappa ou a mim que nós vamos lhe mostrar como é ser livre”. Muitos artistas se ligaram no frisson que os proibidões estavam causando nos jovens e viram uma oportunidade. No mesmo ano de 92, a iniciante banda White Zombie batizou seu álbum como La Sexorcisto: Devil Music, Vol. 1. A ideia era deixar Tipper Gore e sua turma em choque. Deu certo, o álbum catapultou o grupo ao sucesso.

Hoje em dia, tempos em que qualquer adolescente tem acesso à conteúdos ultraviolentos ou pornográficos apenas mentindo para o website ao clicar “tenho mais de 18 anos”, um selinho estampado na capa de um CD parece besteira. Mas à época, se tornou um símbolo de rebeldia e subversão. E por mais que o tiro tenha saído pela culatra, não fez com que o pessoal da PMRC desse o braço a torcer, a ponto de sua implantação ter sido expandida a produtos como jogos de videogame, por exemplo. Gigantes como a MTV estadunidense passaram a comprar a briga, exigindo edições editadas, clean, para autorizar videoclipes em sua programação.

O selo, na real, existe até hoje, mas acabou perdendo muito de seu impacto. Ficou tão comum nas capas dos lançamentos que passou a ser ignorado pelo cérebro. O universo digital, onde as capas dos discos são reduzidas a minúsculos ícones, minou o que ainda havia de impacto visual do aviso. Nas plataformas de streaming, nenhumas das obras citadas nesta matéria contém qualquer nota sobre o conteúdo das letras.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.