
Chinaina: “Música nunca foi sobre números, mas sobre talento”
Prestes a participar da apresentação do The Town pelo Multishow, músico e jornalista fala com Jota Wagner para o Music Non Stop
Se Chinaina (mudou seu nome com o advento do streaming porque “China”, sozinho, era difícil de encontrar) estivesse em alguma agência de publicidade ou escritório de empresa, iriam dizer que ele faz “um trabalho 360”. O maluco começou na música na década de 90, com a banda Sheik Tosado, e partir dali foi esticando seus tentáculos na produção musical, projetos mil e como comunicador de TV. Atualmente, usa o que aprendeu na música alternativa para praticar um “jornalismo de fomento” e, claro, também utiliza a experiência de mídia para trabalhar sua carreira artística.

Conhecendo sua trajetória, dá para entender direitinho por que criou o Caça Joia para o Canal Futura, já em sua segunda temporada (mais três estão prontas). O programa de TV divulga novos artistas da cena musical brasileira, assim como a MTV fez com eles nos anos noventa. Chinaina está devolvendo o que recebeu. E de certa forma, recebendo de novo, como curador e apresentador.
Prestes a participar da apresentação do The Town pelo canal Multishow, o cara falou conosco direto de seu sítio na região de Piracaia, interior de São Paulo, onde vive com a família, grava bandas “que não tem grana” e mirabola novos projetos.
Jota Wagner: Como foi mudar para um sítio no interior de São Paulo pouco antes da pandemia?
Chinaina: Eu gravei um disco inteirinho aqui, cara. A primeira vez que gravei um disco foi em 98, época em que tinha gravadora e tal. Pensava: “porra, eu nunca vou ter dinheiro para fazer isso, se não através de uma gravadora”. Então, com todo o dinheirinho que fui ganhando na música e depois na TV, fui comprando equipamento, para ficar autossuficiente. Há muitos anos eu já consigo gravar um disco inteiro em casa. E aqui, gravo de outros artistas também, um monte de gente que não tem grana. Eu falo: “cola aqui, traz uma cerveja e vamos gravar”.
![The Mönic [reprodução]](https://musicnonstop.uol.com.br/wp-content/uploads/2025/08/The-Monic-reproducao-150x150.jpg.webp)
A natureza deve ter ajudado a manter a cabeça no lugar…
Dava para sair na rua, né? Porque aqui, na rua de barro, não tem nada, você consegue dar um respiro. Mas a coisa ruim, além de não poder ver os amigos, é que eu não consegui compor nada, velho!
Achei que fosse o contrário…
Para mim não rolou. Fiquei fazendo cerca, plantando alface… Rolou uma trava pesadíssima, bicho.
Uma amiga me dizia que ninguém deveria compor nada sobre a pandemia durante a pandemia. Era preciso se distanciar.
Exato, porque é um negócio que a gente ainda está processando. Veja o mercado da música. Voltou naquele boom, que ao mesmo tempo acabou fodendo os artistas independentes, porque os festivais queriam resultado. Não existe mais aposta em novos artistas. E a minha geração vem exatamente do contrário, quando eram eles os que apostavam nos novos.
Me lembro que o Abril Pro Rock [festival em Recife] tinha tipo dois headliners e 15 artistas independentes, que nunca ninguém tinha ouvido falar, e acabaram fazendo carreira dali, né. O próprio Planet Hemp, os Raimundos… a primeira vez que vieram a Pernambuco, foi para tocar no festival, em 93 ou 94.

Foto: Tereza Maciel/Divulgação
Comparando a época do Sheik Tosado, na década de 90, com agora, o perrengue piorou para os novos artistas?
Cara, eu acho que não dá pra você talhar e dizer se era melhor ou pior. Tem seus prós e contras. Antes você ralava pra caralho para conseguir espaço dentro de uma gravadora, porque era a única forma de um artista gravar e ter uma certa divulgação. Querendo ou não, as gravadoras dominavam o mercado, a mídia, tudo. Era o único caminho. Ao mesmo tempo, você tinha uma cena crescendo, com esses nomes aí que eu já citei. Todo mundo estava de olho.
Tem uma história maravilhosa de um divulgador da Sony que foi para o Abril Pro Rock em 1997 ou 98… Só que ele ficou tomou umas e ficou bêbado. Ficou sentado em uma cadeira, dormindo, e as bandas falando: “pô, esse cara é o divulgador da Sony!”. Então o pessoal foi jogando suas fitas demo em cima dele. O cara lá dormindo cheio de fitas demo no colo. As gravadoras mandavam esses caras, tá ligado? Eram olheiros.
Hoje em dia, eu vejo o acesso à internet e principalmente às tecnologias. A galera da periferia fazendo música pra caralho e já lançando direto. Muitas viralizam em plataformas digitais. Só que, ao mesmo tempo, você cria um funil muito grande. Um funil do número, do algoritmo. Fazendo o Caça Joia, por exemplo, eu recebo muito release falando sobre as views que a banda tem em tal lugar. Esse já não me interessa, eu não estou atrás de número.
Cansei de ouvir, como artista mesmo, que eu não tenho tantos números nas plataformas para entrar em um festival. Porra, bicho, a música nunca foi sobre número, foi sobre talento!
Uma banda de hardcore como a que eu tinha, a Sheik Tosado… A força está em suas canções, nas performances ao vivo, em fazer bons discos. Nunca teve “números”. Mas existia a questão de respeito pela obra. Hoje, se você não paga a assinatura do Spotify, nem a audição do álbum na ordem, os filhos da puta respeitam. Para quem gosta de ouvir álbum na íntegra, isso é uma faca no peito. Um álbum tem história, uma música depois da outra…
É o único motivo para um álbum ainda existir, ser ouvido na íntegra.
Exatamente. Mas eu também acho muito legal o lance do single. Muitas vezes o artista independente não tem grana para fazer um álbum, então acaba saindo de uma forma mais barata e divulgando a banda do mesmo jeito. Tem vários casos de artistas gringos que estão bombando sem nunca terem lançado um álbum. Mas tudo hoje é número, porque tem marcas patrocinadoras envolvidas e eles querem resultados.

E tem essa coisa do algoritmo cara… nem precisa ir muito longe. Quando um disco saía na imprensa, como foi o Nó Na Orelha, do Criolo, por exemplo, ele foi falado por meses e meses. Digo isso porque eu estava na MTV na época. Você ainda via o disco “rodar”. Hoje, por maior que o artista seja, o álbum fica dois dias na mídia.
A própria cultura de consumir também mudou. Aqui em casa tive de botar meus filhos de castigo, bicho. Porque eles estavam ouvindo, tipo, uma faixa do artista que gostam. Falei “não, porra, ouve o álbum!”. É respeito. Seu pai trabalha com isso [risos]. Você tem de escutar o trabalho inteiro até para falar mal.
Considerando toda a sua experiência com o Caça Joia, onde os novos artistas erram mais?
No release. Nessa coisa de dar muito importância para os números de views. Falando como jornalista também, cara, eu quero saber, no primeiro parágrafo, qual é a tua música. Não estou interessando na sua vivência, de onde veio, eu quero saber da tua música. Porque sua vivência vai estar dentro dela. Claro que números são importantes, mas eles não podem ser determinantes para dizer se algo é bom. Até porque temos provas de que os números podem ser comprados a torto e a direito.
No Caça Joia, o primeiro ponto de corte é o release. Recebi o de um artista que falou da vida dele inteira e não tinha um estilo musical no texto. Mas no geral, nessa cena nova, eles mais acertam do que erram. Tiveram de aprender a ser seu próprio empresário e sua própria gravadora. Eu aprendo muito com essa molecada.

Chinaina no “Caça Joia”. Foto: Divulgação
Isso me faz pensar em uma coisa: você é compositor, produtor, apresentador e o caralho a quatro, e a gente tem um mito de que pra poder fazer boa música, só tem que fazer só música…
Cara, eu acho que o sonho de todo artista é conseguir ter esse staff. Porque além de você estar gerando emprego para uma galera, é inquestionável que seu trabalho final, seja em disco, seja em show, vai ser cada vez melhor. A Sheik começou assim, com a gente carregando caixa, juntando três ou quatro bandas para fazer show e tudo o mais. A partir do momento que a gente começou a ganhar um dinheirinho, botamos um roadie. Em outro momento, chamamos alguém para vender o show. Você está girando uma economia importante dentro do cenário musical. Seja na TV ou na música, a gente é apenas a ponta do iceberg.
Atualmente eu prefiro fazer menos shows, mas conseguir ir com a equipe e apresentar um espetáculo interessante, do que fazer um monte de roubado. Claro que a idade conta, né? Já estou nessa há quase 30 anos. Hoje tem a coisa de ficar de olho em redes sociais, de ter de lançar uma música há cada seis meses, isso atrapalha um monte a criatividade…
É, mas antigamente as bandas assinavam contratos de quatro ou cinco álbuns e também eram obrigadas a entregar…
Então, e aí a gente cai no papo do público médio. Ele só vai ouvir e falar: “isso aqui tá uma merda”. O mesmo acontece quando vai a um show com som ruim, por causa da técnica. Ele não sabe nada do contexto, do que está acontecendo.
O que faz você escolher um artista para entrar no Caça Joia?
Como bom nordestino, não tenho o menor preconceito musical. Eu escuto de tudo. Escuto realmente cada link que me mandam porque, como artista, quando mando um link pra galera, eu espero que escutem minha música. E o que mais me pega é a originalidade daquela banda. Sempre procuro uma parada original no som, um caminho diferente. Se a banda parece, sei lá, Skank, já não me interessa, porque já temos um Skank, entendeu?
Gosto muito de artistas que tentam inovar e que tenham um discurso poderoso. Esse lance é muito importante. Porque a música, além de fazer a gente dançar, é transformadora. Você é da mesma geração que eu, Jota, lembra de quando ia ouvir O Rappa, a bundinha dançando, mas saía de lá mais inteligente? Sempre que eu ia ouvir a Nação Zumbi, eu saía do show mais inteligente.
E o Caça Joia nada mais é do que uma forma de tentar devolver para as outras gerações tudo o que a música fez por mim. Nunca tive outro emprego.
Também é uma forma de devolver uma parte de tudo o que a MTV fez para você como artista…
Também. Era uma exposição do caralho — não só como artista, mas como apresentador. Foi um canal em que eu aprendi muito, tanto de identificar estilos musicais quanto de colegas de trabalho. Por mais que você detestasse aquele som, você pensava: “mas aquele cara se fudeu um pouquinho igual a mim no começo”. Então, no mínimo, você tem que respeitar.
O Caça Joia é um pouco isso. Eu venho sentido há muitos anos, principalmente após o fim da MTV, é que não há mais espaço para a música independente. Para você ter ideia, a cada edição a gente recebe 3.500 links para escolher 13 artistas.
Uma tristeza de trabalho, hein?
Porra, é uma tortura, bicho. É foda ter de chegar só em 13. Temos mais três Caça Joias ainda para serem lançados. Um, especial só com artistas da Favela da Maré, que é um espaço cultural incrível e ninguém olha para isso. O programa vai do rap ao samba com autenticidade, apresentando toda essa cena, que é fortíssima. Depois, temos um especial só com artistas do Pará. E ainda teremos o Caça Joia Clipes.
Sua geração deu uma salvada no Brasil, no sentindo de olharmos mais para nossa própria história musical, em vez de ficar tentando copiar Joy Division, por exemplo…
Cara, eu acho que a cena musical brasileira aprendeu muito com esse legado. Olha o BaianaSystem, por exemplo. O Virna Lisi já colocava batucada de samba, Sepultura, Fausto Fawcett, Planet Hemp… Tivemos uma geração forte e os artistas assimilaram e aprenderam. É aquela parada que o Tolstói diz, né, mano? “Fale para sua aldeia e estará falando pro mundo.”
Claro que tem o cara que vai fazer o rock’n’roll clássico dele lá e beleza, tá tudo bem. Mas no geral, eu sinto que a a música brasileira se enxerga cada vez mais.