Pés no pop, raízes no underground: por que Charli xcx é um dos grandes nomes do ano
“Nos livros de história, 2024 será chamado de Ano xcx“, reflete Jota Wagner
Charli xcx é a Liniker dos ingleses. Ambas as artistas emergiram do underground de seu países, de onde se negam a deixar, mesmo que seus números no mercado da música, a crítica musical e sua base de fãs sugiram o contrário. Para se darem ao luxo de estarem na seleta casta de “artistas pop com conteúdo”, surgiram no fértil celeiro subterrâneo da música e conduziram suas carreiras com pouquíssimos erros.
O resultado para Liniker, já sabemos. Com Caju, a artista levou o prêmio de “Melhor Álbum” no WME Awards 2024, e seu disco foi abraçado pelo público de um jeito que todo mundo cravou: “agora ela é mainstream”. O mesmo está acontecendo com a colega nascida em Cambridge, na Inglaterra, em 1992. BRAT, seu mais recente álbum, lançado em junho, vem sendo escolhido como o melhor do ano em diversas publicações internacionais. O segredo para agradar críticos musicais, fãs adolescentes que acabam de conhecer ser trabalho e a velha guarda, que a viu iniciante no cenário londrino é simples, embora difícil para muitos — não dar as costas às suas origens.
Origens estas que estão no epicentro do coração inglês: o cenário clubber, lugar onde a memória afetiva leva todas as pessoas 30+, e que serve ao mesmo tempo como apelo diferente aos mais jovens, oferecendo uma fuga ao feijão com arroz do pop das cantoras bonitinhas, dançarinas, meio rebeldes e viciadas em autotune. Charli traz uma coisa Kate Moss, tão idolatrada pelos britânicos, em si. Um povo que, por exemplo, tem como um de seus maiores ídolos no futebol um jogador famoso por ter roubado o ônibus da própria seleção durante a copa da Itália para dar um rolê, Paul Gascoigne. Esse é o tipo de atitude que um inglês espera de seus popstars. Charli xcx teve a inteligência de sacar isso.
Longe do padrão de beleza “lourinha magrinha de olho azul”, Charlotte Emma Aitchison começou sua carreira artística no meio raver britânico. Música para fritar. Jamais deixou de lados os códigos musicais importantes a essa turma. Sons sujos, ácidos e rasgados para fazer a cama à sua voz docinha. Prova disso é que a segunda canção de BRAT se chama Club classics. Um recado a seus velhos fãs: “estou aqui, mas ainda estou lá, na pequena pista de dança em que vocês me conheceram”.
“A razão pela qual eu amo música eletrônica e clubs e DJs é que tudo ali parece eterno”, contou Charli à revista Billboard. E sua perpetuação parece seguir a paixão. Menos de cinco meses após o lançamento de seu último álbum, a artista o relançou com todas as músicas sendo reinventadas por convidados especiais, como The 1975, Ariana Grande, Billie Eilish e muitos outros, elevando o conceito de feats a um outro patamar. Nasceu, assim, o já icônico Brat and it’s completely different but also still brat.
Charli não tem medo do sucesso e, com especial atividade em 2024, faz questão de emitir sinais sobre isso. Traz consigo, também, o louvado comportamento de cuidar da própria carreira, deixando para trás os tempos obscurantistas em que artistas femininas tinham de ouvir conselhos de homens tubarões barrigudos da indústria da música. Lança mão de sua metralhadora giratória de ações e até agora tem sido muito bem-sucedida.
Aceitou entregar o time de estrelas de comédia no consagrado programa Saturday Night Life, fazendo graça com a própria estranheza. Em vez de simplesmente participar do mais novo festival inglês, o LIDO, em Londres, decidiu fazer a curadoria de um dia inteiro da programação, se colocando como a primeira headliner anunciada, ao lado de Jamie xx. O rolê acontecerá em junho de 2025, no Victoria Park.
Montou uma panela de amigas que vive, tira onda e trabalha junto, ao lado de Billie Eilish e Rosalía (já deu pinta, inclusive, de que as besties estarão em seu dia no festival). Aceitou ser embaixadora da cosméticos da Valentino (olha o lado Kate Moss aí). O resultado? Foi eleita uma das mulheres mais influentes de 2024 pelo jornal Financial Times. Tudo isso enquanto BRAT não para de crescer. Foram sete indicações ao último Grammy. Nos livros de história, 2024 será chamado de Ano xcx.
“Foi um equilíbrio total entre ações estratégicas e decisões em tempo real. Toda a campanha de BRAT exemplifica perfeitamente quando um artista e sua equipe estão comprometidos e dispostos a amplificar, dar magnitude e jogar junto após todas as decisões”, contou o staff de Charli xcx, também à Billboard, sobre as inovações promocionais de seu último disco — como aderir ao mundo da realidade virtual, montar um gerador automático de capas, para que cada fã monte sua própria versão da arte e, muito, muito mais. Tudo saído da cabeça da menina de Cambridge. A garota do ano.