DJs contam como se relacionaram com as lives em tempos de pandemia na edição de hoje da Diálogos Profanos
A DJ Eli Iwasa é a entrevistada desta semana no Diálogos Profanos
Ela contou que seu set de techno ficou diferente nas lives que ela fez na pandemia. Perguntamos para outros DJs como funcionou para eles e se eles tiveram que tocar Raul.
Nesta semana, o podcast Diálogos Profanos, apresentado pela DJ e produtora musical Jo Mistinguett, recebe a DJ, produtora e cantora Eli Iwasa. A conversa na íntegra pode ser ouvida no canal no Spotify do Diálogos Profanos. Em um determinado momento, Eli diz que na pandemia fez algumas lives em que pode mudar o seu set, conhecido por ser basicamente de techno, mas com pitadas de house, break e electro. “Como não tem pista, toquei coisas diferentes como post punk, synth pop e rock. E fui quebrando essa imagem de uma DJ que só toca techno”
Isso me lembrou de uma conversa que tive com o querido e saudoso DJ Don KB, com quem dividi apartamento lá pelos idos de 2003, quando ele discotecava samba rock pelos clubes de São Paulo, Jive, Loveland. Dono de uma discoteca incrível e de um conhecimento musical inesgotável, ele comentava que geralmente os DJs não ouvem o que tocam em seus sets. Seja por ficar de saco cheio pelo grande número de execuções de uma faixa ou por gostar de muito mais sons do que a vertente musical que (o) escolheu ou por ir passando de fase, conforme a pesquisa que ele faz vai andando.
Perguntei a alguns DJs como foi o set nas lives, ter que fazer pista e se receberam pedidos de músicas: além de Jo Mistinguett, dona da porra toda, falei com DJ Dolores, Ju Salty, Grazi Flores, Rebel Key da festa Sem Loção, Joseph Rodriguez e Camilo Rocha.
Camilo Rocha
Na verdade, quase sempre eu toquei as coisas que queria, mas sempre de olho na reação da pista. Acho complicado tocar totalmente pra si mesmo, a discotecagem é conexão para mim, pelo menos. (Discotecar) é uma conexão entre o DJ e as pessoas. O desafio é fazer isso sem precisar apelar ou ir pelo caminho mais fácil.
DJ Dolores
“Trabalho em frentes diferentes, como DJ, com minha banda e fazendo live com máquinas. Muito dificilmente surgem situações em que tenho que ceder e fazer algo que não me agrada. Devo lembrar que comecei na virada dos 80 para os 90, numa cena – no Recife – que prezava pela originalidade dos DJs. Minha escola sempre foi, digamos, “ autoral”. Ao vivo – banda ou live PA -, nunca canso de tocar músicas minhas antigas porque sempre tento fazê-lo de modo novo, inventando arranjos diferentes, desconstruindo a versão original, emendando com outras músicas, etc… Os maiores perrengues sempre aconteceram como DJ, especialmente quando pego pista que quer ouvir o que todo mundo toca. Sempre gostei da música eletrônica feita na periferia do Brasil e mixava gêneros como tecnobrega e afins ou funk (do Rio) quando as pessoas ainda não conheciam ou, simplesmente, odiavam, taxando de mau gosto. Falo de coisa de cerca de 20 anos atrás. Essa relação centro/periferia, underground/mainstream me atraem por ser uma espécie de microcosmo da sociedade da gente. Neste sentido, destaco algumas situações engraçadas:
– Num carnaval do Recife, há muito tempo, havia a tenda eletrônica, que reunia uma diversidade enorme de gente, inclusive a periferia, que quase nnao tinha acesso a performances de DJs conhecidos. Sempre toquei para essa galera. Teve um ano em que Beija Flor, da Timbalada, estava estourada e eu tinha um remix bem desconhecido e muito bom, mais pro dancehall jamaicano. O público foi à loucura, mas tinha um pessoal indie na beira do palco que começou a vaiar. Fiquei bem satisfeito, talvez eles não entendessem que a cafonice estava do lado deles, que só ouviam rock anglo saxão padrão MTV.
– Só toquei uma vez em cerimônia de casamento porque o noivo era fã e amigo do meu empresário à época. Durante o set, a mãe dele queria ouvir Frank Sinatra, coisa que, obviamente, eu não tinha. Foi uma confusão danada!
– Toquei algumas vezes num club em Londres super restrito e muito caro, tipo, Robert Plant e Madona frequentavam, a festa do lançamento de Matriz foi lá, etc… Fazia um set baseado em música brasileira que estava em voga na época: drum’n’bass, um pouco de jazz, essas coisas. Naquela noite, eu estava em tournê e tinha comprado um monte de discos em Istanbul. Por acaso, estava acontecendo uma festa de um milionário turco no club. Mudei meu set sem sequer conhecer as faixas direito e foi um sucesso. Os caras botavam notas de 50 pounds na minha mesa e, no final, ganhei muito mais que o cachê que o club me pagava.
A mudança que houve com a pandemia é que fiz sets bem mais autorais, quase sempre só com produção minha por causa da vigilancia do copyright”
DJ Grazi Flores
“Quando a pandemia iniciou, estava num processo de entender que, de repente, já não havia mais pista pra ninguém (como fala a track “não sai de casa” de saskia). coincidiu com um momento no qual iniciava uma pesquisa musical dentro do universo do vinil, começando a construir um acervo de discos e de técnicas de mixagem.
Enfim, a pandemia acabou por mudar meu percurso tanto na forma como estava fazendo minha pesquisa musical quanto no meu estilo de desenvolver a pista: antes a construção da pista era pautada na interação visual, agora o feeling vem guiado, acima de tudo, pela conexão que desenvolvo com a música. isso porque, com a imersão nas plataformas virtuais, a pista parece ter ficado mais curiosa com o que cada DJ tem a oferecer musicalmente (tanto em gêneros musicais quanto na discotecagem em si). é engraçado, porque isso foi me fazendo ser mais ousada na narrativa do set, o que me fez explorar novas ambientações sonoras junto com a pista, sabe?
Durante a pandemia eu toquei techno, trip hop, indie dance, house, breakbeat, um tequinho de rock e música brasileira… sinto que as pessoas estão mais curiosas pra ver a personalidade empregada a pluralidade musical que podemos oferecer em nossas mixagens, desenvolvendo sets versáteis e igualmente únicos.
acho até que ficou ainda mais interessante compartilhar cada ciclo individual aplicado ao som garimpado: a galera tá sempre atenta e querendo saber o que se passa nos nossos fones de ouvido.”
Jo Mistinguett
Joseph Rodriguez
Ju Salty
Rebel K – DJ da Festa Sem Loção
Foto Divulgaçao: Rebel K
“Ano passado, quando começou a pandemia e tive que ficar em casa em home office (pois tinha emprego fora das pistas), a solidão pandêmica era uma coisa ainda embrionária. Fazia uma festa com umas 5 ou 6 edições anuais em Recife. Quando a pandemia veio, claro que a festa ficou suspensa até hoje.
Em maio de 2020, fiz minha primeira live. Era ainda uma coisa que estava se formando como uma forma nova de expressão. Eu não tinha a mínima ideia do que era ou podia ser rsrsr…
Queria mais era poder me divertir e divertir amigos que estavam todos em suas prisões domiciliares.
Separei uma pasta com músicas que gostava porém que seriam mais palatáveis para as pessoas curtirem em suas salas. Essa escolha foi feita pois pensava em realmente me divertir e divertir os amigos. Os sets foram pensados em ter músicas que gosto de dançar mas aliviei um pouco para poder chegar nas salas alheias sem assustar! Hehehe.
Fiz um flyer de divulgação pelo Instagram e rolou a primeira Live. Nunca tinha experimentado isso, e foi uma coisa bem caseira. Montei na mesa da cozinha o equipamento, fiz um cenário com luzinhas aproveitando o fundo que era a sala, coloquei o som perto do telefone e fiz um teste ao vivo (pedi a um amigo – que fez a arte do flyer) para entrar no teste da live e ver se o som e imagem estava ok. Logo de cara, já vi gente que entrou no teste animado..rsrsr Aprovado pelo meu amigo, uma hora mais tarde a Live era para valer.
A live foi muito engraçada e nova para mim. Via as pessoas entrando, comentando como se realmente estivessem numa festa. Toquei a seleção planejada, com algumas mudanças que senti a vontade de fazer no set. Bebi horrores, tipo uma garrafa e meia de vinho durante as 2h de live.
Ao término dessa primeira experiencia notei algo que não estava acostumado: a solidão. Depois de você se propor entreter e animar as pessoas, ver a interação delas on-line, quando acabou, me senti mais só que nunca em meu apartamento. Foi uma coisa que eu não tinha imaginado a situação. Logo meus amigos me ligaram, fizeram calls em grupo, mas isso não diminuiu essa solidão pós Live no íntimo de sua casa. Hahaha. Foi estranho. Depois fiz mais 2 Lives (tipo uma por mês) e sempre senti essa solidão estranha de não ter ninguém ao meu lado para comentar, sociabilizar ou mesmo brindar. E no fim sempre acabava bêbado, pois os vinhos eram minha única companhia.”