Gossip Foto: Cody Critcheloe/Divulgação

Por que o mundo precisa do Gossip, atração do C6 Fest 2025

Jota Wagner
Por Jota Wagner

A importância da banda americana, surgida em meio ao movimento Riot Grrrl, é ainda maior do que a sua música

Em 2007, Beth Ditto, vocalista, criadora e responsável pela força visual do Gossip, olhava orgulhosa para o movimento em que estava incluída. A artista surgiu em meio ao movimento Riot Grrrl, um bastião cultural do feminismo no rock mundial. Tudo, no palco da banda estadunidense, era resistência, incluindo o gigantesco serviço que prestou à destruição do padrão “magrinha loirinha” que até mesmo o punk insistia em sustentar desde os tempos de Debbie Harry, até até suas contemporâneas Gwen Stefani e Courtney Love. E tudo o que fizeram de bom para milhares de garotas pelo mundo precisando de um impulso para se expressar estava sendo recompensado naquele momento: a True Colors Tour.

A turnê conjunta, encabeçada por Cyndi Lauper, juntava bandas ligadas ao movimento LGBT+ (do qual o Gossip orgulhosamente também participava) para varrer os Estados Unidos com cores, orgulho e alegria. Além das bandas de Ditto e Lauper, a tour ainda tinha artistas como Debbie Harry, Erasure, Rufus Wainwright e vários outros. Coisa de gente grande. Os lucros da expedição musical foram revertidos para instituições que lutam pelos direitos humanos. Além da nobre causa, um carimbo no passaporte para a terra dos grandes artistas, que rendeu ao Gossip, no mesmo ano, um convite para se apresentar em um dos horários mais quentes do icônico festival de Glastonbury.

Quem monta uma banda punk sabe: o objetivo nunca é dominar o mundo, mas apenas sobreviver em um circuito independente, que permita liberdade e subsistência através da arte. Beth Ditto e sua banda, no entanto, rasgaram a membrana da bolha com suas longas e afiadas unhas pretas. O Gossip circulava pelo mainstream — e para o mainstream, isso era maravilhoso. Perderam sua veia empoderadora e punk? Jamais. Em 2009, o disco seguinte a tamanha exposição chamou-se, embebido em ironia, Music for Men (música para homens). O single que serviu como aperitivo ao álbum, Heavy Cross, virou hino na Alemanha. Mais um território conquistado pela banda.

O tremendo sucesso do Gossip levou a banda a deixar um selo pequeno, o Kill Rock Stars, e migrar para uma grande gravadora, a Columbia Records. O movimento levou a banda para mais festivais gigantescos e proporcionou ao grupo investimento em promoção amplificar sua base de fãs. Mas nem mesmo a banda de uma Riot Grrrl escapou da pressão das gravadoras e do universo pop. A vida no Olimpo era estranha a ponto de, após más críticas a seu álbum de 2016, A Joyful Noise (em que todo mundo reclamou que o grupo havia se tornado “pop demais”), Beth anunciar que a banda havia acabado, e que ela se dedicaria a uma marca de roupas e à carreira solo.

Ditto já havia se tornado uma referência na discussão sobre o corpo feminino a ponto de, enquanto trabalhava em seu primeiro disco solo, o Fake Sugar (2017), foi convidada para ser modelo da renovada grife de Jean Paul Gartier. A importância do convite é enorme. A artista estava não só sendo admitida no mundo da alta costura, mas tendo sua imagem utilizada para corrigir desvios do passado cometido pela própria indústria, célebre em impor padrões de beleza aos consumidores.

Beth Ditto, na correria da nova vida de celebridade da música e da moda, acabou se esquecendo, no entanto, de que o mundo precisa de bandas como o Gossip e o que ela inspira que tanta gente oprimida pela indústria da Barbie. Desfiles utilizando o próprio sistema contra o sistema são importantíssimos, mas nada como o bom e velho rock’n’roll para arrastar uma multidão atrás de boas ideias.

Se hoje em dia vemos dançarinas, modelos e muscistas dando uma banana para o que antes se considerava um padrão em cima do palco, muito disso tem a influência de tudo o que sua banda recodificou. Sua postura e sua música se tornaram maiores do que os fundadores da banda e, com o devido juízo, o Gossip voltou em 2019, com a desculpa de celebrar os dez anos de Music for Men. Os shows foram se multiplicando, a turnê se extendendo, até que começaram a pintar novas canções do grupo nas plataformas digitais.

O Gossip chega ao palco do C6 Fest 2025 ainda na bruma de seu mais novo álbum, lançado em 2024, Real Power. O verdadeiro poder que a banda transfere para seus fãs poderá ser visto de perto, mais uma vez, pelos brasileiros. No auge do sucesso de Music For Men, o grupo tocou em São Paulo, na Audio (em 2009), e não voltou mais.

Hoje formado por Beth Ditto, pelo guitarrista Brace Paine (substituindo o fundador Nathan Howdeshell) e a baterista Hannah Billie (que assumiu os baquetas no lugar de Kathy Mendonça), o grupo ainda conta a guitarrista trans Bjoux Cone em suas apresentações ao vivo. O show rola no sábado, dia 24 de maio, e a banda é uma das headliners, ao lado de Air e Pretenders. São Paulo também precisa de você, querida Beth, e sua gangue. Só vem!

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.