Coluna Senŏide estreia no Music Non Stop: Quando o mundo muda, a música muda também

Marco AAndreol
Por Marco AAndreol

 

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Qual seria a cara dos anos 2010? O que é mais presente hoje do que antes?

Na metade de uma década já é possível identificar as principais estéticas musicais que a caracterizam. Desse ponto, olhamos para trás e nos vemos inseridos num novo contexto, mais ou menos receptível ao (relativo) grande público, dependendo da época.

É natural nos sentirmos nostálgicos e receosos em tempos de crise mundial, por instinto nos fechamos e, mesmo que a internet e outros canais estejam abertos às experimentações, no dia a dia, nas redes sociais e nos encontros do final de semana, persiste a busca pelo conforto do conhecido, do que já foi provado e atestado – às vezes, esgotado.

Mas não deveriam as crises (e as conjunturas sociais complexas) serem representadas na música mesmo que de forma subliminar? Ao invés de negar a desarmonia, a dissonância e o descompasso seria mais proveitoso se incorporássemos esses elementos. Sabemos, há mais de um século, que tudo pode ser arte.

E que, quando o mundo muda, a música muda.

Contra o senso comum de que a eletrônica é escapista e hedonista existem inúmeras nuances que só a experiência coletiva é capaz de expressar. Porém, para que se realize, precisamos nos abrir. A música, mesmo a de pista, não trata apenas do puro prazer, como também não se limita a incitar catarses ou expurgar lamúrias. Somos suficientemente complexos para transitarmos por campos mais abstratos e humores variados.

As possibilidades são infinitas.

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1. neo grime, abstrato, desconstruçăo

Acostumamo-nos a, basicamente, dois suportes para a dance music: 1 _ o bumbo reto marcado + chimbal (ex.: house, techno, disco); 2 _ as inúmeras formas de breaks (ex: hip hop, electro, d’n’b, dubstep). Mas, e se, de repente, não houvesse mais chão? E se as estruturas explodissem ou despencassem?

Estamos no momento em que esses limites vêm sendo testados em maior escala, afinal, Aphex Twin ganhou Grammy em 2014 e popularizou-se. É hora de avançar. Mais do que derivadas de AFX ou Autechre, a nova música é arejada, permeável, como se houvesse mais espaço entre os sons.

 

KUEDO_ CELLULAR PERIMETER _ ( ASSERTION OF A SURROUNDING PRESENCE EP ) _ [ KNIVES ]

Aqui perdemos o firmamento, mas ainda é possível sentir o plano onde correm os sons – os graves nos sustentam – surgem sinos brilhantes e, por fim, vozes angelicais. Se essa música não te faz dançar é porque você pode estar preso numa concepção engessada de pista. // Ainda no mesmo EP, Eyeless Angel Intervention invoca desejos de apocalipse.

RUDE BOYZ SA _ GET DOWN _ ( RUDEBOYZ EP ) _ [ GOON CLUB ALLSTARS ]

Imagine se o famigerado compasso 4/4 se cristalizasse num cubo na palma de sua mão. Agora abra as duas arestas laterais desse cubo – Surge uma base totalmente suspensa, cuja intenção parece ser ampliar o espaço, mais do que servir ao pulso do corpo. #GqomWave

LOTIC _ PHLEGM _ ( HETEROCETERA EP ) _ [ TRI ANGLE ]

Lotic traz gingado à sonoridade explosiva que o Arca popularizou ao produzir Björk. Lotic é destruidora e rebola em cima da cabine. Muita além de sua presença, Lotic despe o funk carioca à carcaça e acrescenta elementos da música concreta, cinema e suspense.

Deveríamos assistir mais a apresentações de dança contemporânea
para desempenhar na pista o pulso inconstante dos novos gêneros.

 

TCF _ 2F D4 DB 24 C9 41 D3 50 6E D2 05 2B 26 D6 96 3A AB 28 C8 D7 CC F6 C1 57 BA 77 [ … ] _
( NLeZ7tnzzjTXBsMtD1OO0xPEZ0MmnSKsGZA/yHfSV1gfK H+// [ … ] EP ) _ [ EKSTER ]

O código que você vê acima é o nome da música e do EP. Ouça o Soundcloud  ( link ) do norueguês Lars Holdhus, TCF, e VEJA como sua linguagem é única e radical. Lars leva Steve Reich e Klaus Schulze ao mundo de Blade Runner sobrepondo camadas polirrítmicas de sons espetaculares. Sua noção de composição é tão livre que parece expandir o campo sonoro em abismos que nos levam a um futuro longínquo. Lars vai muito além da ambiente music. // Outro produtor que chegou a patamares similares em 2016 é Paul Jebanasam no álbum Continuum  ( link ).

 

ASH KOOSHA _ GUUD _ ( GUUD ) _ [ OLDE ENGLISH SPELLING BEE ]

No meio do caminho entre as bases abertas e as melodia étnicas, o iraniano exilado em Londres Ashkan Kooshanejad traz no álbum GUUD o melhor dos mundos. (Em abril de 2016 o selo Ninja Tune lançou seu segundo álbum » I AKA I)

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2. áfrica, ásia, oriente médio, brasil

O relativismo cultural contra as angústias existenciais.
Superar o revivalismo gótico e descobrir o mundo por canais virtuais em vez de lamentar os limites do ego ou, por compensação, superexaltar o corpo.
A internet já é a maior realização do transhumanismo social, é hora de se abrir e vivenciar outras culturas.


DJ KHALAB _ SUBSTANCE _ [ BLACK ACRE ]  … chame de juke ou arrasta-pé.


AVA ROCHA _ LINGUA LOKA  … amálgama tropicalista do carnaval de 2016 em diante.

 

MARK ERNESTUS’ NDAGGA RHYTHM FORCE _ YERMANDE ( KICK & BASS MIX ) _ [ NDAGGA ]

Uma das metades do Basic Channel, Mark Ernestus, o alemão inventor de um dos gêneros mais copiados da eletrônica (dub techno), hoje produz música senegalesa. O toque de Ernestus não interfere muito na matriz sonora africana, mas acrescenta a impecável produção alemã (de mixagem e masterização) + a experiência em lidar com a eletrônica caribenha. É música global de verdade.

MBONGWANA STAR & KONONO Nº1 _ MALUKAYI _ ( FROM KINSHASA ) _ [ WORLD CIRCUIT ]

A banda congolesa gravou os instrumentos em volume saturado para que soassem mais elétricos. Seu visual é um dos melhores exemplos de afrofuturismo.

MUSLIMGAUZE _ JAWANI ZINDABAD _ ( VOTE HEZBOLLAH )

Toda a discografia do inglês Bryn Jones, o Muslimgauze, tem como tema o movimento de libertação dos palestinos. Dez de seus discos (os de 1983 a 1988) foram relançados em 2016 pelo selo Vinyl On Demand e revelam uma das melhores coleções de música tribal da história. ܟ
Mais atual do que nunca!

camadas mescladas

 

BLACK ZONE MYTH CHANT _ BELSHAZZAR _ ( MANE THECEL PHARES ) _ [ EDITIONS GRAVATS ]

Seria o álbum um portal aberto entre o Egito Antigo e o espaço sideral? Feitiço dos antepassados na voz do patriarca babilônico? Black Zone Myth Chant é o produtor francês Maxime Primault  (que esteve no Brasil há alguns meses). Lembra um pouco as paisagens surreais de Shackleton.

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3. pop, post-pop, mais que pop

AÏSHA DEVI _ MAZDÂ _ ( OF MATTER & SPIRIT ) _ [ HOUNDSTOOTH ]

Imagens que falam por si?

M.I.A. _ BORDERS _ [ INTERSCOPE ]

Quem poderia superar o vídeo mais contundente da década?

SOFT AS SNOW _ FLUID _ ( CHRYSALIS EP ) _ [ HOUNDSTOOTH ]

Meio do caminho entre The Knife e Grimes. Houndstooth é um ótimo selo!  ( link )

LE1F _ KOI _ ( RIOT BOI ) _ [ TERRIBLE ]

Da paródia pop ao seapunk à PC music, da cyberculture via Harajuku aos subafluentes de cores saturadas do submundo digital.

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4. ballroom, techno, industrial

ZOMBY _ BLOOM _ ( LET’S JAM EP ) _ [ XL ]

rainbow crystals falling from the skies
✰ ✰ ✰  watch yer bass bins !!

A linha de synth proeminente de Bloom é sampleada de Isao Tomita em Snowflakes Are Dancing de 1974, uma releitura de Children’s Corner de Debussy de 1908 🙂

SPECIAL REQUEST _ AMNESIA _ ( MODERN WARFARE EP 1 ) _ [ XL ]

Paul Woolford é tão bom na reconstrução da sonoridade rave de 91/93 que superou os ótimos álbums do Zomby de 2008 e o Crystal Cowboy ( 2015 ) de Drew Lustman ( FaltyDL ). Ouça os 3 EPS da série Modern Warfare pelo selo XL – é mais 92 do que 92 em si.


ANCIENT METHODS _ GUIDED BY THE FORCE OF COMPASSION _ ( TURN ICE REALITIES INTO FIRE DREAMS EP ) _ [ HANDS PRODUCTIONS ]

Um chamado que de longe ressoa ao clássico Energy Flash de Joey Beltram, mas em vez dos gordos graves circulares da antecessora, uma marcha reta e metálica.


SURGEON _ BDF-3299 _ ( FROM FARTHEST KNOWN OBJECTS ) _ [ DYNAMIC TENSION ]

As estruturas podem ser as mesmas, mas os equipamentos modulares fazem toda a diferença na timbragem de From Farthest Known Objects, o último álbum de Anthony Child. ☢
Sons de alta tensão que, na mixagem, sobrepõem-se à sessão rítmica.

HERVA _ KILA _ [ PLANET MU ]

» http://www.planet.mu/discography/ZIQ372 ( player do álbum aqui ) 

O álbum do italiano Hervè é para ser digerido aos poucos, por meses – cada faixa é um experimento e tem sua própria característica; as frequências surgem como borrões metálicos, texturas e ruídos são incorporados resultando numa espécie de expressionismo digital.

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