Jazz no C6 Fest Show de Amaro Freitas foi um dos grandes destaques da programação. Foto: Divulgação

Jazz no C6 Fest 2025 alternou entre o sublime e o decepcionante

Adriana Arakake
Por Adriana Arakake

Adriana Arakake conta suas impressões dos dois primeiros dias do evento, no Auditório Ibirapuera

Em 2024, o Palco Jazz do C6 Fest, no Auditório Ibirapuera, foi uma celebração de beleza rara. Saí de lá tomada por emoção, surpresa e a certeza de ter testemunhado momentos preciosos. Este ano, fui movida pela mesma esperança. Mas, para quem ama jazz com o coração aberto, a experiência foi desigual — e, por vezes, frustrante.

Quinta-feira, 22/05

A ausência de Mulatu Astatke, mestre do ethio-jazz, foi um baque. Anunciada às vésperas do festival, a notícia quebrou o encanto antes mesmo da primeira nota. Em seu lugar, Joe Lovano subiu ao palco com seu Tenor Legacy. Um show técnico, sim, denso em improvisos e com momentos de força. Foi competente — mas ficou um pouco na superfície. Faltou magia.

Amaro Freitas, então, mudou tudo. Foi a segunda atração da noite e, ao lado de um septeto inédito, apresentou sua Suíte Amazônica como um rito. Piano, sopros, percussões indígenas e eletrônicas; cantos e silêncios: tudo se uniu numa travessia sonora que reverenciou a floresta, os saberes ancestrais e a memória de Naná Vasconcelos. Amaro não toca o piano — ele invoca. Para ele, as teclas são tambores, estrada, bote atravessando o rio. Thelonious Monk teria orgulho.

A banda — afiadíssima, mesmo com apenas dois ensaios — soou como se estivesse junta há anos. A harmonia entre sopros e percussões foi de uma beleza rara. E o melhor: eles se divertiam. Pareciam em casa, rindo, pulsando juntos. Era impossível não se contagiar. O momento mais poderoso do festival. Um verdadeiro baile na mata — e nos gringos também.

Arooj Aftab - Jazz no C6 Fest

Arooj Aftab. Foto: Divulgação

Arooj Aftab encerrou a primeira noite com sua beleza etérea. Sua voz, sem dúvida, é singular. O repertório, entre o jazz atmosférico e as tradições do sul da Ásia, tinha delicadeza. Muito simpática, conversou, fez todo mundo rir, distribuiu uísque, mas em sua música algo não chegou até nós. A plateia parecia envolvida, mas não atravessada.

Sexta-feira, 23/05

Na sexta-feira, Kassa Overall trouxe pulsação. Misturando jazz moderno, hip-hop, crítica social e muito carisma, ele nos lembrou que o jazz também é invenção, movimento e rebeldia. Com humor afiado e beats quebrados, Kassa provocou, jogou luz em temas urgentes e transformou o palco em um espaço de conversa e confronto. A releitura de Rebirth of Slick, do Digable Planets, foi um dos pontos altos do show — um clássico do rap dos anos 1990, transformado em um belo jazz moderno, cheio de energia e sofisticação. Overall sabe equilibrar ironia e sensibilidade. Ao lado de Amaro, foi o grande nome desta edição.

Brian Blade e sua Fellowship Band ofereceram um show sereno, refinado, de profunda sensibilidade. Jazz com perfume de espiritualidade, em que cada silêncio parecia cuidadosamente colocado. No final, a participação de jovens músicos brasileiros com berimbau, pandeiro e alfaia numa homenagem a Milton Nascimento trouxe emoção genuína ao palco. Um gesto bonito de escuta e afeto.

Kassa Overall - Jazz no C6 Fest

Kassa Overall. Foto: Divulgação

O encerramento, no entanto, foi um duro contraste.

Vencedora do Grammy de “Melhor Álbum de Jazz Alternativo em 2024” com The Omnichord Real Book, Meshell Ndegeocello subiu ao palco com um show dedicado ao centenário de James Baldwin. Mas foi difícil perceber sua presença. Quem segurou as pontas foi o afiadíssimo Justin Hicks, backing vocal de voz impecável — presença muito mais viva e expressiva que a própria homenageadora da noite.

Em certo momento, uma senhora ao meu lado perguntou que horas Negeocello entraria no palco. Ela já estava lá. Distante demais, mas estava. Muita gente saiu em silêncio no meio do show, decepcionada.

Como amante do jazz, que vive disso e para isso, saí com sentimentos conflitantes. Houve beleza. Houve verdade. Mas também houve promessas não cumpridas. Neste ano, o Palco Jazz do C6 Fest bateu mais fraco. O coração ainda está lá — mas precisa voltar a pulsar com força ano que vem.

Adriana Arakake

Adriana Ararake é DJ e a especialista em jazz, soul e blues do Music Non Stop.