
Entenda como o Lollapalooza monta o seu line-up
Diretor artístico do Lollapalooza Brasil, Marcelo Beraldo explica o processo de curadoria do festival a Jota Wagner
Sempre que a programação do próximo Lollapalooza é divulgada, a internetlândia entra em festa. Após escrutinar o cartaz, lendo uma por uma das atrações confirmadas, o próximo passo é colar nas redes sociais e dar seu comentário. Tem quem ama, quem odeia, quem compara com as edições anteriores, baseado na sua experiência pessoal na música. Assim mesmo, empírico. Quem faltou, que gênero musical está prevalecendo, e infinitos etceteras.

Pouca gente sabe, no entanto, como essa escolha realmente é feita. Como é que os mais de 70 artistas, de tudo quanto é canto do planeta redondo, são encaixados na disputadíssima grade da edição brasileira de um dos maiores festivais do planeta? Para esclarecer o processo, fomos à fonte: Marcelo Beraldo, diretor artístico do Lollapalooza Brasil.
“As pessoas têm aquela visão romântica da curadoria, que basta escolher quem a gente gosta e fazer o convite. Mas é muito mais complexo do que isso. Existem os artistas que estão disponíveis na mesma época, e que podem viajar para a América Latina. No Lollapalooza, nós temos uma diferencial. Podemos oferecer uma minitour no continente, aproveitando todos os países do festival. Mas é um quebra-cabeças”, me conta Beraldo em seu escritório, com cartazes das edições anteriores do Lolla penduradas por toda a parede.
As dificuldades não param só na agenda. Cada atração (em especial os headliners) tem diferentes exigência técnicas, de palco, equipes, e tudo isso precisa ser colocado na planilha. Cada um vem de um país diferente, e eles precisam ser “cuidados” durante toda sua estadia no Brasil, que em várias vezes dura mais do que o dia em que vão tocar. Multiplique por 30, 40 atrações internacionais, e o trabalho se torna monstruoso.

Charlotte de Witte no Lollapalooza Brasil 2025. Foto: Ariel Martini/Divulgação
Além de tudo isso, ainda tem mais um detalhe. Combinar com os curadores dos Lollapalooza Chile e Argentina.
“A programação é definida em reuniões com curadores de outros países da América Latina e o pessoal dos Estados Unidos. São meio caóticas, com cada um dando suas sugestões e tentando fazer com que todo mundo concorde. Hoje em dia, eu acho que o pessoal do Lolla dos Estados Unidos faz isso de propósito, para que desse caos saiam boas ideias.”
Sim, os três, mais o responsável pela matriz estadunidense, precisam concordar com cada artista sugerido por um deles, exceto os locais. Imagino aqui o “pega pra capar” que não rola em uma reunião dessas, com espaços limitados na programação.
Em devaneios como deve ser cada uma dessas “reunião caóticas”, pergunto a Beraldo quais são, no line de 2026, seus maiores orgulhos. Aqueles artistas que ele botou na mesa e que, no final, foram aceitos por todos. “No caso dos gringos, Turnstile” — banda de hardcore de Baltimore, EUA, que acaba de passar pelo Glastonbury e está ajudando a revitalizar o gênero. “Entre os brasileiros, o Edson Gomes, que é bastante conhecido lá no Nordeste, mas ainda precisa ser mais ouvido aqui.”

É nas atrações locais que os curadores têm um pouco mais de liberdade para fazer cumprir a principal função de um festival: dar visibilidade a artistas que o público não conhece, propor o novo e catapultar carreiras. Por isso, vemos alguma ousadia nos line-ups quando se trata de artistas brasileiros.
No entanto, mesmo no caso dos gringos, o Lollapalooza sai com uma vantagem em relação aos concorrentes: um terço de seus ingressos são vendidos antes de a programação ser anunciada, com preços mais baixos. Isso demonstra confiança de seu público em relação à potência do próximo line-up. Uma confiança, por sua vez, que não pode ser quebrada. Pergunto a Marcelo sobre uma reclamação generalizada no mundo da música, principalmente por artistas e seus produtores: os números em redes sociais e das plataformas de streaming como selo de qualidade. Isso é usado pelos curadores, afinal?
“Sim, os números são importantes. Mas a gente observa muito mais o que o artista está fazendo ao vivo do que o resultado de streamings, por exemplo. Um grupo que começa tocando em bares, depois já está fazendo shows para duas mil pessoas, e que a gente percebe que logo vai estar lotando uma arena, por exemplo, já entra em nosso radar, a nível mundial. Hoje em dia tudo é muito globalizado. O que está chamando atenção lá fora certamente vai trazer resultados aqui no Brasil.”
Logo, o corre no mundo real ainda é mais importante do que o virtual (ufa!). Até por que o universo do streaming está cheio de músicos com números de seguidores gigantescos (alguns, de procedência duvidosa) que não se refletem na venda de ingressos. Há de se lembrar, também, que estamos falando de um dos maiores festivais do planeta, com cerca de cem mil pessoas por dia, perambulando entre os palcos do Autódromo de Interlagos. Para estar ali, é preciso já ter uma boa história nos palcos da vida. O Lollapalooza também vive de números, e sobreviveu após o pico de público visto após a pandemia. Um comportamento que já era esperado por Beraldo e sua equipe:

Caribou no Lollapalooza Brasil 2025. Foto: Tati Silvestroni/Music Non Stop
“Durante a pandemia, nós já sabíamos o que ia acontecer com os festivais. Há estudos sobre o comportamento das pessoas há mais de cem anos, do que acontece após uma guerra ou uma grande crise sanitária. Há uma parte da população que mantém a sua renda durante épocas assim, mas não tem onde gastar. Então esse dinheiro fica guardado e, quando tudo volta ao normal, há uma reserva financeira para gastar com viagens e entretenimento. É assim em qualquer lugar do mundo e em qualquer época. Passado esse momento, há uma queda, e depois a estabilização. O que vivemos hoje é justamente essa estabilização. O tamanho do mercado logo após a pandemia não era real, mas um pico”.
O Lollapalooza Brasil 2026 acontecerá entre os dias 20 e 22 de março. Os headliners são Sabrina Carpenter, Tyler The Creator, Chappell Roan, Deaftones, Lorde, Skrillex, Doechi, Turnstile e Lewis Capaldi. Grandes peças do quebra-cabeças montado por Beraldo e sua turma.