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Jazz + Charlie Brown Jr.? Só podia ser Jonathan Ferr

Jonathan Ferr

Foto: Renan Oliveira/Divulgação

Jota Wagner conversa com o músico que representa “uma nova cara do jazz brasileiro”

Jonathan Ferr me recebe (virtualmente) cozinhando em seu apartamento no Rio. Enquanto prepara seu almoço, fala sobre a correria para a apresentação ao lado da Orquestra Sinfônica Brasileira, que rolaria dias após nosso papo, na Cidade das Artes: “É um show superespecial para mim”.

Batemos um papo quebra-gelo até a entrevista começar de verdade, mas as primeiras trocas já me apresentavam um artista feliz, resolvido com o passado, o presente e o futuro de sua carreira. Mais do que isso, um cara ciente da sua função dentro da música: ser o legítimo representante do jazz fusion para a nova geração.

Para conseguir isso, Ferr não tem medo de arriscar. Empurra limites, mete autotune no jazz e, como acaba de fazer, traz pop rock de bandas como Charlie Brown Jr. para dentro de sua música. Foi isso o que fez com Livre, seu último EP, lançado no finalzinho de agosto, e motivo de boa parte de nossa conversa!

Jonathan Ferr toca em São Paulo neste final de semana (14), na Casa Natura. Leia a entrevista e corra atrás do seu ingresso!

Jota Wagner: Aproveitando o papo deste seu show com a OSB… você começou em orquestra?

Jonathan Ferr: Não, mano. É a primeira vez que faço algo do tipo. Achei superinusitado, interessante. O convite me apareceu do nada. Era um sonho para mim há muito tempo. Quando comecei a tocar piano, ficava pensando: “imagina tocar com uma orquestra”, minha família assistindo e tal. Esse show tem arranjos meus, com a OSB acompanhando as minhas músicas. Surreal!

O jazz é o gênero musical que mais permite experimentações e fusões…

Total!

E aí você chega com um disco reinterpretando Charlie Brown Jr. É para causar, né?

Cara, eu gosto, a cada obra que eu faço, de propor algo. O que eu posso fazer para ir além? Durmo e acordo pensando nesse negócio. Onde posso ir além? Acho muito interessante quando um artista faz um disco incrível e não dá para esperar o mesmo no próximo. Vai ser incrível, de outro jeito. Tem esses caras… Gil, Djavan, que fizeram reggae, samba, forró e mais não sei o que. Eu quero me tornar assim daqui um tempo. Gosto dessa contação de história a partir de cada disco. Todos têm a ver intrinsicamente com o que estou vivendo na vida pessoal.

No meu álbum Cura, de 2021, eu estava ali, saindo da pandemia, no processo de curamento e vivendo várias coisas emocionais no processo. Coisa que eu fui descobrindo no planeta, estando sozinho. Depois disso, me libertei, e veio o álbum Liberdade. Fui estudar, encontrar um monte de coisa. Eu não digo que sou um espírito livre. Sou um espírito solto, com vontade de vida. Igual cachorro quando sai de casa e quer cheirar tudo.

Disse a mim mesmo que eu quero exercitar essa liberdade em todos os âmbitos. E pra isso, peguei algo totalmente inusitado. Ouvia Charlie Brown Jr. quando era moleque. É o nosso Nirvana brasileiro, porque fez algo diferente de tudo o que estava rolando na época. Fui tocando, tirando a música, botando minhas harmonias… E foi ficando interessante.

Esse desespero pela liberdade aí tem a ver com uma luta contra a disciplina de ter estudado música? De ficar preso a regras?

Eu sempre fui fora da regra, cara. Minha mãe esses dias me disse que eu sempre fui o “diferentão” da família. Estudei música erudita por pouquíssimo tempo. Mas meus colegas concertistas são assim. Se não estiver na partitura, não conseguem tocar. Por isso que o jazz me interessou muito.

Love Supreme, do John Coltrane, mudou minha vida e a minha escuta. A primeira vez que ouvi… caraca, não entendi nada. Mas foi tão forte que eu falei: “preciso estudar isso aqui”. Minha alma entendeu, me provocou. E o Coltrane também ficou a vida dele buscando fazer coisas novas com o saxofone. Era uma obsessão.

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Então sobre o Charlie Brown Jr., peguei as partes das músicas que faziam sentido para mim. Que falam de liberdade, de poder sorrir. A alegria é algo instantâneo. Porque, Jota, a tristeza é subjetiva, algumas coisas te trazem tristreza, outras te deixam meio triste. O amor é subjetivo. Cada um ama de um jeito. Mas a alegria não é subjetiva.

[Sorrio largo ouvindo a sacada de Jonathan…]

Tá vendo? Você está sorrindo agora. Quando ri, ri de verdade.

Não existe “pouco alegre”…

Pois é, não existe. Então, quando o Chorão cantava “livre para sorrir”, eu achava muito potente. Estou tão livre em mim, tão emancipado em qualquer coisa, faz referência com o que venho falando.

Jonathan Ferr deve ser a melhor pessoa no Brasil para se perguntar: existe música difícil, ou isso é construção social?

Eu acho que existe referência. Me lembro de assistir a alguns filmes no passado, quando não tinha referência alguma, como por exemplo os do Spike Lee. Só fui entender muito tempo depois. Woody Allen… As referências são importantes para que você possa compreender algo. Então, na minha música, tento sempre fazer algo que seja palatável, com várias camadas, para que quem tenha mais repertório consiga. Caso não consiga, vai pelo menos ver a superfície. São ligações que a gente vai buscando para ter prazer.

Quando faço shows em clubes de jazz mais profissionais, vou com a minha música. Não mudo nada. A galera começa com aquela cara de “ué, como assim?”. Quem me acompanha já sabe o que esperar. Mas é engraçado, pois as pessoas vão pegando os detalhes. Vão sendo envolvidas. Na Europa, onde toquei, as pessoas acabam tendo mais referências, mais repertório para ler o que está chegando.

Para o mundo, Milton Nascimento é jazz. Ivan Lins é jazz. Aqui, parece ter uma separação. Por que fazemos isso?

Olha, fiz dois shows bem importantes, um em Berlim e outro em Portugal, em que pude conversar com a galera. A pergunta deles era: “uau, vocês fazem esse tipo de som no Brasil?”. Eles têm muito a referência do samba, ou do jazz misturado com música regional. Eu tenho buscado algo meu mesmo. Ser o mais original possível, e isso não é abrir mão das referências que você tem, mas sim assumi-las. Eu vim de Madureira. Tinha os bailes de charme lá, tinha o funk carioca, tinha o hip-hop. Eu ia em todos. Não tem como negar estas referências na minha música.

Sou o primeiro artista de jazz no Brasil a assumir autotune em uma gravação. O que vi de gente torcendo o nariz, dizendo que estou estragando a música e não sei o quê… Irmão, isso aqui é o futuro. Eu gosto de coisas novas, de experimentação. No vou negar nenhuma tecnologia nova. E ainda vou usar isso junto com a orquestra no show!

É a essência do jazz fusion, como o próprio nome diz. Você se considera um representante atual de toda a geração do passado que propôs essa mistura?

Acho, mano, de verdade. Falo isso sem problema algum. Sou pesquisador, né? Passo muito tempo ouvindo música. Sei o que tá rolando na Holanda, na Alemanha, pesquiso os DJs. Eu entendo o panorama. E, obviamente, do Brasil também. Quem são meus pares, quem está pensando no jazz… E eu realmente me sinto muito pioneiro em algumas situações. Me sinto muito subsersivo, mesmo nesse tipo de jazz. Brinco que faço jazz futurista, porque eu trago a urbanidade muito presente dos breakbeats, do neo-soul.

O Brasil teve um grande movimento de jazz. Mas acabou indo para o lado de se achar que era algo superchique, associado a pessoas ricas. Isso fez o povo se afastar desse lugar. De não ter mais acesso a ele. Uma das [minhas] bandeiras é trazer de volta o jazz para a rua. Amo tocar em festivais por isso. Já toquei até em festival de skate. Eu represento uma nova cara do jazz brasileiro.

Serviço

Show Jonathan Ferr

Data: 14 de setembro de 2024 (sábado)
Horário: Das 18h às 18h50
Local: Av. Prof. Frederico Hermann Júnior, 595 – Alto de Pinheiros, São Paulo/SP
Ingressos: via World Creativity Festival
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