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Muito além da rixa com Drake, Kendrick Lamar no Super Bowl foi sobre racismo
Entenda como a primeira apresentação solo de um rapper negro no maior evento da TV americana trouxe questões políticas cifradas
Há muita coisa por trás da última apresentação artística no intervalo do Super Bowl, e seus recordes de audiência caíram como uma chuva em dia quente a um espetáculo cheio de simbolismos e provocações. Não, não estamos falando da rixa “tática” entre dois rappers — Kendrick Lamar e Drake — disputando quem é “o primeiro”. Sobre isso, já falamos na matéria anterior, parte da nossa tentativa de enxergar fora da curva as nuances de um evento que respondeu bem, em resultados promocionais, às estratégias da NFL, a liga de futebol americano dos Estados Unidos.
![Kendrick Lamar](https://musicnonstop.uol.com.br/wp-content/uploads/2025/02/Kendrick-Lamar-Superbowl-150x150.webp)
Diversas nuances podem ser identificadas nesta trama. A escolha de um rapper negro, o primeiro a subir solo no palco do Super Bowl em toda a sua história, em um momento em que o cidadão dos Estados Unidos ainda processa o turbilhão de “novidades” apresentadas pelo presidente eleito Donald Trump. Uma conta que chega à mesa para ser paga antes da comida. A tensão é tanta que o estadunidense foi buscar em um evento esportivo a válvula de escape. Nunca antes tanta gente assistiu ao jogo.
Para nós, que não vivemos a realidade do país, fica mais fácil se ater às superficialidades, como quem xingou quem. Com tantos interesses envolvidos, muita gente ali pisou em ovos. Em 2016, a NFL ficou em maus lençóis quando tentou punir por baixo dos panos a insistência do jogador Colin Kaepernick em protestar contra a violência à comunidade negra dos Estados Unidos. Os protestos geraram uma espécie de “efeito Kaepernick”, motivando outros atletas a fazerem o mesmo.
Embora a NFL em si não tenha se posicionado contra, principalmente na pessoa do comissário Roger Godell, que com o passar do tempo declarou apoio a esse tipo de iniciativa vinda de atletas, os patrocinadores e muitos clubes ficaram incomodadíssimos. Kaepernick foi demitido de seu time, o San Francisco 49ers, “por outros motivos”, e nunca mais conseguiu jogar pela liga. Os clubes não o aceitavam, sem jamais admitir que a porta fechada veio dos protestos.
Corta para 2025, e então temos um Tio Sam negro, protagonizado por Samuel L. Jackson, tentando limitar a coreografia dos dançarinos vestidos de azul, vermelho e branco, as cores da bandeira nacional. Kaepernick foi detonado por Trump ainda candidato, na época em que o atual presidente não saia do Twitter. A apresentação de Kendrick Lamar, portanto, mexeu intensionalmente neste vespeiro. Na coreografia, o Tio Sam interagia com o rapper e os dançarinos com falas controladoras, como “isto aí está muito gueto”, “não vão estragar tudo”, “muito alto, muito imprudente, a América quer ‘calmo e quieto'”. “Calmo e quieto” era justamente o que boa parte dos envolvidos na NFL exigiram de Kaepernick.
Com maior ou menor paranoia conspiracionista, vários outros simbolismos foram encontrados pelos fãs na apresentação, como a divisão da bandeira ao meio ao som de Humble (humilde, em português). A humildade, tema da música de Lamar, pode ser associada ao conformismo exigido dos negros em relação a seus direitos. Olha o Kaepernick aí de novo. O rapper chegou até mesmo a citar a expressão “40 acres e uma mula”, promessa feita pelo governo americano aos escravos libertados, jamais cumprida.
Kendrick Lamar entrou no jogo. Para um artista com o ego naturalmente inflado, comum aos figurões do pop (incluindo aí, os “rivais” Kanye West e Drake), o homem adorou a coroa de novo messias. “A revolução está sendo televisionada. Vocês escolheram o lugar certo e o cara errado.”
![Super Bowl](https://musicnonstop.uol.com.br/wp-content/uploads/2024/02/Usher-Super-Bowl-2024-150x150.webp)
As espetadas foram direcionadas ao establishment, claro, mas também há mágoa com a NFL. Embora Roger Godell jamais tenha aberto ao público suas posições políticas, com o intuito de respeitar os interesses da liga, ele instituiu em seu mandato, vigente desde 2006, uma campanha de inclusão e diversidade. Só que os donos da grana, grandes patrocinadores e muitos clubes têm outro tipo de pensamento.
Apesar de ser considerado um “esporte de brancos”, representando a diversão dos rednecks, os caipiras estadunidenses, o futebol americano, segundo a própria NFL, reúne um total de 70% de jogadores que não são brancos — uma porcentagem que só perde para o basquete. É um número expressivo, que levanta o seguinte paradoxo: se no esporte são maioria, quem os impede de se manifestar?
O contragolpe veio mascarado, assim como foi a punição imposta a Colin Kaepernick. Apareceu de surpresa em um show de intervalo, assistido por mais de cem milhões de pessoas, e mexeu com muita gente. Veio através do rap, de um artista que havia acabado de festejar seu Grammy e preferiu acobertar o conteúdo político com um lençol mercadológico. Mas todo mundo viu.
![Kanye West](https://musicnonstop.uol.com.br/wp-content/uploads/2025/02/Kanye-West-150x150.jpg)