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Entrevistamos o multiartista Craca Beat, que ocupou virtualmente a Casa da Ópera de MG com música e videomapping hoje no Marte Festival

 

Foto: Divulgação

O produtor musical e artista visual mapeou a Casa de Ópera de Ouro Preto (MG), de forma que suas imagens conversam com a música e com os movimentos da câmera dentro do espaço. No entanto, Craca Beat não esteve no palco do teatro fisicamente. Ele foi colocado sobre uma foto 360º que foi videomapeada e convertida num domo virtual, por onde a câmera (também virtual) se movimenta através de uma técnica chamada reframe. O público será “pendurado” numa espécie de drone virtual que navegará pelo espaço da Casa da Ópera.

Durante 50 minutos da última sexta-feira o mundo assistiu ao artista multimídia Craca Beat num show imersivo de música e videomapping feito especialmente para este espaço, a convite do Festival Marte.

“Estando num espaço e numa cidade historicamente tão importantes, não poderia começar esse show de uma outra forma que não fosse homenageando o povo latino-americano. Um povo feito de muito povos, com uma história construída a partir de feridas eternamente abertas e vertendo rios de sangue em nossa “terra roja”. Somos todos latinos!”, anuncia Craca.

Dentre as surpresas do espetáculo, uma participação especial de Sandra-X cantando “Oxóssi”. E a aparição de um público desenhado pela artista baiana Vania Medeiros, que em seguida se transformaram em plantas.

“Tivemos o teatro todo indo para o ralo ou virando uma bola de cristal… enfim… brincadeirinhas com o recurso tecnológico”, diverte-se Craca.

O repertório é formado por músicas do Traquitana Audiovisual (primeiro álbum solo de Craca), faixas instrumentais de Dispositivo Tralha (álbum realizado em parceria com Dani Nega, vencedor do Prêmio da Música Brasileira na categoria Música eletrônica) e algumas tracks inéditas lançadas recentemente. O show é imersivo, surrealista e dançante.

foto: divulgação

Sobre Craca:

Músico e artista visual, Craca tem sete discos lançados com os quais adquiriu quatro importantes premiações (Prêmio da Música Brasileira, Prêmio Profissionais da Música e Troféu Catavento). Apresentou-se nos principais festivais brasileiros e realizou diversas turnês internacionais tendo tocado na Inglaterra, França, Alemanha, Republica Tcheca, Irlanda do Norte, Bélgica, Noruega, Argentina e Chile. Integrou por 10 anos o Projeto Axial (ao lado de Sandra-X) com o qual lançou um dos primeiros CDs virtuais compartilháveis do Brasil, que também foi um dos primeiros álbuns físicos licenciados em Creative Commons. Atualmente apresenta-se solo ou no projeto Craca e Dani Nega. Como artista visual – e digital – realizou várias apresentações e performances e teve obras apresentadas em diversas mostras em instituições como EAC (Uruguay), Museu Bispo do Rosário (RJ), Santander Cultural (PE), Casa França Brasil (RJ), Bienal de Arquitetura, BienalSur além de diversas galerias de arte e SESCs. 

Craca tem a tecnologia como principal ferramenta a ser usada, debatida e democratizada. Aproveitamos pra trocar uma idéia com o artista e conhecer mais sobre sua trajetória e visões sobre arte , música e a experiência de ocupar o teatro mais antigo de Ouro Preto, confira:

MNS Artista visual e músico de longa data e muitas conquistas, conta pra gente por onde você começou a se relacionar com esses dois universos? 

A música foi minha primeira profissão, comecei a estudar na adolescência, entrei para a faculdade, me profissionalizei na área, mas sempre me interessei também pelas artes visuais e aos poucos comecei a misturar esses interesses. A princípio eu criava identidade visual para meus próprios projetos e com o tempo fui me aprofundando e encontrando o equilíbrio entre as duas áreas de conhecimento nos experimentos, que resultaram numa pesquisa híbrida. Isso me levou a trabalhar com o video mapping nas minhas apresentações, onde eu mesmo mapeio e manipulo as imagens ao vivo durante o show, reforçando esse aspecto híbrido.

MNS Como você definiria, se pudesse, sua pesquisa na música?

Música eletrônica underground brasileira (risos), se for pra dar nome e sobrenome… Eu entendo que a música eletrônica é muito ampla… Vejo como uma espécie de novo jazz, porque faz simbiose com muitos outros gêneros, e eu acho que eu to as vezes investigando mais um gênero do que outro, mas sempre através da música eletrônica. Apesar de ter formação de músico tradicional, e tocar diversos instrumentos, eu só me apresento com aparelhos eletrônicos, e o meu universo de composição é o da música eletrônica também. E agora mais do que nunca, na pandemia, onde somos forçados a criar e trabalhar de forma isolada, mais individual.

 

Foto: Divulgação

MNS E como você percebe esse processo de criação mais intimista da música eletrônica? Não sente falta da interação com outros músicos?

Vejo que a interação se dá de outro modo, mais durante as apresentações, com o público participando e contribuindo com a energia que move a construção do show, o movimento dos corpos, a galera se apertando entre a mesa e a pista de dança, todo mundo sentindo junto… Isso me atrai muito.

MNS E nas artes visuais, como você definiria o que faz?

Essa pergunta é mais dificil (risos), me sinto muito menos profissional, muito mais iniciante. Eu atuo em duas áreas principais: o video mapping, e a outra é a instalação. Em ambas, o que, digamos, dá identidade ao que eu faço, é o que se chama de “Arte Sonora”, que envolve ambiente, aparelhos diversos, sensores, mas não necessariamente chamamos se música. No mapping manipulo o que poderíamos chamar de samples de imagens, é um processo criativo que eu particularmente acho que se aproxima muito de processos de criação na música. Muito do que se faz hoje no mapping é um resgate de experimentações da época do início do cinema, manipulação de loopings, frames e imagens, estamos cada vez mais revisitando e recriando isso tudo.

MNS O que te motiva a explorar o video mapping e projeções nas suas apresentações?

Tem a ver com esse olhar sobre a imagem como uma extensão da música. É inegável a influência que uma boa iluminação opera num show e o video mapping pode ser considerado um tipo de iluminação, mas eu tenho um desejo sempre muito grande de gerar uma experiência de imersão para o público. Inclusive isso me levou a fazer experiências com sistemas de som quadrifônicos. A projeção é um jeito de produzir uma imersão dinânima, tornar o espaço fluindo, dialogando com a arquitetura do local.

Foto: Divulgação

MNS Nessa semana você participou, ao lado baterista e vibrafonista Arnaldo Nardo e Sandra X da programação do Festival Marte com uma ocupação audiovisual na Casa de Ópera de Ouro Preto, um dos teatros mais antigos da chamada América do Sul. O que essa experiência representa pra você?

Quando eles propuseram fazer o show lá na Casa da Ópera eu fiquei muito animado. É um teatro muito bonito e muito antigo, ele é pequenininho, parece uma jóia, um brinco, todo de madeira. A princípio me chamaram pra fazer um show presencial, o que complica um pouco porque para eu desenvolver o mapping precisaria de um número absurdo de projetores e equipamentos. Então pra esse cenário de apresentação física eu tava concebendo o show de uma forma, mas com a pandemia tudo mudou. Então conseguimos uma imagem 360 graus do espaço e resolvi aproveitar a liberdade que esse formato me oferecia, facilitou muito a logística de tudo. Isso se transformou numa brincadeira, de repente eu tinha muita liberdade pra pensar a apresentação como eu gostaria. O show foi praticamente criado em cima de uma foto, mas o público vai poder ver a parte interna do teatro e pra quem tiver óculos adaptados para realidade virtual vai poder experimentar a experiência 3D. Fiquei surpreso com a qualidade do resultado e quero fazer muita coisa nessa linha!

MNS Sua apresentação no festival se inicia com uma homenagem aos latino-americanos. O que signifca ser latino-americano pra você?

Esse é um tema bastante importante pra mim no pessoal. Me sinto muito mais latino americano do que brasileiro. Me identifico com a história e cultura de diversos povos e pessoas que pertencem a um mundo desarraigado. Essa terra que é um lugar onde percebo pessoas com um histórico parecido com o meu, principalmente quando se trata de país. Eu fui trazido para o Brasil bebê por meus pais, fugindo da ditadura militar argentina, meu pai veio da Polônia fugindo da guerra, a família da minha mãe vem da Itália fugindo da guerra e da fome. Aqui todo mundo passou por alguma sacanagem, é como se estivéssemos unidos pela tragédia.

foto: divulgação

 

MNS Qual sua visão sobre o atual cenário da música no Brasil?

Agora tudo pode acontecer. Eu acho, honestamente, que o mercado da música estava muito viciado. Ele ja sofre por ser um mercado e por ser pobre. Não tem oportunidade suficiente pra todo mundo, os artistas são muito explorados pela própria lógica de mercado (e eu to falando do mercado independente, nem to falando do mainstream), que demanda demais dos artistas e oferece pouco retorno. Um mercado que tava doente. E agora com essa paralisação forçada das apresentações e de uma boa parcela do mercado, sinto que os artistas tão voltando a poder celebrar o simples fato de fazer música. Tenho visto mais trabalhos surpreendentes atualmente do que há dois anos. Acho que apesar de tudo muitos puderam voltar a dedicar mais tempo ao estudo também, que às vezes a rotina profissional prejudica, considerando que o artista é muitas vezes quem cuida de suas redes sociais, carreira, agenda, marketing, etc.

MNS O que você enxerga de perspectivas para artistas brasileiros que se propõem experimentar e investigar novas tecnologias nesse momento?

O Brasil é um país que tem muito talento para tecnologia e com essa momento de quebra de formatos, as pessoas estão buscando novos, o que está gerando também novos caminhos. E eu acho que o artista se apropriar das tecnologias que tão surgindo ou sendo mais exploradas agora é algo vai se refletir nas nossas experiências futuras de forma positiva.

MNS Tem outros planos para esse ano que pode compartilhar com a gente?

Nesse último ano, apesar de tudo, surgiram novas parcerias, estou com alguns trabalhos em andamento, discos para lançar, com amigos, em formato solo também, e com a Dani Nega, material de vídeo…Esse período de isolamento me fez me voltar mais pra produção musical do que pra produção artística em geral, por esse fato de estarmos em isolamento, e é isso que tá fluindo.

Link do show:  http://bit.ly/unmusicyoutube – https://martefestival.com.br/

foto: divulgação

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