Fred Again.. Foto: Reprodução

De Brian Eno ao Daft Punk: por que Fred again.. é um dos queridinhos da cena eletrônica

Jota Wagner
Por Jota Wagner

DJ, produtor, cantor, compositor e multi-instrumentista britânico é um dos nomes mais quentes da música eletrônica global

Você é um DJ e produtor de música eletrônica. Batalha no quarto, na frente de um computador, tentando criar beats legais. Vai a festas, passa um tempo nas redes sociais atrás de rolês na sua cidade, implorando para tocar. Conforme vai melhorando sua técnica, vai conseguindo receber uns cachês aqui e ali. Chama uma amiga para cantar em uma música que está produzindo, tenta tirar dali um som legal. Então, em um momento de descanso, você vaga pela internet dando uma checada na “concorrência” e se depara com um tal de Fred again.. Fica puto. O cara começou há pouco mais de dez anos e está andando com Thomas Bangalter, do Daft Punk, dividindo o primeiro DJ set do ídolo da música eletrônica em 16 anos em Paris? Que história é essa? Já tocou até no Glastonbury? E você lá, se dedicando tanto e mal consegue tocar em um casamento? Que mundo injusto!

Bem, no mundo há sim muita injustiça. Na música também. Existem muitos casos de garotos bem-financiados pelos pais que acabam pegando atalhos na carreira, se tornando artistas famosos antes mesmo de estarem prontos para isso. Não é o caso de Frederick John Philip Gibson, o Fred again.. (assim mesmo, com dois pontos no final). De sorte, todo mundo precisa um pouco. E o produtor inglês contou com alguns presentes incríveis do universo. Mas “estar no lugar certo e na hora certa” não valem muito se você é ruim.

Fred é o queridinho da vez do universo da música eletrônica. O vencedor de dois prêmios Grammy (“Melhor Álbum de Música Eletrônica” por Actual Life 3 [2022] e “Melhor Faixa de Música Eletrônica” por Rumble [2023]) coleciona colaborações com grandes nomes do meio, culminando com a apresentação que fez ao lado de Bangalter, no Pompidou, em Paris, no último dia 25, celebrando os 20 anos da gravadora Because Music.

“Nasceu com o c* virado para a lua”, dirá você, cheio de inveja. No entanto, descontados os privilégios naturais de um jovem branco de primeiro mundo, você está errado. Com o intuito de te ajudar na carreira artística, ou desistir definitivamente dela, lhe contamos o segredo do sucesso de Fred again.. — hoje com 32 aninhos.

Vizinho ilustre…

Bem, aqui, podemos dizer que um empurrãozinho divino ajudou na carreira do jovem Gibson, então com 16 anos. Seus papais eram vizinhos de ninguém menos do que Brian Eno no bairro londrino Nothing Hill, e Fredinho brincava com os filhos de um dos mais inventivos artistas da história da música.

E aí, você sabe como é: maluco saca maluco. Eno viu que o garoto tinha um enorme talento e se tornou seu padrinho musical, ensinando-o boa parte do que sabia sobre música experimental e formas de compor.

“Comecei a ouvir música de forma diferente quando vi como o Fred a estava fazendo”, chegou a declarar em um podcast para a Apple Music. Uau! O garoto ainda foi creditado como “Frederick Gibson – Additional Production, Keyboards, Programming” no sensacional álbum que Brian lançou ao lado de Karl Hyde, do Underworld, chamado Someday World (2014). Mais recentemente, os amigos lançaram o disco colaborativo Secret Life (2023).

…mas só isso não resolve

Fred Again..

Fred again.. tocando piano. Foto: Reprodução

Claro que, para impressionar Brian Eno enquanto brincava com a gurizada, Fred já chegou semipronto à casa/estúdio que mudaria sua trajetória. Certa vez, almoçando com a cantora e atriz argentina-brasileira Madame Mim aqui por essas terras, ela me disse algo que ficou gravado na minha mente: “todo mundo deveria estudar piano. O instrumento está presente em tudo o que a gente pode fazer na música e na vida”.

Parece que os pais do garoto, Charles e Mary Ann, apaixonados por música clássica, sabiam disso. Matricularam o filho na escola de música com apenas cinco anos de idade, para aprender piano e bateria. O resultado? Com 11 anos, o menino já escrevia e tocava suas primeiras obras. Um detalhe impressionava, e significou quase uma predição do futuro: adorava música experimental, piscina em que Eno nada de braçadas.

Ímã de amigos talentosos

Já virou rotina na carreira de Fred again.. as colaborações com amigos bombados no cenário musical. Em pouco tempo de carreira, todo mundo queria trabalhar com o cara. Ajudou o fato de o artista também ser um ótimo compositor e adorar escrever com os outros. Além de Brian Eno e Thomas Bangalter, George Ezra, Demi Lovato, Ed Sheeran, Anderson .Paak, Skrillex, Romy e mais um monte de outros colegas brincaram no parquinho do DJ britânico.

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Faça do estúdio seu instrumento

“Faça do estúdio o seu instrumento.” O ensinamento é de Brian Eno, e Fred levou a lição para a vida. Para se ter uma ideia do espírito musical livre do artista, assista ao seu concerto no programa Tiny Desk, da NPR. Fred again.. levou um piano sem tampa, que lhe permitisse segurar as cordas da tecla que tocava para criar efeitos mais eletrônicos, um xilofone, diversos badulaques eletrônicos e até mesmo um Cristal Baschet, instrumento acústico experimental criado na França nos anos 1950 pelos irmãos Bernard e François Baschet.

Ele produz sons etéreos e quase “vocalizantes”, com uma ressonância metálica e cristalina, e tem uma aparência que lembra um piano de metal futurista.

A ostentação de liberdade criativa não parou por aí. Para fazer as batidas das músicas que tocou, o produtor britânico batuca na mesa do escritório, com as mãos, e grava o som em loop. Tudo isso cantando junto e também utilizando-se de um elemento novo: seus fãs.

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Chamando a galera para compor junto

Utilizar trechos de conversas, discursos ou sermões é a coisa mais batida do universo da música eletrônica. Mas Fred again.. foi além. O artista pede que amigos e fãs enviem vídeos ou áudios via mensagem, e usa muitos deles ao vivo, compondo a música que está tocando e criando, ao mesmo tempo, no palco. O povo, claro, adora. Principalmente porque o artista ainda tem a manha de colocar no telão os rostos ou vídeos dos donos das vozes que está usando em tempo real. Uma interatividade criativa jamais vista antes entre um artista e seu público.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.