Dos Rolling Stones a Amy Winehouse, tradição durou décadas, mas sumiu com as mudanças da indústria musical
A cena foi surreal. Zelda Fitzgerald e seu marido Scott, a nata da “geração perdida” da literatura americana, fugiram correndo de seu bangalô em chamas no hotel Ambassador, em Koreatown, bairro de Los Angeles. O casal estava na cidade para que Scott terminasse o roteiro do filme Lipstick, que jamais foi lançado. A confusão havia começado horas antes, durante uma briga homérica entre os dois, quando Zelda descobriu que o marido havia pulado a cerca com a atriz Lois Moran. Em um acesso de fúria, jogou todas as suas roupas na banheira e tocou fogo. O casal Fitzgerald inaugurava, em 1927, uma tradição que se seguiria por muito tempo entre celebridades: destruir quartos de hotéis de luxo.
Provando que sempre teve as melhores referências, na loucura e na lucidez, Amy Winehouse repetia a cena em 2007, no hotel Sanderson, em Londres. Durante uma de suas brigas com o namorado problema Blake Fielder-Civil, a diva britânica do soul deu um prejuízo calculado em 18 mil dólares. Era o terceiro quarto destruído por Winehouse em apenas seis meses, embora os outros tenham sido, digamos, coisa pouca: a cantora jogou um prato de espaguete na parede de um hotel em Munique e destruiu estofados e os carpetes do Livington Plaza, em Londres, com bitucas de cigarro.
Os 80 anos que separam as duas cenas, porém, estão abarrotados com centenas de histórias de enormes destruições em quartos de hotel, a grande maioria protagonizada por estrelas do rock’n’roll. Por muito tempo, ver uma grande banda no balcão de check-in era motivo para arrepiar os cabelos de qualquer gerente. Era problema dos grandes chegando. Rolling Stones, The Who, Led Zeppelin, Aerosmith, Mötley Crüe, Courtney Love, Green Day… Haja dedos para contar quantos artistas têm em sua biografia um surto de ódio com a decoração luxuosa dos hotéis em que ficaram hospedados.
As histórias são de arrepiar os cabelos. Billy Idol precisou tomar um tiro de tranquilizante disparado por soldados do exército tailandês depois de se recusar a sair de um quarto de hotel completamente destruído em Bancoc. Jogar a televisão pela janela, não importa em qual andar, era hábito comum. Ozzy Osbourne, como de praxe, foi além: a TV caiu a menos de um metro de um funcionário no piso térreo, quase matando o trabalhador.
Embora alguns casos envolvam brigas de casal, como também o da modelo Mary Forsberg e seu marido Scott Weirland, cantor do Velvet Revolver, que destruíram, depois de um barraco, um quarto do hotel Burbank, em Los Angeles, a grande maioria dos casos notórios de comportamento apocalíptico se dava pelos excessos dos grandes artistas: muita droga aliada a um ego incontrolável, resultado de uma época de idolatria em que músicos de sucesso eram tratados como semideuses pela sociedade.
Dois fatores adicionais, porém, eram determinantes para incentivar a inconsequência juvenil que levava um rockstar ao limite. Eles não pagavam a conta (pelo menos não à vista). Toda a fortuna desse pessoal era administrada por suas gravadoras e agentes. E quem cuidava do dinheiro não estava nem aí: os barracos rendiam matérias nas principais revistas e jornais do mundo. A tal mídia espontânea, tão desejada pela turma do marketing.
Quando a indústria fonográfica começou a render, a partir da década de 50, uma fortuna milionária através das vendas de discos, as gravadoras desenvolveram um sistema para “simplificar” a lida com os artistas. A estratégia era jogar o contrato na mesa para a garotada assinar, geralmente prevendo um número combinado de lançamentos, e então administravam, junto com os empresários, o dinheiro que entrava, dando aos músicos apenas uma mesada semanal para pequenos gastos.
Se um rockstar queria comprar uma mansão ou um carro novo, por exemplo, avisava seu empresário, que cuidava da documentação e do pagamento. Sob o pretexto de manter seus artistas dedicados unicamente a “fazer arte”, o modelo criou um mundo de fantasia, onde nada material lhes tinha valor. Era só destruir tudo e, no dia seguinte, numa ressaca braba, deixar o hotel e seguir para a próxima cidade.
Deslumbrados pela oportunidade de assinar contrato com uma grande gravadora, pouquíssimos artistas se atentavam para as “letras pequenas” do documento. Todo o dinheiro que, sem nenhum questionamento, a gravadora desembolsava para suas estripulias era anotado, no livro contábil, como “adiantamento”. Ao final, tudo era descontado dos royalties das vendas de disco, deixando muito artista tão pobre quanto era em seus tempos de independente.
Não à toa, o hábito de destruir quartos de hotel praticamente desapareceu com o advento da era do MP3 e dos streamings, minguando a venda de discos de vinil e CDs, na virada do milênio. Um momento em que a cultura dos contratos vultosos e adiantamentos evaporou, fazendo com que a grande maioria dos músicos precisasse gerenciar a própria carreira, incluindo aí o lado financeiro. E aí, meu irmão, sabendo que a conta tem de ser paga, o comportamento muda.
Hoje em dia, atitudes como essa são vistas, tanto pelo público quanto os próprios artistas, como o apogeu catastrófico do consumismo. Um lance vil, antiecológico e, principalmente, de total desprezo com o trabalhador assalariado que precisaria limpar um quarto que passou por uma catarse no dia anterior. Dentre os relatos mais célebres, havia casos de habitações com o chão repleto de comida, urina, seringas e absorventes jogados.
Como dizem por aí, tudo tem seu lado positivo. O fim da indústria milionária das vendas de discos prejudicou muita gente, mas adiantou bastante o lado de quem trabalha em hotéis mundo afora!