Livro Todo DJ Já Sambou está de volta em edição ampliada e revisada. Camilo Rocha colocou a autora, Claudia Assef, na parede nesta entrevista
“Se a gente não souber de onde veio, isso não só na música, na política, na economia, nas artes em geral, não temos como nos situar no presente e muito menos projetar o futuro”, diz Claudia Assef, com muita sabedoria.
Todo DJ já ouviu falar da Clau. Pelo menos deveria. Em 2003, ela publicou Todo DJ Já Sambou pela primeira vez. Graças à sua pesquisa, descobrimos o primeiro DJ do país, seu Osvaldo Pereira, que conduzia uma “orquestra invisível” por detrás de uma cortina para o baile dançar. Em seu livro, a Clau ligou os pontos entre o seu Osvaldo, a Chic Show, o DJ Grego, o Ricardo Lamounier, a Sonia Abreu, o Ricardo Guedes, o Magal, o Marquinhos MS, o Renato Lopes, o Memê, o Marlboro, o Marky e o Patife.
Quinze anos depois, o mundo mudou, e a música e a profissão também. A história precisava desesperadamente de um refresh. Claudia entregou então uma edição revista e atualizada, trazendo Vintage Culture, ANNA, Alok, Tropkillaz, Selvagem, Capslock, Cashu, entre tantos outros, para enriquecer ainda mais a história. O livro continua obrigatório. Se você ainda não tem intenção de ler ou comprar, saiba que deveria.
Conversei com a Clau sobre livro, jornalismo e música. Aí vai.
Music Non Stop – Escrever sobre música parece fácil, mas eu não acho que seja. Quando você escreve sobre o mundo da música quais os aspectos que mais gosta de abordar?
Claudia Assef – Eu gosto muito de contextualizar o que estou escrevendo, porque, como a gente é nerd, vive e respira música o dia todo, pode parecer óbvio a gente sair falando termos e jargões que pra gente faz todo o sentido, mas que pode deixar muita gente boiando. Acho que música é uma linguagem universal e ninguém deveria se sentir excluído ao ler um texto sobre música, de qualquer gênero, sob qualquer ângulo. É preciso achar um meio do caminho pra que todo mundo se sinta bem-vindo e atendido quando começa a ler um texto – e tenha vontade, necessidade até, de chegar até o final dele. Uma vez, um tio meu que trabalha com revistas médicas, me disse: “lá vou eu tentar entender esse mundo dos DJs lendo um texto seu”. Fiquei feliz que ele, um senhor de seus 70 e tantos anos, se sentisse animado em ler um texto sobre algo que ele não faz a menor a ideia por que, segundo ele, era divertido de ler. Talvez o maior elogio (ainda que ele não tivesse falado como tal) que já recebi. Outro desses elogios enviesados vem em forma de um comentário que a princípio era pra me agredir. Era algo assim: “não suporto os textos da Claudia. Ela escreve como se estivesse falando”. Nossa, pra mim foi um golaço minha hater falar isso. Por mais haters assim. Sim, meu objetivo é escrever como se eu estivesse falando. Quando eu não conseguir mais, me avisa, porque estarei gagá. Quando eu quero algo rebuscado, eu leio Machado de Assis. Quando escrevo sobre música, quero trazer aspectos que talvez as pessoas não tenham visto ainda. Quero mostrar o lado mais interessante e curioso sobre aquele tema ou artista. É isso que me move a escrever, mesmo depois te TANTOS anos, né? Considerando que minha primeira capa de jornal (foi na Ilustrada, Folha de S. Paulo) saiu em 1997… lá se vão 20 anos de jornalismo musical nonstop!
Music Non Stop – A música eletrônica não deveria olhar sempre para a frente? Por que falar tanto do passado dela?
Claudia Assef – Não tem como olhar só pra frente, e você sabe bem disso. Se a gente não souber de onde veio, isso não só na música, na política, na economia, nas artes em geral, não temos como nos situar no presente e muito menos projetar o futuro. Além do mais, o brasileiro não é o povo com mais memória do mundo, você sabe. Eu fico passada quando viajo e vou às livrarias, aquele mundo de livros sobre música, dos mais específicos aos mais pop. Eu sempre penso, como é que pode, o Brasil é tão musical, por que não tem escritores registrando tudo isso? Pensando nisso também quis transformar o Music Non Stop em editora. Quero viabilizar a obra de outros autores/pesquisadores também. E, Camilo, você está na minha mira!
Music Non Stop – Tem gente que acha que os DJs são apenas caras que tocam música dos outros e são personagens rasos. O que você tem a dizer contra esse estereótipo? O que os DJs te ensinaram sobre a vida?
Claudia Assef – Eu queria responder com silêncio ou com aqueles memes que reviram os olhinhos, mas não podemos nos calar. O Brasil está muito estranho, o mundo está muito estranho, quando vejo o presidente dos Estados Unidos xingando a mãe de jogadores, sociedade civil brasileira se organizando em movimento contra a “pornografia” nas artes contemporâneas (o que é este MBL, gente?!), ai, e tantas outras coisas, como a recente matéria sobre “o fim da balada” que um desavisado publicou num jornal carioca (não vou postar link, melhor esquecer), sinto que a nossa missão é sempre informar. Então, respondendo à sua pergunta, quando eu vejo algum comentário que DJ é um mero tocador de música (às vezes isso é fato, atualmente, né, mas quando não é), costumo entrar na discussão e pontuar, informar, tento fazer pensar. Tive inúmeras lições de vida vinda de DJs, quero citar aqui a importância na minha vida do DJ Grego, que além de amigo foi alguém que sempre me mostrou que a paixão pelo ofício é capaz de mobilizar multidões. Mesmo que ele não tenha sido ídolo das massas, ele é até hoje considerado o pai dos DJs brasileiros. Eu via nos olhos dele a paixão por ser DJ, a verdade, a entrega, a força e por causa dele passei a acreditar mais ainda no ofício. Devo muito do que aprendi ao Mans e sinto muita saudade também.
Music Non Stop – Desigualdade de gênero é um problema em muitas áreas, e na música eletrônica e na noite não poderia ser diferente. O que tem melhorado nos últimos tempos e o que ainda deixa muito a desejar?
Claudia Assef – Incrivelmente o meio da música eletrônica, que todo mundo acho supermoderno e prafrentex, é machista pacas! Quantas vezes quando cheguei pra tocar em algum lugar o técnico de som da casa me tirou de namorada do DJ. Em alguns casos, de fato eu era namorada do DJ, mas ele nem ia tocar rs. Agora falando sério. Acho que nos últimos dois anos houve uma melhora, muito porque nós, mulheres, resolvemos gritar, resolvemos não ficar mais caladas e resilientes depois de tomar invertidas. Line-ups em que a mulher não aparece, por exemplo, são expostos pela sua falta de equidade, festivais e eventos somente com artistas mulheres, como o Women’s Music Event, que eu criei com a Monique Dardenne, mostram como existem mulheres talentosas e profissionais em todos os âmbitos da indústria da música. Essa melhora vem acontecendo, sim, e temos visto até um certo hype em torno dessa causa. Mas temos que ficar de olho pra que isso não seja um assunto apenas pra vender mais batom! Estamos de olho!
Music Non Stop – Dá para dizer que em 2003, quando saiu a primeira edição, o DJ estava sendo valorizado como nunca antes no Brasil. Onde estamos 15 anos depois, pós-DJ celebridade, pós-Sync e evoluções tecnológicas e com festas (Mamba, Caps) em que o DJ não é mais colocado num palco lá no alto. Quais as percepções que existem sobre o papel e figura do DJ (falo percepções porque tem o DJ mainstream, o underground etc).
Claudia Assef – Camilo sempre com perguntas boas! De fato em 2003, quando lancei o livro, a profissão DJ estava vivendo um momento de valorização. Daí que muita coisa aconteceu depois disso. Vieram os DJs celebridades, os DJs do Big Brother, os DJs que tocavam com equipamento desligado. Acho que houve uma quebra na confiança de certa forma, muita gente ficou meio desconfiada daquela massa de gente que entrou no mercado se autoproclamando DJ. Houve um período de chacota até, eu mesma criei um programa chamado Todo Mundo É DJ… Só que, você sabe, as coisas são cíclicas, e de uns 4, 5 anos pra cá, temos visto de novo uma leva de profissionais criativos, comprometidos, trazendo novidades, seja em seus sets e produções ou mesmo em seus eventos, como esses que você citou, Mamba, Capslock, e tantas outras festas criadas basicamente por DJs que queriam novos espaços para se apresentar. A partir dessa vontade, eles criaram novos ambientes, que vieram acoplados com um novo lifestyle em torno de si. Tem sido bem interessante acompanhar esta cena, que está novamente se renovando. Agora vemos que também há festas mais “elitizadas” feitas sob esses moldes, em locações especiais, com toda uma linguagem muito forte. Então além dos labels do underground, há núcleos como Ressonância, Pressure e outras tantas, fazendo festas com line-ups fortíssimos. E também percebemos a entrada de festas menores, criadas para serem pequenas mesmo. Tenho gostado muito de sair em São Paulo, não dá pra reclamar, não.
Music Non Stop – Você tem muitos amigos que podem e são pauta. Quais os cuidados que você toma quando vai escrever sobre amigos?
Claudia Assef – Olha, os mesmos que eu tomo quando não conheço o personagem em pauta. Trato amigo com carinho e amor num almoço, numa noitada, quando estou entrevistando, eu trato amigos com respeito e distanciamento, mesmas ferramentas que usaria com uma pessoa que nunca vi na vida. Por isso não tenho problemas em declarar minha amizade com DJs/artistas que depois eu eventualmente vá entrevistar. Amigos são amigos, pautas à parte.
Music Non Stop – Você já foi entrevistada muitas vezes, existe alguma pergunta que nunca te fizeram e que você gostaria de responder? Agora é a sua chance.
Claudia Assef – Quando estou deste lado do balcão, isto é, sendo entrevistada, eu confirmo a minha tese de que entrevistas precisam ter humor. Porque senão é um saco responder. Sempre faço esse exercício de tentar não matar de tédio os meus entrevistados. Espero estar conseguindo. Então uma pergunta que eu adoraria responder é: O que você faz quando dá uma sambada (porque… quem nunca, né?). Minha resposta: dou uma risadinha, uma cabelada e tento corrigir rápido rs.
TODO DJ JÁ SAMBOU NOVA EDIÇÃO
Editora: Music Non Stop
304 páginas
Preço: R$ 44
Onde comprar: loja Music Non Stop