
Um dos produtores de house mais inteligentes, Moodymann toca nesta noite em SP
Saiba mais sobre uma das principais atrações da primeira edição brasileira da We Still Believe, de The Blessed Madonna
Uma das características mais inebriantes e charmosas do cenário de house music e techno de Detroit é sua conexão sanguínea com o jazz. E a vinda de Moodymann, artista que se apresenta em São Paulo na festa We Still Believe, criada por The Blessed Madonna, é um exemplo literal desta relação. Não falo só da música, mas do pensamento, do sonho e até mesmo dos perrengues que os músicos da nata jazzística compartilham com os fundadores de um movimento cultural que elevou a música eletrônica ao status de arte.

Antes de se tranformar no Moodymann que amamos, Kenny Dixon Jr. viveu realmente a cena de jazz em Detroit. Chegou a tocar bateria no grupo de seu avô com 15 anos de idade, mas foi mandado embora do grupo pela falta de habilidade nas baquetas (tá achando que é fácil, mermão?). Ainda bem que foi chutado. Compreender, testemunhando tudo de dentro, a raiz do jazz o fez um dos produtores mais inteligentes da história da house music.
Passear pelos primeiros anos da carreira de Dixon nos traz gostosas lembranças. Hoje um ícone da música eletrônica, sua história não foi diferente de tantos os outros garotos que, ainda hoje, tentam se aventurar no mundo da música de pista.
“Fazia festas para os meus amigos para conseguir tocar. Na época eu não percebia, mas foram os melhores momentos da minha vida”, conta, no documentário Moodymann: Detroit Dust On My Shoes, o cara que teve seu primeiro emprego em uma loja de discos, a Buy Rite, e assim se educou na música.
Conversava com as dezenas de DJs mais experientes que frequentavam a loja, sacava como pesquisavam seus discos e, claro, aprendia muito sobre a história da música. Começou a produzir vendendo loops e beats para rappers locais, e chegou até mesmo a montar um grupo de rap com o amigo Kahlil Oden, o K9. A dupla conseguiu um contrato com a Warner Records, gigante da indústria, mas poucos dias antes de assinar, Oden foi morto em um tiroteio na problemática Detroit. Era o fim do rap para o garoto que já havia sido baterista de jazz.
Na então nascente cena de house music da cidade, no final dos anos 80, o alter ego Moodymann começava a testar sua produções. E, mesmo para um talento latente, teve de criar seu próprio selo, “simplesmente porque ninguém queria lançar minhas músicas”. Assim, surgiu em 1994 a KDJ Records, gravadora pela qual o artista entregou seu primeiro EP, Moody Trax, ainda antes de estrear o nome artístico que o faria conhecido no mundo inteiro — aqui, assinou como “Mr. Kenny Dixon Jr.”.
Falando em “mundo”, o curioso é que, também como nos artistas do jazz do começo do século passado, os garotos de Detroit demoraram para se dar conta da importância do que estavam fazendo. Em Detroit Dust On My Shoes, Kenny contou, em entrevista a Gilles Peterson, que recebeu um telefonema convidando-o para tocar em Paris:
“Não tem como, cara. Como é que eu vou colocar o meu soundsystem dentro de um avião?”. Na época, era assim que conseguia discotecar: arrumando um lugar abandonado (havia centenas na Detroit dos anos 90), carregando caixas, cabos e potências de som nas costas e fazendo uma festa. Jamais se podia imaginar que bastava levar seus discos porque havia uma casa noturna na França ávida por escutar sua música que, aliás, também não se tinha a menor ideia de que estava sendo ouvida do outro lado do Atlântico.
Novamente, a similaridade com a cena jazz foi incrível. Chet Baker tocava por cachês irrisórios em Nova Iorque até que o colega Charlie Parker implorou: “pelo amor de Deus, cara. Vai tocar na França!”. Em 1955, Baker testemunhou, estupefato, rosas sendo jogadas para ele no palco em teatros lotados de Paris. O músico sequer sabia que um único europeu havia escutado alguns de seus discos. Soube da melhor forma, na primeira turnê de 1955, que havia não só um, mas milhares.
A perda da virgindade internacional trouxe a Moodymann um outro modo de ver a vida. Conheceu o Japão, país pelo qual se apaixonou. E uma vez globetrotter, passou a incluir o Brasil em suas viagens, a partir da década passada. Um privilégio para os paulistanos o verem novamente na cidade, ao lado de um line-up bastante respeitável. Valeu, Blessed Madonna! Para o mundo, Moodymann leva Detroit: “por onde quer que eu ande, a poeira de Detroit está na sola dos meus pés”.

Seja como produtor ou DJ, o artista entrega sofisticação e inteligência necessária para as pistas de dança. Segue divertida, dançante e absolutamente fundamentada na black music, mas vai muito além. Toca na alma, em camadas que só a escola jazzística permite, vinda de um cara que conhece a música negra por dentro, oriundo de uma das cidades culturalmente mais profundas do planeta.
“Ele gosta de educar as pessoas. É muito mais um professor, do que um DJ”, conta Mike Banks, um dos fundadores do coletivo Underground Resistence, no doc sobre Moodymann. Bem, bora para mais uma aula de música eletrônica hoje à noite!