Em julho de 1954, Elvis Presley entrou no Sun Studio e deu o 1º passo para se tornar imortal
Onde você estava há 20 anos? Você tem alguma recordação marcante de 2004? Se o desafio for responder rápido, vou arriscar. Exatamente há duas décadas, eu estava preparando uma matéria para o site da extinta revista Bizz sobre um casal de norte-americanos que decidiu inovar: amarrar os laços no Memphis Recording Service — mais conhecido como Sun Studio —, situado à 706 Union Avenue, em Memphis, Tennessee, que, para grande parte dos seguidores de Elvis Presley, é o verdadeiro templo sagrado de culto ao mito.
De forma lamentável, o site da Bizz não está mais no ar, e não tenho mais o texto. Isso não impede, entretanto, que essas deliciosas memórias marquem uma outra data: os 70 anos da chegada de That’s All Right — single que, por sua estética e influencia, o Rei do Rock transformou em marco histórico da fundação do rock’n’roll em 19 de julho de 1954. Detalhe cabalístico: Elvis tinha apenas 19 anos de idade.
That’s All Right já era uma canção antiga, antes mesmo de Elvis (vocal e violão, um Kay adquirido por ele na loja Tupelo Hardware Co. por cerca de US$ 120, em valor atualizado), Bill Black (contrabaixo) e Scotty Moore (guitarra) — o trio The Blue Moon Boys — pisarem no Sun Studio em 05 de julho para criar a “versão roqueira” da composição de Arthur “Big Boy” Crudup. Antes dela, o próprio músico havia produzido duas versões da faixa em 1946 e 1949; esta última, lançada pela RCA Victor, futuro selo do Rei.
A escolha da canção, que seria o primeiro lançamento oficial de Presley, aconteceu por mero acaso. Depois de completarem Harbor Lights e I Love You Because naquela sessão, Elvis apanhou seu violão e começou a improvisar uma versão mais acelerada de That’s All Right que atraiu de forma instantânea o gerente e produtor do estúdio, Sam Phillips. Ele, dizem testemunhas oculares como a secretária Marion Keisker, pulou da cadeira após ouvir aquele distinto vocal recriar o antigo blues-country.
Logo em seguida, o trio decidiu gravar para valer. Apenas 2 takes completos foram necessários para encontrar a versão definitiva que entraria no single Sun 209, comercialmente lançado 14 dias mais tarde, acompanhado de Blue Moon Of Kentucky.
“A primeira vez que Sam tocou a gravação para a gente, nem acreditamos”, comentou o baixista Bill Black, dias antes do lançamento oficial da faixa. “That’s All Right soou muito crua e suja. Nós achamos bem empolgante, mas depois pensamos: que tipo de música era aquela?”, ponderou o guitarrista Scotty Moore. Ambos os depoimentos foram dados em entrevistas ao biógrafo Peter Guralnick.
That’s All Right — Elvis nas ondas do rádio
Antes de passar como um furacão por emissoras especializadas em C&W (Country & Western) do próprio Tennessee — além de Texas, Louisiana e outros estados do deep south americano, onde as vendas do single atingiram 500 mil unidades —, Elvis teve sua estreia profissional apresentada aos americanos no bom e velho radinho AM.
Depois de receber um acetato com That’s All Right das mãos do amigo Sam Phillips, o DJ Dewey Phillips (sem relação familiar) rodou o vinil em seu programa Red, Hot & Blue, transmitido pela WHBQ de Memphis, exatamente às 21h30 de 07 de julho, uma quarta-feira (12 dias antes do seu lançamento oficial).
Embora That’s All Right seja aceita hoje como a música que deu a luz ao rock como o conhecemos, algumas disputas apontam outros clássicos como detentores do feito. No topo da lista de herdeiros aparece a incrível Rocket 88, gravada no mesmo Sun Studio em 1951 pelo ótimo Jackie Brenston and his Delta Cats.
Mais de 70 anos depois de sua lendária aparição, a disputa pelo posto provou ser ingrata e desproporcional. Afinal, quem seria capaz de encarar tal competição com o Rei Elvis?