Minas do jazz: Mary Lou Williams
Adriana Arakake começa nova série de textos sobre mulheres do jazz com a gigante pianista americana
Uma grande alegria na vida foi este convite para escrever para este canal tão importante que já espalha a palavra do jazz por anos. Sou mulher, escrevo e falo sobre jazz e isso tem suas dificuldades: ser respeitada, ser ouvida, ser reconhecida. Escolhi, assim, falar sobre mulheres do jazz nesta coluna, e é uma grande honra escrever sobre personalidades femininas tão importantes. Começo esta série com uma das pianistas, compositoras e arranjadoras mais importantes do gênero, Mary Lou Williams.
Mary Elfrieda Scruggs nasceu em 8 de maio de 1910, em Atlanta, Geórgia, nos Estados Unidos, e enfrentou adversidades desde cedo. Após a separação de seus pais, mudou-se para Pittsburgh, Pensilvânia, com sua mãe e o padrasto. Aprendeu a tocar piano com a mãe e, aos quatro anos de idade, já demonstrava habilidades excepcionais no instrumento.
Muito influenciada pela família, desenvolveu um estilo elegante para sonatas ouvindo a predileção do avô por música clássica ocidental. O gosto do padrasto por boogie-woogie a levou a desenvolver uma mão esquerda potente, e também memorizou canções folclóricas irlandesas que o tio ouvia. Ainda pequena, era convidada a tocar em festas e eventos, e ganhou notoriedade como “a menina pianista de East Liberty” (nome do bairro onde morava), tornando-se uma celebridade local, renomada entre os músicos e requisitada em apresentações para famílias ricas.
Apesar do racismo, Williams conseguiu conquistar respeito e admiração através de seu talento. As famílias brancas que inicialmente a hostilizavam, passaram a convidá-la para disputados concertos privados. Em Pittsburgh, estudou na Westinghouse Junior High School e foi influenciada por grandes nomes do jazz como Jelly Roll Morton e Fats Waller. Aos 15 anos, começou a excursionar com uma banda de vaudeville e, em 1926, casou-se com o saxofonista John Williams, mudando-se posteriormente para Kansas City, onde se destacou tocando com músicos renomados.
Nos anos 1930, Mary Lou Williams tornou-se a principal solista da banda Andy Kirk and His Twelve Clouds of Joy. Suas composições e arranjos impulsionaram o sucesso do grupo, desenvolvendo um estilo único, combinando diferentes seções da orquestra e criando harmonias inovadoras. Seu trabalho chamou a atenção de líderes de banda famosos como Benny Goodman e Duke Ellington, sendo fundamental na formação do swing e continuando a influenciar a música ao longo dos anos.
Após seu divórcio, em 1942, Williams casou-se com o trompetista Harold “Shorty” Baker e formou sua própria banda. Na década de 1940, tornou-se uma figura central do bebop, inspirando músicos como Dizzy Gillespie e Charlie Parker. Em 1945, o álbum Zodiac Suite foi apresentado pela Filarmônica de Nova Iorque, destacando-se pela fusão de estilos de jazz e música clássica. Contudo, em 1954, exausta, a artista se afastou da música para se dedicar a obras religiosas e de caridade.
Mary Lou Williams voltou aos palcos em 1957, encorajada por amigos e pelo clero, que via seu trabalho no jazz como uma missão divina. Se tornou uma fervorosa defensora da herança afro-americana do jazz, educando jovens músicos e aparecendo em diversos programas de rádio e TV. Nos anos 1960 e 1970, compôs peças litúrgicas e fundou sua própria gravadora, a Mary Records. Em 1977, foi nomeada artista residente na Universidade Duke, onde continuou a ensinar e influenciar novas gerações até seu falecimento, em 28 de maio de 1981.
O legado de Mary Lou Williams é enorme, e nós celebramos a contribuição dessa artista gigante.