paralamas do sucesso Paralamas do Sucesso – foto: divulgação

Como os Paralamas do Sucesso conseguiram o feito inédito de unir a música brasileira à latino-americana

Leonardo Vinhas
Por Leonardo Vinhas

Os Paralamas do Sucesso construíram uma ponte entre o Brasil e seus afastados irmãos latino-americanos, algo que nenhum outro artista havia conseguido antes, e nenhum os igualou até agora. 

E é por isso que o texto de estreia dessa coluna é sobre eles, os Paralamas do Sucesso.

O foco aqui vai ser principalmente, mas não apenas, músicos de um lado ou de outro da América Latina que conseguiram aproximar, mesmo que só um pouquinho, o Brasil de seus hermanos de língua espanhola e vice-versa.

E só para efeitos de clareza: é para essa mesma causa que tento contribuir com os discos que já produzi, a maioria dos quais dedicados à integração latino-americana pela música, como se verá nas citações que farei neste e em outras edições da coluna!

El Rey?

Aos veteranos ou amigos do “Rei” que venham comentar que Roberto Carlos conseguiu grande sucesso em diversos países da América Latina antes dos Paralamas ou de qualquer outro, cabe dizer: sim, é verdade. Robertão gravou em espanhol e enfileirou hits longe de seu país natal, em especial no México. Mas o filho de Cachoeiro do Itapemirim não conseguiu integrar a música dos hermanos às suas composições. Era um cantor brasileiro usando uma linguagem estética bastante universal. 

Não foi esse o caso de Paralamas. “Charly García e Fito Páez influenciaram Herbert mais que Jimi Hendrix”, me contou João Barone em uma entrevista há quase dez anos. Mas antes mesmo de os Paralamas botarem os pés nos palcos argentinos, chilenos ou uruguaios, a latinidade já se fazia sentir e escutar em suas canções.Principalmente durante os anos 1990, os Paralamas trouxeram tons do rock argentino para sua música, assimilaram algumas lições aprendidas em outros países, e também mostraram sua reverência a músicos locais, com direito ao sucesso comercial e reconhecimento de crítica.

A explosão que começou tudo 

Charly García, uma das maiores lendas do rock argentino, tocou piano em “Quase um Segundo”, um dos sucessos de Bora-Bora (1988), álbum que já trazia influência de salsa, calipso e merengue. A isso, Big Bang (1991) agregou uma espécie de “afrolatinidade nordestina” ao mix dos Paralamas, que incluía ainda reggae, ska, dub, rock, juju music, samba e MPB. E, de alguma maneira, canções como “Pólvora” e “Lanterna dos Afogados”, mesmo tão diferentes entre si, mostravam paridade com o que se fazia nos países ao sul da América Latina, especialmente na Argentina.

Mas foi em Os Grãos (1991) que os Paralamas do Sucesso consolidaram essa influência. Não à toa, o maior hit do álbum foi uma versão em português para “Trac Trac”, de Fito Páez. Não ficava só nisso: a sofisticação harmônica e uma certa melancolia austral sinalizavam com clareza a influência do rock argentino, expressa mais fortemente em canções lindas que, imerecidamente, ficaram longe do grande público, como “A Outra Rota” e a espetacular “Ah Maria”.

Presente nesse disco, “Carro Velho” mal fez barulho por aqui – tocou um pouquinho nas rádios, mas logo sumiu. Porém, se tornou um megahit na Argentina, Bolívia, Chile, Peru, Uruguai e outros países, tanto em português como na a versão em espanhol,“Coche Viejo, – ainda hoje, é para muitos a canção imediatamente associada à banda.

Reversiones

Sim, os Paralamas já haviam gravado um álbum inteiro com regravações em espanhol – num espanhol mal pronunciado e com letras que pareciam ter sido feitas em algum “tradutor do Google” (que nem existia na época, diga-se). Esse disco saiu em 1992 intitulado apenas Paralamas. A mixagem preguiçosa e a pouca familiaridade de Herbert com o idioma tornam o disco mais uma curiosidade que um prazer, mas isso seria corrigido em Dos Margaritas (1994).

Esse disco reúne algumas canções do álbum Severino (também de 1994) a novas regravações em espanhol, agora feitas com um parceiro mais hábil na adaptação das letras e com Herbert muito mais fluente no idioma. Das regravações, a já citada “Coche Viejo” é o destaque óbvio, mas o que brilha mesmo no disco é “El Vampiro Bajo el Sol”, homenagem a Charly García composta por Herbert em parceria com Fito, e que ainda conta com Brian May (sim, o guitarrista do Queen) nas guitarras.

Ainda vale mencionar “Será Diferente” (releitura de “Esqueça Tudo o que te Disseram sobre o Amor”, de Big Bang), “Go Back” (dos Titãs, que depois a regravariam em espanhol no seu Acústico MTV) e “Casi un Segundo”,com Egberto Gismonti ao piano. Charly Garcia ainda seria homenageado na versão em castelhano para “Dos Margaritas”, onde a citação ao primeiro baterista do Paralamas, Vital Dias, é trocada por uma referência ao homem do bigode bicolor.

A culpa é da crise

Com a década de 1990 começando com uma recessão braba, e com as duplas sertanejas assumindo a hegemonia do cenário pop brasileiro, os Paralamas se arriscaram em turnês nos países vizinhos como uma alternativa para equilibrar as contas, e deu mais que certo. A banda encontrou não só receptividade por parte do público como também respeito por parte dos músicos. 

Herbert Vianna, Bi Ribeiro e João Barone não só se deram muito bem com vários gigantes locais como assimilaram a música deles de imediato. Tanto que muitos dos hits da banda – aqui e nos países vizinhos – teriam relação direta ou indireta com a forte influência do rock argentino e da percepção diferente que esses países têm sobre o que é e o que não é rock. Em um resumo simplista, mais justo, dá para dizer que são países que não medem o “grau de roqueirice” pelo volume das guitarras, e sim pela gana na execução das músicas e pela atitude dos artistas.

Mais e mais canciones

9 Luas (1995) foi o disco que devolveu aos Paralamas a posição de estrelas da música brasileira. Faturou prêmios da indústria e da crítica, vendeu horrores, entregou hits e rendeu turnês extensas e lucrativas. “Lourinha Bombril”, que abriu a porteira pro disco, é na verdade uma versão (bastante modificada) de “Párate y Mira”, da banda argentina de reggae pop Los Pericos (uma espécie de UB40 argento). “La Bella Luna” era uma composição própria, mas o título em espanhol já dizia qual lua tinha inspirado a banda. “De Música Ligeira” era uma versão ainda mais enérgica da já endiabrada “De Musica Ligera”, cavalo-de-guerra do Soda Stereo que, anos depois, seria “re-regravada” pelo Capital Inicial numa versão bunda-mole (que surpresa, não?) batizada de “À Sua Maneira”.

capa de 9 luas, disco do paralamas do sucesso

Capa de 9 Luas

Esse disco, bem como seu sucessor, o injustamente subestimado Hey Na Na (1998), ganharam versões diferentes para o mercado latino, com algumas de suas faixas vertidas para o espanhol. Na época, os Paralamas eram presença constante nos palcos e programas de TV dos países vizinhos, chegando a ser headliners, ou pelo menos atrações de destaque, em festivais locais. Eram uma banda estrangeira equiparável em sucesso a muitos nomes norte-americanos ou ingleses da época.

 

Pagando tributos

Em 2015, eu e o músico e produtor cultural colombiano Andrés Correa organizamos um álbum em homenagem ao trio. Caleidoscópio – Um Tributo Ibero-Americano aos Paralamas do Sucesso reuniu 23 artistas de 12 países: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Estados Unidos, Peru, Portugal, Uruguai e Venezuela. 

As bandas professaram sua admiração ao trio brasileiro em versões e textos apaixonados. No lado musical, há desde versões mais fiéis (“Tendo a Lua” cheia de sotaque na versão dos argentinos Fargos e Sandra Corizzo, “Caleidoscópio” pelos bolivianos Animal de Ciudad) até releituras bem transgressoras, como o dub pesadão com a letra toda modificada de “Alagados” (na mão dos colombianos Animales Blancos), a versão nervosa e enguitarrada de “Por Sempre Andar” (com os portugueses do TV Rural, ou a balada que se tornou “Vital e Sua Moto” com o também português Samuel Úria), passando por versões que criavam ligações diretas entre os PdS e os artistas que os homenageavam, como a cumbificada “Una Brasilera” feita pelo septeto peruano Bareto, os tons caribenhos em “Canción del Marinero” (dos costarriquenhos Rialengo) e o synth rock climático que virou “Ela Disse Adeus”, colaboração do brasileiro Nevilton com os norte-americanos Wallburds.

Aqui você pode ler mais sobre o disco e até baixá-lo, junto com um encarte detalhadíssimo, mas se quiser, também pode só ouvir no Soundcloud, Youtube, Deezer, Google Play, iTunes, Napster, Spotify e Tidal

 

Mas ok, e hoje?

Na caixa comemorativa 1982 – 2015, foi incluído o CD Paralamas em Espanhol (recentemente removido das plataformas de streaming), uma compilação com 16 faixas dos PdS em espanhol, além de duas regravações feitas especialmente para a ocasião: “Que Me Pisen” (original do Sumo, de quem os Paralamas já haviam versionado “Heroina” no DVD Vamo Batê Lata) e “Hablando a Tu Corazón” (original de Charly García). E em Sinais do Sim (2017), último álbum de estúdio até o momento, incluíram uma recriação algo desencontrada para mais uma canção do Soda Stereo – dessa vez, “Cuando Pase el Temblor”.

Para além das versões, os Paralamas criaram um diálogo musical e mercadológico do Brasil com outros países, numa trilha que outros artistas (como Skank e Jota Quest) tentaram seguir, mas não conseguiram nem chegar perto dos resultados obtidos por Herbert, Bi e Barone. Ainda que hoje sejam uma banda a movimentar mais pela nostalgia e pelo apreço ao passado, o trio segue como o nome mais forte do rock brasileiro em terras latinas.

Leonardo Vinhas

Leonardo Vinhas é jornalista, escritor e produtor cultural na ativa há mais de 20 anos. Escreve para o Scream&Yell desde 2000, já produziu 19 discos para o selo S&Y, e foi co-responsável pelo Festival Conexão Latina.

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