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Visitamos a exposição OSGEMEOS em São Paulo. Saiba tudo sobre a mostra que conta a história dos ícones brasileiros das artes visuais

Bruna Guedes visita a exposição Segredos, Os Gêmeos na Pinacoteca e divide conosco a experiência de conferir a obra destes ícones da arte visual brasileira.

Na última semana, estive na exposição “Segredos”, dos OsGêmeos na Pinacoteca, e me emocionei por tantas vezes e por diversos motivos, que propus escrever sobre as minhas impressões desta que é a primeira exposição panorâmica dos irmãos Otávio e Rodolfo Pandolfo.

Arte Urbana na Pinacoteca

Primeiramente, é válido ressaltar a importância de ver uma exposição de tamanha grandiosidade e qualidade inserindo a arte urbana, a cultura do Hip Hop e do grafite para dentro de um museu como a Pina. Com excelente curadoria do o alemão Jochen Volz, ela apresenta a história dos artistas desde os primeiros passos quando crianças e percorre pela jornada dos dois artistas simbióticos que se comunicam de uma forma única, singular e quase extra humana, como dois seres que não precisam das palavras para produzirem em conjunto —  assim, eu visualizei essa dupla; como dois criativos que dedicam suas vidas para a produção de arte. 

 

Nascidos em 1974, no tradicional bairro Cambuci, região central e um dos mais antigos de São Paulo, e que está atrelado diretamente à história dos irmãos, tanto que é onde até hoje eles possuem estúdio. Antes dos irmãos, o Cambuci já tinha como característica o acolhimento de artistas, como Alfredo Volpi que viveu no bairro quase toda a sua vida. 

É ali também que eles desenvolvem as primeiras relações com a arte, através de uma forma distinta de brincar e com um amplo apoio familiar para um desenvolvimento criativo que transforma para sempre suas vidas, amplificando a capacidade de sonhar de ambos e que marca a qualidade tão impressionante desta exposição. Explico melhor adiante. 

Uma antologia de OsGemeos

O acervo conta com 1000 itens, cerca de 50 inéditos ou nunca expostos no país, distribuídos em sete galerias em um corredor lateral do museu, mais a fachada que foi modificada por eles com um letreiro em neon e instalações grandiosas espalhadas pelo pátio e salões. 

foto: Bruna Guedes

Logo na entrada, você se depara com um boneco inflável de 17 metros produzido em parceria com o grupo de dança Flying Steps, no museu Hamburger Bahnhof (Berlim), e exposto pela primeira vez por aqui. Neste momento você já é impactado pela grandiosidade da primeira obra e pelos traços tão característicos da dupla. Em seguida é guiado a percorrer pelas instalações imersivas e sonoras nas salas principais que te recebem de frente com a ponte de acesso, e ali você é tomado por um universo lúdico que te abre o coração para adentrar neste mar de emoções e cores que os dois constroem com uma riqueza de detalhes que te faz girar por diversas vezes entre as obras. Dali em diante, você está totalmente tomado pela curiosidade do que pode vir a seguir e começa a se questionar “Onde estão as outras obras que eu não vejo?”

Então, você se depara com um corredor cronológico da carreira com painéis fixados na parede e que apresentam parcerias, datas importantes nestas mais de 30 anos de carreira, como quando em 2008 eles executaram a pintura da fachada da Tate Modern, de Londres, e fotos com intervenções significativas por diversos países. 

No final deste corredor, finalmente, você descobre que ainda há muito para ver e absorver através de sete salas. Em uma porta principal, somos recebidos por um guia com algumas instruções de segurança por conta do Covid-19 e que controla o número de pessoas para entrar e evitar aglomerações. 

Quando você adentra nesta primeira sala, logo percebe  porque citei que o fator familiar é um primordial na construção deles como artistas, ali você é jogado diretamente para os anos 80, com acervo altamente rico com fotos, roupas, primeiros desenhos, toca-discos, registro do primeiro curso de desenho que os dois fizeram na própria Pinacoteca, em 1982, diplomas, mínimos pedaços de papéis, pequenezas, detalhes fantásticos, gravações, cadernos e começa entender como os pais, irmãos (mais velhos) e avós fortaleceram suas mentes criativas desde os primeiros anos de vida e conservaram desde o início estes registros. Essa união familiar me inspirou de uma forma tamanha que me fez refletir como temos como dever ampliar o mundo de seres humanos acolhidos e incentivados, sejam eles nossos filhos, de sangue ou não, sobrinhos, irmãos, filhos de amigos, não importa, o que importa é que nós, amantes das artes, da música e  pessoas que acreditam no afeto como fio condutor podemos estimular a desenvolvimento de pessoas que tenham em si um talento, seja ele qual for. 

Voltando para eles e para esta esta primeira sala, nela você observa as fotos com as festas de aniversário e os pais criando decoração delas e bolos fantásticos. Também consegue ver as roupas que a avó costurava para que eles usassem nos encontros de breakdance na estação São Bento — local de imensa importância, onde eles conheceram muito dos seus amigos e foram influenciados pelo rap, hip hop, break e trocavam referências. A influência do avô que ensinou o irmão mais velho Gustavo Pandolfo, artista plástico, performático, a construir brinquedos e que logo tratou de ensinar os meninos também é visível. Nesta sala, o seu olhar se perde entre algumas centenas de objetos, tudo é ocupado, cada bancada, parede, vitrine tem detalhes que você observa como em uma máquina do tempo repleta de emoções. 

Este preciosismo segue na sala seguinte, com as obras já em ampla evolução dentro dos anos 90 com a produção em um estúdio criado na casa dos pais, e ali, você já consegue identificar uma evolução artística e organizacional através esboços para a produção de telas e trabalhos direcionados para as primeiras exposições coletivas e individuais. 

Dali em diante, os trabalhos começam a crescer, tanto na proporção como na identidade absurdamente incrível com as suas múltiplas linguagens, junções das mais diversas técnicas e elementos. Essa evolução segue junto aos registros com os sketchbooks expostos, e vai evoluindo enquanto você observa a tridimensionalidade que começa a surgir nas peças. Tudo é grandioso, envolvente e o amarelo tão característico já está fixo no seu olho quando ele explode ao entrar em uma das salas que a música vira protagonista através de capas de discos e caixas de som estilizadas, além de uma peça na forma de uma mesa de som móvel com dois toca-discos, mixer, dois megafones, caixas de som, luminárias e que, com certeza, todos os DJs gostariam de levar para casa. Na real, por diversos momentos você imagina uma daquelas obras em sua casa enquanto esquece do tempo e adentra o ‘uni-verso’ que eles acreditam mesmo existir e habitam com as suas mentes fantásticas. As obras e aqueles seres criam vida e a familiarização com eles é inevitável. A minha recomendação é: sente-se! Use alguns dos bancos disponíveis ao longo das salas e aprecie a viagem como quem senta em um trem e observa pela janela o que está ao redor durante o caminho. Inspire. Existe uma lisergia capaz de te guiar para dentro deste universo verdadeiro para eles, a TRITREZ.

 

foto: Bruna Guedes

Após uma sequência de seis salas que percorrem pela história, autenticidade e genialidade destes irmãos, você passará pela última sala com uma luz mais baixa, paredes pretas com fotos de alguns dos seus graffitis por São Paulo e com duas obras em parceria com o artista Banksy instaladas lado a lado, encerrando o corredor percorrido como um ‘gran finale’ impactante e que explicita a grandiosidade destes dois artistas que levaram o graffiti nacional para o mundo. 

 

 

Better Out Than In, parceria entre Banksy e Os Gêmeos. – foto: Bruna Guedes

 

Aproveitem, pois a exposição foi prorrogada até o dia 03 de maio e a Pinacoteca está vendendo ingressos de forma online todas as sextas-feiras na parte da tarde através do site deles. A fila virtual é grande, mas o site funciona (ainda melhor pelo celular) e a espera vale a pena. No meu caso, aguardei por 36 minutos com mais de 2500 pessoas na minha frente, mas consegui agendar meu horário e ter uma experiência que estimulou todos os meus sentidos após quase um ano sem pisar em São Paulo neste último ano pandêmico. 

foto: Bruna Guedes

Antes de ir embora, depois de passar mais um longo tempo absorvendo também o acervo da Pinacoteca, começou uma tempestade e tive a oportunidade de ver as instalações acesas e acabei me emocionando mais uma vez com a melancolia que existe em suas obras, mas que nem sempre fica explícita ao se diluir entre as cores vibrantes e as formas arredondadas.

 

No caminho, dentro do carro, enquanto observava a chuva cair e absorvia todas aquelas impressões, fui reunindo todos os entendimentos em mim, a capacidade intelectual e criativa dos dois, o apoio desta família, o amor à música, a história desta São Paulo na rua após a ditadura e atrasos de mais de uma década, como do Hip Hop que chegava por aqui após 10 anos do seu surgimento, e confesso, que foi um misto de emoções positivas, negativas, inspiradoras, futuristas, retrógradas, mas com certo medo de ver toda essa nossa capacidade criativa novamente ‘voltar para dentro da caixa’ e deixar de ocupar a rua, como já vem acontecendo algum tempo e criando força com o atual governo, que tem a arte e a educação como inimigas de um projeto bem elaborado para manter uma população presa à um sistema que tira a nossa capacidade de sentir e sonhar. 

 

Frequentem museus, galerias, absorvam as mais diversas formas de expressão, ativem o olhar para o que está ao nosso redor, pois é através dessa nossa capacidade de enxergar mundo que construímos além do instinto de sobrevivência, e a vida pode ser mais do que sobreviver.

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