
Como o Coala Festival quer criar novos clássicos da música brasileira
Maravilha conversa com Gabriel Andrade, fundador e curador do evento
Neste final de semana, São Paulo será novamente atravessada pelo som do Coala Festival, encontro que desde 2014 se consolidou como um dos principais espaços dedicados à música brasileira contemporânea. O festival se tornou um lugar de encontro entre gerações: lendas que moldaram a MPB dividem o palco com artistas que começam a desenhar os próximos capítulos dessa história.

O Coala nasceu há mais de uma década de um gesto de entusiasmo e da percepção de que havia uma cena vibrante surgindo em pequenos palcos, ainda invisível para o grande público. A chama que se acendeu naquele momento segue viva — e talvez seja esse o seu segredo. A cada edição, traz um recorte que costura tradição e invenção, equilibrando nomes consagrados com vozes emergentes, sempre com a sensação de que algo novo está prestes a acontecer.
Com o tempo, o festival cresceu e se transformou em um ecossistema cultural, o Coala Music. Hoje, existe também o selo Coala Records, parcerias internacionais, edições realizadas fora do Brasil e um trabalho de fôlego dedicado a acompanhar artistas em suas carreiras. Ainda assim, no centro de tudo permanece a mesma convicção: a de que a música brasileira precisa continuar se reinventando, criando novos clássicos e mantendo-se como potência cultural dentro e fora do país.
Às vésperas de mais uma edição — o Coala Festival 2025 rola nos dias 05, 06 e 07 de setembro, no Memorial da América Latina, em São Paulo —, conversei com o fundador e curador Gabriel Andrade sobre sua trajetória, os dilemas, os sonhos que ainda o movem e o desafio de pensar o futuro da nossa música.

Gabriel Andrade, fundador e curador do Coala Festival. Foto: Aislan de Paula/Divulgação
Maravilha: Como foi seu caminho até chegar nesse lugar de criação do Coala Festival?
Gabriel Andrade: Cara, eu sou do interior de São Paulo. Sempre ouvi muita música, mas eu ouvia o que tinha disponível na MTV, nas rádios, e nas pesquisas da minha casa, da minha mãe. Acho que a MTV foi minha formação principal. Desde adolescente, já ficava pesquisando música, discografia… Mas no interior [São José do Rio Pardo/SP] não chegava nada, assim. Tinha muito pouco show. Era uma cidade de 50 mil habitantes.
E você toca também?
Sim, o principal é violão. Não toco profissionalmente, mas toco desde moleque. Fui morar nos Estados Unidos em 2007. Lá, eu ficava indo nas casas de show em Seattle, que é o berço do grunge. Quando voltei pro Brasil, vim morar em São Paulo. Frequentava muito o Estúdio SP, que era um lugar onde a cena acontecia. Tinha uma noite lá que chamava Cedo e Sentado, que eu ia toda terça-feira. E lá eu comecei a descobrir um monte de artista novo: Tulipa, Céu, Criolo, Apanhador Só, Vanguart, tocando sempre pra poucas pessoas. Eu achava incrível. Pensava: “cara, tem uma coisa muito foda acontecendo no Brasil e ninguém tá vendo”.
Quando o Estúdio SP acabou, foi tipo: “putz, meu principal lugar pra descobrir música nova agora vai deixar de existir, eu preciso fazer alguma coisa em relação a isso”. E aí veio a ideia de fazer o Coala.

O Coala Festival parece estar sempre refletindo a produção atual, mas com um olhar experimental. Como é para você como curador traduzir esse espírito do tempo?
É bem difícil, porque tem muita coisa sendo produzida e o espaço que a gente tem é limitado. Todo ano tenho que deixar de fora uma galera que eu admiro. Em todo festival, o primeiro desafio é fechar as contas. A gente precisa fazer um balanço entre coisas que vendem ingresso e coisas mais experimentais.
No Coala, a gente tem um equilíbrio legal entre medalhões da música brasileira e os novos headliners que estão surgindo, tipo a Liniker, uma galera que tá no midstream… E a gente se interessa em abrir espaço também pra galera novíssima, pessoas que realmente estão no começo de carreira. Eu sempre tento olhar pra quem acredito que vai ter uma trajetória longa.

Coala Festival 2018. Foto: Wesley Allen/Divulgação
E por trás disso há uma ideia de cultivar uma nova cena?
Acho que isso é um desafio do Brasil no geral. O Coala reflete muito essa transição do século XX pro XXI e a relação entre essas gerações. No Brasil, a gente ainda pensa a música brasileira como Caetano, Gil, Bethânia, Gal, Tropicália, bossa, samba, Jovem Guarda. Precisamos oxigenar a música brasileira, criar novos clássicos, os clássicos do futuro.
Agora está acontecendo um movimento nas redes sociais de jovens redescobrindo os clássicos do Brasil. A gente teve um caso com o BK’, que sampleou a Evinha. Teve Belchior, com o Emicida… Mas a gente precisa saber que essa galera vai se aposentar e a música brasileira precisa continuar sendo uma potência cultural. Então, a gente faz o que está ao nosso alcance pra continuar oxigenando a cena. Por isso que a gente tem o selo também, o Coala Records, que investe, lança os artistas, tem todo um trabalho de investimento nessa nova galera que é quem vai segurar o legado da música brasileira pelos próximos 50 anos.
Além do festival no Brasil e do selo, o Coala também realiza edições em Portugal. Se transformou em uma marca, um ecossistema de música. Como é pra você acompanhar a vida de um disco e da carreira de um artista?
Isso sempre foi um sonho. Já realizamos duas edições fora do Brasil, e com o selo a gente tem parcerias no Japão, na Europa e nos Estados Unidos, também distribuindo música na Ásia.

Coala Festival Portugal. Foto: Thaís Gramani Serra/Divulgação
A gente é empresário do BK’, do Luccas Carlos e do Zé Ibarra. A gente já lançou três produtos do BK’. Aí você vai ver nossa construção: desde a concepção do disco, à produção, à comunicação, como isso se transforma em show e como soma pra carreira do artista. É outro mundo, não tem nada a ver com eventos. Mas faz parte dessa missão nossa de fortalecer a música brasileira, de fazer o mundo escutar mais a gente. Cada disco planejado, quando chega em vinil, me emociona em pensar que em algum lugar eu tô contribuindo pra essa história.
Tem mais algum sonho a ser realizado?
A gente faz curadoria em língua portuguesa. Brasil, Portugal e os países africanos de língua oficial portuguesa. Acho que o sonho agora é continuar essa expansão internacional para outros continentes, mas se eu fosse olhar para o próximo, seria a África.
![The Mönic [reprodução]](https://musicnonstop.uol.com.br/wp-content/uploads/2025/08/The-Monic-reproducao-150x150.jpg)
Você gostaria que o Coala fosse lembrado de que forma pelas próximas gerações?
Gostaria de estar incluído entre projetos que estavam no front da nova música brasileira, fazendo a coisa acontecer. Assim como tiveram gravadoras, pessoas e casas de show que tiveram esse papel, todo mundo sabe quais são. Uma contribuição além do valor comercial. A gente tá fazendo há 11 anos já, e não nos vejo parando. No Brasil, vários festivais estão deixando de existir, não é fácil. Mas ainda tem muito trabalho pra ser feito.
E o que moveu as escolhas no recorte curatorial desse ano?
Esse é um line-up que já aponta para o futuro. Nos últimos anos a gente fez Gal, Bethânia, Gil, Novos Baianos, Milton… Isso vai acabar porque os artistas estão se aposentando. Então, esse ano a gente conseguiu equilibrar mais.
Acho que os festivais vão ter que se adaptar e pensar em coisas contemporâneas, e não ficar contando só com os grandes medalhões. Tem uma predominância midstream neste ano, que não foca em um estilo único. O Coala não tem restrição de gênero. Mesmo que pareça que nem tudo dialogue entre si, na amarração do todo, tem nexo.