The Killers Primavera Sound São Paulo The Killers no Primavera Sound São Paulo 2023. Foto: Divulgação

De Gil a The Killers: 11 músicas sobre personagens inventados

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Muitos compositores conseguem ir além do básico, encarnando o melhor dos escritores e inventando histórias com pessoas que não existem

As letras das músicas fazem parte de um dos mais complexos e cativantes atos de compor. Embora seja muitas vezes relegada a algo secundário, colocar o universo em um verso, com tão pouco espaço, é coisa de gênio. Que o digam Chico Buarque e Bob Dylan. E uma vez que a música sempre é uma forma de expressão pessoal do artista, o caminho mais fácil de inspiração é falar de si, suas dores e alegrias, ou algo que o compositor tem bem pertinho de sua vida.

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Muitos gênios, no entanto, conseguem ir além, encarnando o melhor dos escritores e inventando uma histórica fictícia vivida personagens que não existem, com começo, meio e fim. Faixas como Faroeste Caboclo, do Legião Urbana, por exemplo, com 11 minutos de extensão e 142 versos, decorados de ponta a ponta por uma porção de gente.

Confira nossa lista com nove músicas (na verdade 11, já que uma delas é uma trilogia) criadas no maravilhoso mundo da imaginação, com personagens que não existem no mundo real. Algumas tão potentes que muitos pensavam se tratar de pessoas reais.

Legião Urbana – Dezesseis

Renato Russo tinha a manha de contar histórias de personagens fictícios em suas músicas. Foi assim que compôs os dois maiores hits da banda, Eduardo e Mônica e Faroeste Caboclo. Mas vamos falar aqui da primeira, Dezesseis. Russo canta a saga de João Roberto, carismático e popular, que morre em um racha em Brasília. A situação era comum na geração dos anos 80.

Nenhum de Nós – Camila, Camila

Anos após seu lançamento, em 1987, a história de que Camila era uma prostituta (real) de Porto Alegre virou lenda urbana entre os jovens. Theddy Corrêa, seu compositor, explicou décadas mais tarde que a inspiração foi diferente. A letra foi composta pensando nas garotas que sofriam abusos de maridos e namorados. Corrêa inclusive testemunhou um episódio como esse sofrido por uma amiga da banda.

Gilberto Gil – Domingo No Parque

Na clássica Domingo No Parque, Gilberto Gil se inspirou na literatura e no cinema brasileiro para compor uma história complexa, envolvendo Juliana e os amigos José e João. Ciúme, traição e morte em um parque de diversões, tema de um dos maiores clássicos da música brasileira.

The Kinks – Lola

Assim como Camila, muta gente acredita que a Lola, do maior clássico dos Kinks, realmente existiu. São muitas Lolas, no entanto. Na música, a banda canta sobre o movimento crossdresser (homens que se vestiam de mulher à noite, e voltavam a seu formato careta durante o dia para trabalhar), que a banda conheceu no bairro do Soho, em Londres, e em Paris.

David Bowie – Conversation Piece

Poucos artistas levaram o teatro tão a sério nos palcos como David Bowie. Criar personagens de uma música, caso de Ziggy Stardust, era pouco para o homem. Ele fazia música, disco, e ainda encarnava-o no palco. Ziggy é um alienígena que vem para a terra com a missão de transmitir “uma mensagem”. Em Conversation Piece, no entanto, Bowie escreve um livro em música, descrevendo nuances incríveis de um rapaz solitário e tímido que vive em cima de um mercadinho. “Este mundo é cheio de vida. Cheio de caras que não sabem que eu existo. E eles andam pela rua em dois ou três ou quatro, enquanto as luzes brilham em cima do mercado.” Fala sério!

Júpiter Maçã – Madmouselle Marchand

Embora não tenha nome, Madmouselle Marchand (Senhora Mercadora) é uma dona de um antiquário descolado em São Paulo, linda e fã de Bob Dylan e The Byrds. Sem aviso, ela vai embora com sua loja, deixando o pobre personagem apaixonado de coração partido.

The Killers – A Trilogia da Morte

The Killers não contaram a história de uma personagem fictícia em uma música, mas em três: Leave the Bourbon On The Shelf, Midnight Show e Jenny Was a Friend of Mine. Na chamada The Murder Trilogy, A Trilogia da Morte, Brandon Flowers canta sobre uma garota chamada Jennifer, ou Jenny, que é assassinada pelo enciumado protagonista das canções. Apesar de ser fictícia, a obra foi inspirada em um caso real que chocou os Estados Unidos nos anos 80. Meu brilhante editor já contou essa história em detalhes aqui.

The Beatles – Eleanor Rigby

Uma das obras primas dos Beatles, a música conta a história de uma mulher solitária em Londres, e do padre MacKensie, que escreve “sermões que ninguém ouve”, pois sua igreja está sempre vazia. É apenas uma das dezenas de canções com personagens urbanos fictícios criadas pelos Beatles, geralmente assombrados pela solidão.

The Who – Pinball Wizard

O personagem criado pelo The Who tinha tanta força dramática que acabou se transportando para o cinema. O tal Pinball Wizard era um garoto cego e surdo que jogava fliperama como ninguém. “Nunca se distrai, não pode ouvir os sons do jogo. Não vê as luzes piscando, joga pelo senso ou cheiro. Sempre ganha um replay, nunca vi ele perder.” O moleque nem é o protagonista. A música é parte da ópera rock Tommy, de 1969. O filme baseado na obra saiu em 1975.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.