Billie Eilish Foto: Reprodução

Review: Churros gourmet? Billie Eilish surpreende em novo álbum

Jota Wagner
Por Jota Wagner

“No entanto, da metade para a frente, algo muda. Eilish nada para fora da piscina de melaço, querendo salvar-se de uma diabetes precoce”

Se o objetivo de Billie Eilish e seu irmão mais velho, o produtor Finneas O’Connor, for emplacar uma música na trilha sonora da próxima novela das 9, ou bombar na programação da rádio Antena 1, dá para dizer que estão no caminho certo. Hit Me Hard and Soft, terceiro álbum da garota prodígio, é uma surpresa, principalmente para quem se encantou com seu antecessor, Happier Than Ever (2021) — um disco propositivo, eletrônico e que tinha pauladas sensacionais como a excelente Oxytocin.

A nova empreitada, lançada dia 17 de maio pela gravadora Interscope Records, começa com uma doçura digna de um jovem laricado. Se fosse um churros, Hit Me Hard and Soft seria aquele tal gourmet, coberto com doce de leite, nutella, creme de ovos, chocolate e açúcar de confeiteiro. Uma doçura indigesta.

Indigesta, pelo menos, para paladares mais maduros. Afinal, o disco já bateu o primeiro lugar das paradas inglesas, condizente com o gosto da nova juventude britânica. Hit Me Hard and Soft perde feio para os lançamentos das colegas de festival Beyoncé e Doja Cat, e rivaliza com a Dua Lipa, provando que o pop, de modo geral, não vive seu melhor ano ao sabor inglês.

A proposta do disco é mostrar ao público uma artista mais introspectiva e melancólica — tarefa bem mais difícil se considerarmos sua tenra idade (22 anos) e o fato de que sua futura longa carreira ainda lhe reserva grande parte das cabeçadas e desilusões comuns a qualquer ser humano. O resultado é um tanto perturbador.

Baladas, arranjos mais soturnos e letras sentimentais, assim como a poesia, servem a quem está muito feliz, vivendo o auge de um grande amor, ou naquela fossa desgraçada. O mood da primeira metade do LP, pelo qual somos obrigados a atravessar em faixas como Skinny ou Wildflower, é mais o de quem está esperando um ônibus há 45 minutos, cansado e com vontade de chegar em casa.

No entanto, da metade para a frente, algo vai mudando. Eilish nada para fora da piscina de melaço, querendo salvar-se de uma diabetes precoce. É como se a artista começasse a se cansar da introspecção chorosa do mesmo jeito que o leitor, a este ponto do texto, se cansou das minhas metáforas açucaradas. “Vamos salvar essa porra!”, deve ter tido a cantora a seu irmão.

A partir de L’Amour de Ma Vie (olha aí, o amor salvando o mundo), sétima faixa, um lirismo pop vai tomando conta da alma da artista. Os arranjos vão caindo para uma mistura de soul e folk eletrônico, bem nos moldes do que fazia Feist em seus áureos tempos. As cafonisses dos arranjos vão se dissipando, e uma Billie Eilish mais leve vai surgindo sob a bruma. Longe, muito longe da qualidade de Happier Than Ever, mas de uma outra forma, também bacana. A salvação da lavoura é seguida por The Diner, a melhor música do álbum, estranha e divertida. Ufa!

Bittersuite e Blue finalizam o álbum seguindo o alívio aos ouvidos em padrão bastante melhorado. A voz encaixa, os arranjos incitam. É isso, menina!

Por que esperaram tanto para engatar a primeira marcha num álbum tão importante para a carreira de Eilish, jamais saberemos. Parece falta de repertório. Geralmente, artistas que compõem muito chegam no estúdio com três vezes mais músicas do que as cabem no álbum, o que dá aos produtores margem para cortar o que está abaixo da regra. No entanto, são apenas conjecturas do resenhista.

Voltando às comparações com Dua Lipa, que se vê presa ao acerto de seu primeiro disco, Billie Eilish criou uma linha de corte, com Happier Than Ever, que complica sua vida. O caminho mais fácil, tentado aqui, é invocar São David Bowie e compor uma nova obra que vai para um caminho completamente diferente do disco anterior. No caso de Hit Me Hard and Soft, não deu certo. Não é preciso “mostrar maturidade” tão cedo.

Mas sabemos que o mercado é implacável e a pressão é grande. Para salvá-la, pudemos ver que, considerando a primeira posição no chart de seu país, Billie Eilish tem o carinho e o suporte dos ingleses. Por aqui, ficamos com a Billie de The Diner. Neste som, a cantora, definitivamente, jantou!

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.

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