Vinil 7 polegadas Foto: Eric Krull [via Unsplash]

O pequeno notável: o filhote mais poderoso e subestimado do disco de vinil

Laerte Castagna
Por Laerte Castagna

Conheça a incrível história dos disquinhos de 7 polegadas — os compactos simples!

No final da década de 40, o mundo assistiu ao nascimento do disco de vinil, que vinha substituir com muitas vantagens os antigos discões fabricados de goma-laca, comumente conhecidos como 78 RPM. Entre as principais vantagens, estava a maior capacidade de armazenamento, já que cada lado de um 78 permitia gravar apenas uma canção, enquanto no novo formato era possível guardar mais de 20  minutos em cada face. Isso foi possível graças à criação dos microssulcos por onde as novas agulhas percorriam e reproduzir a música. Devido a esse menor espaçamento, foi possível diminuir a rotação para 45 ou 33 RPM, gerando mais tempo.

Assim, em 29 de junho de 1948, a Columbia Records trouxe a público The Voice of Frank Sinatra, contendo oito faixas previamente lançadas em quatro discos de 78 RPM, em um único disco de vinil. É considerado o primeiro álbum do novo formato, daquele que foi um dos maiores cantores de todos os tempos. Mas a indústria ainda precisava de um meio para divulgar as canções separadamente, e em 31 de março de 1949, é anunciado o nascimento do disco de 7 polegadas, conhecido lá fora como 7” ou single, e por aqui, com o melhor apelido de compacto simples. Também existia a versão com duas canções de cada lado, o compacto duplo.

No princípio, houve certa confusão, uma vez que os antigos gramofones não tocavam os novos formatos. Pior, se você comprasse um disco da Columbia, teria que utilizar um toca-discos que girasse em 33 RPM; já se fosse da RCA, teria que ter o aparelho que tocava em 45 rotações por minuto. Tudo se normalizou no início dos anos 50, com o surgimento das novas vitrolas com regulagem para múltiplas velocidades. Como havia acontecido com os discos de 78 RPM sobre os cilindros na década de 20, agora o vinil vencia e convencia os consumidores a adotá-lo.

Entre esse público, uma nova categoria de consumidores surgia: os adolescentes. Recém-batizados assim após a Segunda Guerra Mundial, os teenagers, como eram chamados nos Estados Unidos, eram fruto de uma nova organização social. Essa transformação é muito bem traçada por Jon Savage em A criação da juventude, que descreve as mudanças que terminaram por criar esse novo consumidor que se tornaria força primordial de uma nova indústria cultural que surgia. Basicamente, tinham mais tempo para crescer, estudar e se divertir sem as pressões da vida adulta.

Nas diversões, a música estava entre as principais escolhas, e um aparelho seria decisivo para sua popularização: a jukebox, máquina com toca-discos movidos a moedas. Estima-se que três quartos dos discos de vinil vendidos em meados da década de 40 iam para elas. Com a chegada dos compactos, as jukeboxes passaram a comportar mais bolachas, e embora o número de discos reservados a elas tenha caído proporcionalmente nos anos 50, sua influência era enorme em gerar vendas, só perdendo para a rádio.

Em um mês de lançamento do formato, a RCA declarou ter vendido um milhão de unidades do tal compacto, cada uma por parcos 65 centavos de dólar — algo como 25 reais de hoje. Com um preço tão atrativo e a facilidade de se expor um artista com seu hit, o formato explodiu em vendas, que só cresceriam ano a ano até a metade dos 70. Para aquela juventude ávida por novidades e diversão rápida, o disquinho era perfeito. Grandes momentos na história da música seriam vividos primeiramente em um disco de vinil compacto.

De Elvis Presley aos Beatles e Jimi Hendrix, dos Ramones e Sex Pistols ao Nirvana, todos tiveram seu primeiro registro em disco através de um 7 polegadas. Bill Haley e seus Cometas venderam 25 milhões de unidades de Rock Around The Clock. Donna Summer e Giorgio Moroder fizeram I Feel Love, antecipando o techno em dez anos, e o Sugarhill Gang inventou o rap com Rapper’s Delight — tudo em compacto simples.

Dentre as principais utilizações do single, estava a de testar novos artistas e canções e celebrar acontecimentos sazonais, como o Natal. Não é à toa que o maior vendedor de singles da história seja Bing Crosby com White Christmas, com 40 milhões de cópias, segundo o Guinness World Records. 

Em 1965, Bob Dylan compôs Like a Rolling Stone, uma das mais revolucionárias canções da história, desafiando os padrões com seus mais de seis minutos de duração e levando o músico definitivamente da seara folk para o estrelato do rock. Em 66, Jimi Hendrix se mudou para a Inglaterra, onde deixaria todos embasbacados com seu talento ímpar, para no final do ano realizar Hey Joe. Em 75, o Queen lançava Bohemian Rhapsody, com seus quase seis minutos de uma ópera pop atingindo um improvável sucesso avassalador.

Antes disso, em 1967, Aretha Franklin se apossou de Respect, modificando um pouco a letra da canção de Otis Redding, para transformá-la em um dos maiores hinos feministas da história. A música entrou no álbum da artista, porém o sucesso foi tão arrebatador que obrigou a gravadora a lançar a canção em single, o que turbinou ainda mais as vendas. O formato sempre foi utilizado como um carta de intenções do que seria ouvido no long play, mas também ocorria o contrário, como neste caso. 

Após os anos 70 e a popularização dos grandes álbuns de rock, a preferência do público vai mudando e as vendas começam a cair. Também contribui o surgimento do single de 12 polegadas — também em vinil —, com maior qualidade de áudio e apelo visual. A invenção do CD e do CD single seriam o prego no caixão do formato em termos de relevância e vendas. Mesmo assim, o disquinho manteve sua força no underground e entre as bandas independentes, que continuam a usar o meio como forma de expressão.

As bolachinhas ocupam um lugar especial no coração e nos sets de muitos DJs, como o talentosíssimo DJ Nuts, que mantém uma coleção com milhares de compactos, alguns raríssimos. E como o formato era muito usado para se testar artistas, canções e experimentos em geral, há muita coisa que só saiu através dele.

“Fui surpreendido pelos compactos em 7 polegadas. Neles, eu encontrei sons que não estavam disponíveis em nenhum outro lugar e descobri gravadoras pequenas que publicaram em menor tiragem títulos que foram desprezados e não muito comentados, bem longe do modismo”, declarou Nuts em 2017 ao Alataj. Saca só este set absurdo, só com as belezinhas:

Falando na palavra “disquinho”, ela foi apropriada para compor uma coleção de histórinhas infantis, a maravilhosa Coleção Disquinho, da gravadora Continental. Em seus inconfundíveis modelos coloridos, trazia contos narrados e interpretados por grandes nomes da nossa música e dramaturgia da Era do Rádio. Com canções de Braguinha, que criou a série, arranjos de Radames Gnattali e vozes de Carlos Gallardo, Dalva de Oliveira e Os Trovadores, entre outros, a coleção deixou saudades daqueles redondinhos cintilantes. 

Muito já foi dito sobre o disco de vinil em suas encarnações, mas não tanto de seu filhote mais poderoso. Ainda me lembro de quando, em 1973, comprei meu primeiro disco, um compacto do Alice Cooper com a faixa No More Mr. Nice Guy, que estava estourando por aqui. Depois dele, muitos bolachões vieram — muitos bem superiores —, mas aquele pequeno ocupa um espaço reservado na estante e, junto com os outros da família, no coração.

Laerte Castagna

Cresceu ouvindo o rock dos anos setenta e acompanhou in loco as explosões do punk, do pós punk e da música eletrônica. Vagou e se jogou pelas pistas esfumaçadas de clubes e after-hours em subterrâneos e telhados paulistanos. Bagunceiro amador, apaixonado por música ao vivo, discos e fitas, assuntos sobre os quais escreve. Dedica-se à confecção de playlists reais e ultra reais para festeiros em repouso ou expansão de consciência.

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