Green Day Tré Cool, Billie Joe Armstrong e Mike Dirnt formaram o Green Day em 1987. Foto: Reprodução

Green Day no The Town e o compacto esquecido de Billie Joe Armstrong

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Como o anjinho loiro da capa de Look For Love virou lenda do punk-rock — e volta ao Brasil como headliner do festival

Desembolsando 30 mil reais, você pode adquirir no mercado de discos usados o compacto Look For Love, composto e gravado por um garotinho de cinco anos. Na capa, um fofinho loiro, de cabelos cumpridos à moda surfista, sentado em uma banqueta com cara de anjo, camiseta com o nome da canção e uma calça jeans. A música é um jazz bonitinho cantado com voz infantil.

Por que o disquinho vale tanto? Simples: o molecote que aparece na capa e canta é Billie Joe Armstrong, fundador e líder do Green Day, banda que vem ao Brasil no final de semana para ser a headliner de um dos maiores festivais do país, o The Town. O grupo que voltou a popularizar o punk-rock, vendendo cerca de 75 milhões de álbuns em toda a sua carreira.

Quando a professora de música de Billie Joe o apresentou à gravadora local Fiat Records e convenceu sua mãe a apostar nele para gravar seu primeiro disquinho, talvez não soubesse que estava criando um monstro… da música. A troca de estilo, do bubblegum jazz para o punk revoltoso, veio cinco anos mais tarde, quando o pai do pequeno Billie Joe faleceu, vítima de câncer, e a mãe se enroscou com um padrasto que não gostava dos filhos do primeiro casamento. Prato cheio para a virada. Com apenas 15 anos, o adolescente já havia formado sua banda, Blood Rage, que logo após o primeiro show já mudou seu nome para Sweet Children, e pouco tempo depois, foi rebatizada como Green Day — gíria da Bay Area (Califórnia, EUA) que significava passar o dia sem fazer porra nenhuma, fumando maconha.

O diferencial da molecada era fazer punk-rock ramonesco em um tempo em que todo mundo da sua cidade tocava hardcore, como Bad Religion, NOFX e Offspring, futuros sucessos internacionais. Ao lado de outro grupo com a mesma proposta, o Rancid (de quem eram amigos), o Green Day foi batendo cabeça em botecos underground desde 1987. Dookie levou os garotos ao estrelato em 1994. Já era o terceiro disco de Billie Joe, Mike Dirnt e Tré Cool, mas o primeiro por uma gravadora mais estruturada (a Reprise Records, com artistas como Eric Clapton e Neil Young no catálogo), capaz de promover e distribuir o punk reembalado e adolescente, cheio de crises existenciais, que o conectou com toda uma geração. Foi um arraso. O álbum trouxe ao mundo superhits como Basket Case, She e When I Come Around, produzidos com esmero por Rob Cavallo, o cara por traz da sonoridade do The Muffs.

Desde então, o Green Day se consolidou. Construiu uma casa que jamais poderia ser demolida, para sorte de Armstrong. Montar banda e fazer música era a única coisa que o cara sabia fazer na vida, desde criança. Não foi necessário, porém, aprender outro ofício. Mesmo lançando álbuns posteriores sem o sucesso comercial de Dookie, o grupo já havia conquistado seu lugar ao sol.

Mas ainda havia um espaço para o trio preencher: honrar o gênero musical que tocavam com a adição de um de seus elementos fundamentais, a crítica social, e não apenas a indignação juvenil ou o ódio ocioso. E ela foi entregue, na hora certa, com American Idiot, de 2004, composta logo após aos atentados de 11 de setembro, momento em que o país foi assolado pelo discurso patriota na TV e nos jornais.

Billie Joe compôs uma espécie de ópera-rock capitaneada por uma personagem que era um novo Jesus, vindo do subúrbio estadunidense. Deu bom. Foi um dos mais bem-sucedidos álbuns do grupo, levando-os à linha de frente da oposição ao conservadorismo e à crescente extrema direita de seu país, aproveitando a gigantesca exposição e potência que o grupo já tinha. Mais recentemente, o frontman brigou publicamente com Trump, e ameaçou até mesmo renunciar sua cidadania original e viver para sempre na Inglaterra. Seu mais recente álbum, Saviors (2024), tem como faixa de abertura a música The American Dream Is Killing Me (“o sonho americano está me matando”). Precisa dizer mais?

Uma das maiores qualidades do Green Day é a de nunca ter abandonado seu som, desde quando os músicos tinham 15 anos de idade. Aprenderam a tocar, mudaram de produtor, mas o DNA sempre esteve ali, mesmo trocando os pequenos buracos escuros por arenas e palcos de grandes festivais. Souberam dominar a indústria da música mainstream, se apresentar para multidões e, ainda assim, manter o discurso. Algo que parece natural a um garotinho que, com apenas cinco anos, lançava disco por uma gravadora.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.