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Inteligência Artificial: artistas e criadores pressionam Senado por regulamentação no Brasil

Inteligência artificial - Música com erro

Foto: Possessed Photography [via Unsplash]

As maiores associações brasileiras se unem para barrar a farra dos conteúdos gerados por IA

O movimento chegou ao Brasil. Um grupo formado por 27 associações de classe, incluindo a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), além de arrecadadoras de direitos autorais do mercado da música, cinema, TV e escritores, entregou ao Senado Federal nesta segunda-feira (08) uma carta se posicionando a favor da regulamentação do conteúdo produzido por Inteligência Artificial.

“No âmbito da indústria criativa, hoje a IA é capaz de gerar qualquer tipo de obras artísticas e imagens treinando máquinas com obras protegidas, para que passem a fazer parte do mercado consumidor, descartando as obras originais, e resultando em punições injustas aos criadores e titulares, além de uma enorme perda para a indústria criativa, sendo imperativo impedir a prevalência desse nocivo cenário” — alega o coletivo em seu documento, que ainda inclui nove sugestões de alterações ao projeto de lei 2338/2023, de autoria de Rodrigo Pacheco (PSD) e relatoria de Eduardo Gomes (PL).

O projeto de lei 2338/2023 vem sendo discutido no Senado, ainda sem data para votação, e foi proposto nos moldes do Ato Europeu de Regulamentação da IA, aprovado no mês passado. Os principais pontos replicados no projeto brasileiro seguem uma tendência mundial, em adiantada discussão nos principais mercados criativos do mundo: as plataformas de IA devem ter algoritmos transparentes e rastreáveis.

Tudo o que é criado atualmente usando Inteligência Artificial é possível graças à gigantesca capacidade dos computadores em “minerar” dados já existentes na internet (e criadas, produzidas, gravadas e distribuídas por seres humanos). Trata-se da chamada “IA generativa”. Por exemplo, para recriar a voz de Frank Sinatra cantando um jingle de sabão em pó, os softwares varrem o mundo digital em busca de gravações de músicas e entrevistas com o cantor, arregimentando tanto material que é possível encontrar cada palavra, entonação ou nota musical já gravada por Sinatra, e assim, regenerar uma nova frase ou melodia, utilizando seu timbre.

Logo, tudo o que esta sendo “regenerado” pela IA vem de material já existente, composto por seres humanos. Este é o argumento dos artistas para exigir a rastreabilidade. A classe exige que todo conteúdo seja devidamente creditado e, se houver arrecadação de grana, seus direitos autorais distribuídos.

O congresso dos Estados Unidos segue na mesma toada. A pressa dos governos tem muito a ver com a chegada das próximas eleições e os estragos que técnicas como o deep fake sejam usadas sem regulamentação, com o intuito de espalhar notícias faltas ou destruir a reputação de candidatos. Nas eleições brasileiras dos últimos anos, a prática foi vista — embora com tecnologia mais rústica — em casos como os da ex-deputada federal Manuela d’Ávila (PCdoB), que teve uma foto manipulada, mostrando-a com um cigarro da maconha na mão, olheiras e o corpo cheio de tatuagens, incluindo símbolos de facções criminosas e guerrilhas.

O grosso do uso de IA, no entanto, vai além do terrorismo digital. É usado para criação de memes, peças publicitárias e, recentemente, também na produção audiovisual oficial. No documentário Roadrunner: A Film About Anthony Bourdain (2021), a cena final é um deep fake do próprio chef de cozinha, morto em 2018, narrando as últimas linhas do roteiro. A BBC anunciou o uso de voz regenerada, também em um documentário, para uma narração feita pelo protagonista, em fase terminal da vida, sem condições de gravar o próprio texto.

Na última sexta-feira (05), uma carta conjunta assinada por mais de 200 artistas de diversas nacionalidades foi entregue às empresas de tecnologia, com o mesmo apelo. Entre os que participaram do manifesto, há nomes de peso no mundo da música, como Katy Perry e Sam Smith — o que mostra que o movimento é global e que a classe artística não pretende fugir da briga.

Já a carta entregue pelas associações brasileiras nesta segunda-feira não tem como fundamento proibir o uso da nova tecnologia, mas sim regulamentá-la.

“Não há dúvida de que a Inteligência Artificial é tema fundamental para o desenvolvimento social e econômico do país. Trata-se de tecnologia ainda em desenvolvimento, que deverá ser empregada com segurança, de forma a garantir um grau mínimo de riscos às pessoas”, reitera o documento.

Os pontos de atenção exigidos pelos artistas, para inclusão no projeto de lei:

a) Consentir para assegurar o respeito à Lei de Direitos Autorais e previamente saber quais obras e produções serão utilizadas no treinamento de IA.

b) Controlar para preservar a transparência, a responsabilização e a qualidade das bases de dados, preservar os direitos morais e compreender os resultados.

c) Compensar para reconhecer o valor da criação e a remuneração dos criadores. Portanto, para garantir os direitos de propriedade intelectual, o PL 2338/2023 deve ter clara previsão para estabelecer que:

a) O uso de obras e produções protegidas para mineração de dados e desenvolvimento de ferramentas de IA deverá estar submetido a autorização prévia.

b) Os conteúdos gerados por IA não poderão ser assemelhados ou protegidos pelas normas da propriedade intelectual.

c) Apesar dos setores da indústria criativa não encontrarem espaço para novas exceções e limitações aos direitos autorais, caso a legislação venha a inserir alguma previsão, as exceções e limitações da mineração de textos e dados e o desenvolvimento de ferramentas de IA deverão ser restritas e submetidas ao teste dos três passos previsto na lei brasileira e nos tratados internacionais, que regulam os princípios dos direitos autorais, sempre preservada a prerrogativa do titular de direitos autorais autorizar ou proibir o uso de sua obra ou produção. As exceções nunca deverão ser consideradas ou utilizadas para a mineração de dados ou o treinamento comercial, e os usos não comerciais só deverão ser permitidos em determinadas situações estabelecidas por diretrizes claras e jamais admitir prejuízo injustificado aos titulares de direitos autorais.

d) O treinamento de sistemas de IA e a aplicação dos algoritmos pelos serviços devem ser transparentes e permitir aos titulares de direitos autorais o controle e o acompanhamento sobre os modelos de uso de suas obras e produções.

e) É importante que as normas estabeleçam a responsabilidade civil objetiva das empresas e dos desenvolvedores de IA como regime aplicável aos danos causados por ferramentas de inteligência artificial.

f) O ônus da prova deverá recair sempre sobre as empresas e os desenvolvedores de IA. Não há dúvida de que a IA representará uma estratégica ferramenta para o desenvolvimento, mas isso jamais poderá significar a substituição da criação e da centralidade do ser humano diante das expressões culturais, que representam a verdadeira força da inovação e da criatividade.

As entidades que assinam a carta endereçada ao Senado Federal. Imagem: Divulgação

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