Um dos grandes expoentes da música eletrônica mundial, alemão lançou recentemente THE ESSENCE, seu primeiro álbum em sete anos
Aos 48 anos, o DJ alemão Paul Kalkbrenner, um dos fundadores do projeto BPitch Control (ainda quando era uma festa) ao lado de Ellen Allien, está numa nice. Se reencontrou com o bairro berlinense onde cresceu, Lichtenberg, cujo pequeno clube de futebol, o SV Sparta (em que participava ativamente como conselheiro e apoiador) o homenageou, rebatizando o estádio com seu nome: o Paul Kalkbrenner Sportfeld. Uma honra com cores de final feliz para seu mais ilustre representante (embora tenha nascido na cidade de Leipzig).
Paul Kalkbrenner no Paul Kalkbrenner Sportfeld. Foto: Reprodução/X
Os jogadores do Sparta e a turma de Lichtenberg, no lado leste da antes dividida Alemanha, sabem que Paul representou com sua vida a própria história da música eletrônica em seu país. Como toda a sua geração, descobriu o hedonismo das pistas de dança com a queda do Muro de Berlim, em 1989. Era um adolescente. Também como muitos, resolveu “virar DJ”, ao lado de seu colega de escola que se tornaria uma lenda do techno alemão, Sasha Funke, e engatou a carreira representando o som melódico e psicodélico de um dia ensolarado — assim também é THE ESSENCE, seu mais recente disco, lançado no último dia 10.
“Eu compus as músicas não pensando em fazer um álbum, mas em um sentimento.” Assim, explica à imprensa o longo processo (sete anos) de composição das 12 faixas da nova obra. Um LP composto sob o sentimento de realização, transformando em house progressivo um caminhar em uma bela calçada, sem acessar o lado pesado e barulhento do underground, nem o pirotécnico EDM dos drops irritantes das grandes arenas. Um trabalho feito por quem está de boa.
Em 1999, Ellen Allien foi a uma edição da BPitch e se encantou com o som (especialmente de Funke, que flertava com o minimal techno naqueles tempos). Os três viraram migos da música. Juntos, resolveram transformar a festa em selo independente, até porque todo mundo ali estava fazendo música, e precisava de um lugar para lançar. Tornou-se um sucesso mundial com o carimbo de Berlim. Virou-se o milênio, a carreira do trio foi crescendo tanto quanto o selo, até que um convite viria como uma catapulta para a popularidade de Paul Kalkbrenner.
Lançado em 2008, Berlin Calling faz parte daquele grupo de filmes feitos para funcionar como zoológico de uma geração para pessoas caretas assistirem e se impressionarem, como seu contemporâneo escocês Trainspotting. “Olha, esse é o barato que dá quando usam drogas”; “olha como eles fazem sexo”, pensam os cidadãos de bem, cheios de inveja de toda aquela inconsequência divertida. É preciso, claro, fechar as portas de tamanho saguão de tentações. Tudo precisa dar errado: o relacionamento dá merda, o uso das drogas vira abuso e os protagonistas vão parar no cemitério, no hospital ou na rehab.
Kalkbrenner já havia trabalhando com TV. Em Berlim, conheceu Hannes Stöhr, diretor de cinema apaixonado por festas e, por tabela, pelo trabalho de discotecagem do amigo. Stöhr contou que estava trabalhando em um novo projeto, o longa Berlin Calling, para mostrar a estética e a música da cidade ao mundo, através de um drama (no caso, o do “jardim zoológico de malucos”). Convidou o brother para fazer a trilha sonora. De bobos, não tinham nada: se mudaram por seis meses para o sul da França, para um imersão no roteiro e na produção musical. Voltaram de lá com a decisão de que, além de cuidar da trilha, Paul interpretaria o papel principal, um DJ fictício chamado Ickarus.
Acontece que o maluco mandou muito bem como ator, talvez apoiado pelo fato de ter vivido ou testemunhado historias como as que interpretou. Fato é que Berlin Calling, a história de um DJ que vê seu relacionamento e a carreira ruírem graças ao abuso de drogas, foi muito bem-sucedido. Para Paul Kalkbrenner, mais ainda: além de espalhar sua imagem para o mundo, ainda fez com que sua trilha sonora bombasse, transformando-o em um dos grandes bastiões da música eletrônica alemã.
Com o sucesso, pediu um divórcio amigável com Allien e Funke, deixou a BPitch Control e partiu em sua jornada de DJ internacional, levando para a cabine dos clubes uma mistura de discotecagem e live PA, desconstruindo músicas próprias e as dos artistas que curte. Anterior a THE ESSENCE, Parts of Life (2018) tinha nomes de arquivos usados na produção no lugar de títulos formais de música.
O novo disco é um reflexo desses sete anos em que o alemão ficou mais de boa, “tocando menos do que o normal”. É um trabalho que olha para trás, reproduzindo em beats as memórias de 30 anos de carreira, aliadas a um momento da vida em que o produtor percebe, claramente, que tudo valeu a pena.
