OUÇA BRASÍLIA – XRS LAND
Ex-baixista de uma banda de rock trash, Xerxes começou a discotecar no fim dos anos 80, fazendo festinhas na Vila Alpina, bairro da zona leste onde nasceu e cresceu. Como os DJs de rádio do começo dos anos 80, Xerxes começou a produzir material próprio para tocar nas festinhas.
A história do aprendizado de Xerxes é pra lá de romântica. Ele começou testando os ouvidos como verificador de qualidade numa empresa duplicadora de fitas evangélicas, além de gravar palestras de médicos. Até fitas para tocar em caminhão de gás ele fez. “Tudo o que me ajudasse a ganhar dinheiro para montar meu estúdio”, ele lembra.
Depois de ganhar um concurso da Rock’n’Soul de novos talentos em mixagem, Xerxes arrumou um emprego na loja. A fita do concurso era das mais cabeçudas: uma versão breakbeat de um hit de Shabba Ranks, com samples de John Lennon e Public Enemy. Na Rock’n’Soul havia um estúdio de gravação anexo, onde Xerxes fez seus primeiros experimentos.
Ele 93, ele passou a tocar no Aeroanta, uma mistura de clube e casa de shows que reunia público dos mais ecléticos na virada dos anos 80 para os 90. Mas não foi como apenas DJ que ele conquistou seu espaço na história da dance music brasileira. Foi como produtor, e dos bons.
Em 1995, em parceria com Ramilson Maia, iniciou seu próprio selo, Innerground Recordings. Inciaram seus trabalhos com o EP From the Land to the City. XRS continuou seus trabalhos como produtor e DJ e, em 1998, iniciou outro projeto, com a então esposa, Paula, o Friendtronik.
Com os equipamentos que tinha, chegava a gastar quatro horas num único loop. Estudar sozinho não era mais suficiente para a curiosidade do produtor. “Achei uma escola que dava cursos de MIDI. Fazia perguntas que nem os professores sabiam responder.” Xerxes saiu da escola com um certificado e um emprego, como consultor da Roland no Brasil.
Em 1999, assinando XRS Land, fez parte da primeira leva de artistas a ter CD lançado pela Sambalaco. Seu álbum, Sarau, já tinha um certo tempero brasileiro. Até que veio a idéia de trabalhar com Marky. Foi o amigo que escolheu o sample de Carolina Carol Bela, de Jorge Ben e Toquinho, e os dois trabalharam na música por duas semanas. Durante esse tempo, viraram noites e noites misturando café, cerveja e vinho. Segundo Xerxes, vem daí o nome da música, LK = liquid kitchen.
LK – DJ MARKY & XRS
O sucesso de LK levou a dupla até o programa de TV inglês Top of The Pops, por onde costumam passar todos os grandes nomes da música mundial. O single ornou-se o mais bem-sucedido da história da música pop brasileira na Inglaterra, superando Tom Jobim e Sepultura.
MARKY, XRS E STAMINA NO TOP OF THE POPS
Uma figura com esta, que não para de pensar e produzir música eletrônica, tinha que estar na coluna #MillerMusic. Vamos à entrevista?
Music Non Stop – Você falou que tem uma história bem interessante por trás deste novo EP. Sei que você fez uma residência artística. Conta mais.
XRS Land – Esse EP representa principalmente um registro de um período de transição, da saída da zona de conforto para um terreno inexplorado. Tudo isso em um momento em que eu estava passando por dificuldades pessoais e estava emocionalmente muito vulnerável; felizmente consegui canalizar tudo isso na música. De tão intenso, eu só consegui finalizar as mixes anos depois, no início da minha residência artística aqui em São Paulo. No meio desse processo, minha hard-disk pifou e perdi, entre outras coisas, todas as partes separadas e por sorte se salvaram as mixes finais em WAV. Mandei algumas referências sonoras, e o Saulo [Dada Attack] encaminhou para o Pheek, que fez um trabalho incrível na masterização.
Music Non Stop – O disco está bem houseiro, com vocais sofisticados. Você sempre curtiu house apesar de não ser conhecido por produções desse gênero, né?
XRS Land – Sim, sempre amei house de paixão! Meus primeiros discos de vinil foram o Hithouse e a compilação House Remix Internacional, da WEA, que tinha a faixa do Ten City, That’s the Way Love Is (Deep House Mix). Meu primeiro 12” importado foi o Gypsy Woman, da Crystal Waters, e daí pra frente Bizarre Inc., Masters at Work, Loveland, Brothers in Rhythm, K-Klass, Evolution, Urban Cookie Collective e por aí vai. Na época produzi uma faixa pra hostess da Sound Factory, a Luana Malu Cat; a faixa é engraçadíssima e se chama Tá, meu bem? e também coproduzi faixas de house como Laughs of Cuíca, do Ram Science (projeto do Ramilson) pro selo Play it Loud, do Louis Benedetti, um remix do Felipe Venancio pra Marina Lima (Pierrot) e algumas faixas e remixes de tech-house com o Anderson Noise como a Copacabana e Você Mesmo, fora Tijuana Frogs e Terapia, que são duas faixas especiais pra mim do In Rotation, com o Marky. Pelo Tupy (meu selo atual), lancei alguns trabalhos mais experimentais indo nessa direção.
TÁ, MEU BEM? – LUANA MALU CAT (XRS)
Music Non Stop – Olhando os créditos de Brasília, tem várias participações. Conta como você chegou até elas, por favor.
XRS Land – A primeira faixa, 365 Degrees, era uma idéia que eu tinha de concentrar um ano inteiro em uma faixa de 365 compassos, cada compasso representando um dia. Na época eu estava em um curso de contrabaixo elétrico na EMB (Escola de Música de Brasília) e gravei a demo, que então apresentei pra minha sócia de selo, a Luciana, que sequenciou a base rítmica, percussões e glitches, a partir dos quais eu compus as melodias e harmonias. Já o restante do pessoal eu conheci através de uma produtora de áudio para a qual eu fazia alguns trabalhos de freelancer; a Mariana Junqueira, além de compor trilhas, fazia sounddesign junto com o Eduardo Canavezes, e foi quando eu mostrei a demo de A Taste of Deep que a Mari compôs a letra e o Eduardo compôs a melodia adicional e gravou o violão acústico. O Daniel Baker é professor de piano da EMB e um tecladista de jazz talentosíssimo que estava explorando o Ableton Live como instrumento musical ao vivo de uma forma muito interessante, e o Romulo é um músico que também é engenheiro eletrônico, ele cria os próprios sequenciadores e synths, a gente começou fazendo algumas jams de improviso e as faixas foram tomando forma naturalmente.
Music Non Stop – Por que o EP se chama Brasília? Você morou lá um tempo, né?
XRS Land – Do final de 2009 até o final de 2011. E apesar de ter me apresentado na cidade por várias vezes antes, foi só morando lá que pude conhecer mais do potencial cultural que Brasília tem, desde a cena eletrônica underground, as festas, as produções artísticas e o principal, que são as pessoas que fazem isso tudo acontecer. Brasília é de uma beleza única, e acho que isso acabou ficando impresso nas faixas do EP, junto com minha experiência pessoal de vivência por lá.
Music Non Stop – Você estava há um tempo sem produzir – ou pelo menos sem lançar. Foi uma parada estratégica ou estava buscando novos ares pra produzir?
XRS Land – Nem um nem outro, foi crise mesmo! A parte mais difícil desse processo todo de transição foi abandonar a fórmula de sucesso para construir algo novo, consistente e autêntico, que não fosse mais do mesmo. E isso acabou passando por uma reflexão profunda dos erros e acertos anteriores. Nesse meio tempo me vi obrigado a desativar o estúdio e buscar outras alternativas de sustentabilidade dentro da minha área de atuação, que é arte aplicada a tecnologia. E no final das contas isso está sendo ótimo: hoje conheço um pouco melhor os meus processos criativos e do que eu preciso para poder realizá-los.
Music Non Stop – Você é um dos responsáveis por ter levado a música eletrônica brasileira a estourar fora do Brasil. Quando pensa naqueles tempos de LK, gigs em Londres etc, que sentimento vem à tona?
XRS Land – Dá um baita orgulho, porque só aconteceu porque tinha MUITA gente brilhante envolvida, na produção, nas performances, nos clubes, nos labels, na mídia… Tudo foi resultado de muito trabalho, muito carinho e muita dedicação. Apesar das desavenças, é necessário reconhecer que o trabalho de cada um foi crucial pra que tudo isso acontecesse, acho que foi um momento muito especial na cena de música eletrônica brasileira, e eu fico muito feliz de ter feito parte dele.
Music Non Stop – Brasília é um EP de música eletrônica com muitos elementos tocados. Me lembrou de uma certa forma Sarau. Você enxerga esta semelhança?
XRS Land – O curioso é que na época em que eu estava produzindo o Sarau, o Bruno E. e o Dudão Mello da Sambaloco me mostraram uma coletânea mixada que tinha acabado de sair pela Naked Music, o Nude Dimensions 2, eu lembro que fiquei tão louco por esse disco que não parava de escutar, uma das faixas, Step Into The Light, remix do Weekenders, reviveu um monte de memórias musicais dos anos 80, de Jazz Funk produzido com bases eletrônicas, tipo Bob James, Herbie Hancock e Rah Band que a partir daí eu acho que passei a incorporar inconscientemente nos meus trabalhos. Já no Brasília essa intenção veio desperta, consciente; e a participação dos músicos foi fundamental para a concretização desse conceito. Meridian e Landscape, por exemplo, não foram sequenciadas; a gente ensaiou elas ao longo de várias semanas e quando nos sentimos seguros nós nos reunimos no estúdio e gravamos elas em um take único. Nesse sentido, eu vejo o Brasília como um trabalho bem mais amadurecido musicalmente em relação ao Sarau.
Music Non Stop – O EP é um lançado do selo Ecce, o que levou a fazer esta conexão com o Dada Attack?
XRS Land – O Saulo entrou em contato comigo falando do projeto que ele estava desenvolvendo, e a proposta do formato me interessou bastante por se tratar de um projeto digital multiplataforma. Daí propus de ele publicar uma vídeoperformance na qual eu estava trabalhando durante a minha residência artística. A faixa e o vídeo saíram em uma primeira compilação do zine-selo, e a gente ficou super satisfeito com o resultado. Marcamos de nos encontrar no estúdio dele para trocar idéias e começar algumas faixas juntos e foi lá que mostrei as faixas e o conceito do EP. Ele curtiu muito a idéia e a partir daí fomos lapidando o formato final de apresentação do projeto, que consiste nas faixas musicais, uma vídeo-performance e o material gráfico digital alinhado ao conceito do EP.
Music Non Stop – Você continua curtindo sair à noite? O que tem visto de legal em SP?
XRS Land – Ultimamente não tanto quanto gostaria. Mas quando saio gosto muito de ver o quanto a noite se renova, de ver que tem cada vez mais live de eletrônico rolando e mais festas de rua acontecendo.
Music Non Stop – Você continua praticando suas habilidades de inventor? Tem alguma novidade pra contar tipo uma máquina de cortar disco movida a energia solar? (eu não duvidaria)
XRS Land – Continuo estudando bastante. Recentemente aprendi programação de software, que pretendo usar para performances, mas agora o que eu quero mesmo é conseguir conciliar sofisticação e simplicidade pra continuar produzindo e tocando muita música boa.