Artista conhecido como “O Bruxo” ou “Crazy Albino”, apelido dado por Miles Davis, é figura-chave na expressão da música brasileira para o mundo
Multi-instrumentista autodidata, sensação mundial do jazz, arranjador, inventor de instrumentos e maluco boa praça. Sobra tempo para mais coisa? Sim, além de tudo isso, Hermeto Pascoal também arrisca suas pinceladas como artista visual e instalações artísticas, sempre relacionadas à música e à natureza. Aos 87 anos, o músico ganha uma mostra especial, Ars Sonora, com curadoria de Adolfo Montejo Navas, para apresentar ao público “uma outra perspectiva do artista”.
Depois de passar pela 14ª Bienal de Curitiba, a obra visual do Bruxo estaciona no Sesc Bom Retiro, entre os dias 29 de maio e 3 de novembro, com visitação gratuita (a abertura rola nesta terça-feira, 28, na Praça de Convivência do Sesc). Na mostra, o público poderá conhecer sua performance Brincando de Corpo e Alma, em que faz sons com o próprio corpo, ou a coleção Pinturas Caligráficas, feitas por Pascoal em toda sorte de papeis, desde guardanapos e toalhas de mesa até papéis higiênicos (não podia faltar, dada a sua verve transgressora).
Hermeto Pascoal é uma figuraça. Todos o conhecem, embora poucos realmente tenham ouvido sua música fora do meio jazzístico e erudito brasileiro. Isso porque o alagoano, nascido em 1936, é uma mistura de personagem lendário, comunicador de talento, workaholic da música e, acima de tudo, um baita gênio.
Hermeto domina bem suas especifidades, Sabe que sua insólita figura albina faz com que pesquemos, no grande brechó do imaginário coletivo, o arquétipo do bom velhinho. A essa imagem ímpar, junta uma vivacidade incrível, rapidez de pensamento e bom humor, que demonstra sempre em entrevista através de um desdém engraçadíssimo sobre o que é cult e elitista. Já afirmou que “não fala e nunca falará inglês”, entre outras sacadas temperadas com um simpático sotaque alagoano.
Tem plena consciência, também, de suas raízes populares e de como representa uma luta para desmistificar a ideia de que música popular é simples ou fácil. Quando o vi abrir um de seus shows, em 2017, em uma noite fria de rachar, suas primeiras palavras foram: “todo mundo fala que o povo é burro e não entende minhas músicas. Mas isso é mentira, vocês são inteligentes e vão entender tudinho sim”. Um golpe de mestre, no qual já começou despindo sua música da erudição que toda aquela gente, que conhecia Hermeto mas não havia ouvido sua música, julgava ter. E quem não tivesse entendido, não era inteligente.
Pascoal já disse que “nasceu músico” ou que “faz música até com tartaruga”. Possível para ele, que tem o dom do ouvido absoluto, capaz de reconhecer a nota musical emitida em qualquer ruído, seja uma bicada de um pica-pau na madeira ou um choro de bebê. Tal superpoder, aliado à sua infância no interior de Alagoas, fez com que ele se transformasse em uma espécie de deidade da natureza musical brasileira. Tudo em sua música tem a tradição sonora brasileira adicionada de sons naturais, já que realmente usa tudo o que vê à sua frente como instrumento. Objetos, brinquedos, árvores e até a água.
Em uma de suas canções, chamada Música da Lagoa, realmente se enfiou dentro da água e cantou com metade da boca submersa. Também fez com que seus músicos tocassem flauta afogada, com parte do instrumento mergulhado na lagoa. Faz parte sua obra trazer a música para o dia a dia no campo, como parte da rotina da vida. Não raro canta em línguas ininteligíveis, que ele mesmo inventou. Na mesma Música da Lagoa, pode-se se ouvir ao final da gravação: “cabou gente, vamo almoçá?”.
O mundo se apaixonou pela música de Hermeto Pascoal desde quando ele botou o pé nos Estados Unidos pela primeira vez, em 1969, levado pelo amigo Airto Moreira. Gravou e excurcionou ao lado de seus pares geniais como Miles Davis e Dizzie Gilespie e Chick Corea. Gravou, lá nos States, o álbum Slaves Mass, que o levou para tocar no hypado Festival de Jazz de Montreux, na Suiça, onde foi ovacionado pelo público.
A apresentação foi editada e lançada em vinil, no disco Ao Vivo Em Montreux, de 1979. Hermeto tocou o foda-se. Tocou mais tempo do que tinha direito e só falou com o público em português. Aliás, falou pelos cotovelos, como de costume, mostrando que alagoano não abaixa a cabeça para gringo nenhum: “Vou tocar uma música que fiz aqui no hotel para vocês. Não é cascata, não. Prestem atenção e já aviso logo, se eu ouvir um barulhinho [por parte do público], parei”.
O cara é assim, demolidor de convenções. Compositor incansável, deixa suas partituras públicas para quem quiser gravar, sem precisar pedir autorização para ele ou sua equipe.
Confira algumas imagens das obras que estarão expostas em Ars Sonora
Serviço
Ars Sonora – Hermeto Pascoal
Entrada: Gratuita