
Como a boombox virou o coração pulsante do hip-hop
Aparelho criado na metade dos anos 1970 entrou no coração de toda uma geração e mudou os rumos da cultura jovem
O adolescente Theodore Livingston, que mais tarde faria história como o DJ Grand Wizzard Theodore, quase teve um treco quando sua mãe, brabíssima, entrou de surpresa em seu quarto, em um pequeno apartamento no Bronx, pronta para dar uma bela bronca nele e em seus dois irmãos, que estavam ouvindo música. No desespero, o garoto botou a mão em cima do disco para que ele parasse de girar. Ao perceber o som que provocou ao arrastar o disco para trás graças ao pavor de um castigo daqueles, acabou inventando o scratch, efeito primordial na cultura hip-hop.

O acidente ocorrido em 1975 foi uma das poucas coisas positivas no ato de curtir música em casa na época. Assim como Theodore, todo mundo ouvia seus discos prediletos dentro de casa, no quarto ou nas minúsculas salas de estar dos apartamentos dos bairros pobres de Nova Iorque. Para se divertir com o volume mais alto, era preciso esperar os pais saírem e então incomodar apenas os vizinhos.
Muito moleque estava deixando os adultos em fúria com o simples fato de ouvir música. Se não fosse em casa, o único jeito era esperar o final de semana para colar em alguma festa para dançar e curtir seu DJ predileto. Mas bolas, quem é que aguenta esperar uma semana para ouvir um bom James Brown ou aquela novidade do Stevie Wonder? Impossível.
Foi nesse contexto que, assim como aconteceu em outros momentos da história, um aparelho que já se exibia em vitrines de lojas de equipamentos de som, inventado na Holanda em 1966, pela Philips, entrou no coração de toda uma geração e mudou os rumos da cultura jovem: a boombox (que ainda nem tinha esse nome). Filha primogênita do rádio gravador, que era basicamente aquela caixinha com lugar para uma fita cassete, que nos permitia gravar desde uma voz falada ao microfone até programas das estações radiofônicas — uma tecnologia revolucionária para época —, a boombox foi inventada pelos irmãos Woelfel, em 1975, e logo depois aperfeiçoada e lançada no Japão pela Sony. A empresa nipônica analisou o projeto da Philips e o aprimorou para uma versão com som muito melhor (tinha dois alto falantes), o deck para a fita cassete no meio, uma antena para o rádio e uma alça, para levar a qualquer lugar como se fosse uma maletinha.

O rádio gravador da Philips. Foto: Reprodução
Som bom, com gravão batendo e portátil, e ainda com a capacidade de levar consigo uma fita com os maiores hits do momento? Era tudo o que a molecada escarafunchada em um apartamento precisava. Chega das sovas maternas. Rapidamente, as boomboxes, apelidadas assim por causa da qualidade dos graves (mas também chamada de “ghetto blasters”, ou simplesmente “boxes”), caíram no coração de todos. Alimentadas por pilhas (algumas chegavam a se alimentar de 20), bastava mandar um: “mãe, vou sair cos amigo” e correr para a rua ouvir música. E dançar.
A boombox foi peça fundamental na disseminação do breakdance, pois permitia a trilha sonora perfeita para a galera treinar seus passos de dança nos espaços públicos. Foi um sucesso de vendas e tornou-se um aparato estético na cultura hip-hop. Andar com uma delas sobre o ombro, ouvindo um som cheio de marra, era muito cool na ruas de Nova Iorque e, posteriormente, de todas as grandes cidades. Os fabricantes, claro, se ligaram nessa nova onda e começaram a lançar boomboxes cada vez maiores, mais bonitas e coloridas, além de caprichar na alta fidelidade do som, com especial atenção aos graves. Rappers customizavam seus aparelhos com adesivos e pinturas. Sem o apetrecho inventado pelos japoneses, todo um movimento cultural teria sido radicalmente diferente.
Tornou-se parte do corpo dos rappers e dançarinos, que andavam com ela para todos os lugares, exigindo a qualidade e a potência do som, independentemente das pessoas quererem ouvir ou não. Qualquer semelhança com as caixas bluetooth na praia não são mera coincidência. Para o “cidadão de bem” da época, foi um incômodo. Várias cidades estadunidenses proibiram o som de boomboxes em locais públicos. Claro que, nos guetos de Nova Iorque, onde os problemas a se enfrentar eram muito maiores do que o incômodo sonoro, a proibição foi impossível.

Cada um com sua boombox, na Nova Iorque dos anos 80. Foto: Reprodução
Com a chegada dos anos 80, a febre das boomboxes era geral. O walkman, aparelho portátil leve, que vinha com fones de ouvido, ainda não havia chegado ao mercado. Mas, mesmo quando se mostrou um sucesso de vendas, não tinha o mesmo charme de uma pesada caixa de som levada no ombro. Junto com a boombox, vinha a ideia de compartilhar. De ouvir música em grupos de amigos e, principalmente, dançá-las sem depender de um clube ou uma discoteca.
Em 1985, LL Cool J lançou I Cant’ Live Without My Radio (“não posso viver sem meu rádio”), uma declaração de amor às boomboxes. A música virou um hit e explica, em rimas, o que a invenção japonesa significou para toda uma geração:
My radio, believe me, I like it loud
I’m the man with the box that can rock the crowd Walkin’ down the street, to the hardcore beat While my JVC vibrates the concrete I’m sorry, if you can’t understand But I need a radio inside my hand Don’t mean to offend other citizens But I kick my volume way past 10
Ou, em bom português:
Meu rádio, acredite, eu gosto tocando alto
Eu sou o cara com a box que agita a galera
Vagando pela rua com um beat pesado
Enquanto minha JVC faz tremer o contrato
Desculpe se você não consegue entender
Mas eu preciso do meu rádio à mão
Minha intenção não é ofender outros cidadãos
Mas eu coloco o volume acima do 10