Bandas 80 e 90 Garbage no The Town, em 2023. Foto: Tati Silvestroni/Music Non Stop

Por que bandas dos anos 80 e 90 estão lotando shows no Brasil

Jota Wagner
Por Jota Wagner

The Offspring, Sublime, Garbage, L7, Mudhoney e Morphine são exemplos de grupos de rock da época que têm arrastado multidões no nosso país

Chego ao Cine Joia lotadão, em São Paulo, no começo de fevereiro, para o show da inglesa The Damned, formada em 1976 e com picos de sucesso durante toda a década de 80, com álbuns que marcaram o punk, o pós-punk e o rock gótico. Desde a rua, onde o pessoal se aglomera para beber antes de entrar na casa, gente que viveu cada uma dessas épocas se aglomerava com seus moicanos, camisas pretas, chapéus e lenços. Era preciso um olhar clínico para encontrar ali alguém com menos de 30 anos de idade. A apresentação era um sideshow de um festival que ocorreu também em São Paulo no dia seguinte, liderado por The Offspring (criada em 1984), com Sublime (1988) e outras bandas, incluindo o próprio The Damned.

Na semana seguinte, eu conversei com Donita Sparks, fundadora do L7 (1985), que está prestes a tocar no Brasil ao lado do Garbage (1994). O show praticamente coincide com a vinda do Mudhoney (1988) a São Paulo, dia 21. No mês anterior, estiveram por aqui os caras do Morphine (1989). E tudo isso é apenas uma pequena amostra da quantidade gigantesca de bandas de rock das décadas de 80 e 90 que estão vindo ao Brasil desde o ano passado. Uma invasão geracional que está lotando as casas de shows da cidade. Mas o que explica essa tendência?

Os produtores

Bandas 80 e 90

The Damned no Allianz Parque. Foto: Tati Silvestroni/Music Non Stop

O mercado de shows da cidade está tomado por produtores que cresceram nas décadas de 80 e 90. André Barcinski (Maraty), Leandro Carbonato (Powerline), Lucio Ribeiro (Popload), Lucas Vasconcellos (Balaclava) e vários outros, responsáveis por escolher quem vem ao país, cresceram nesta época e, apesar de se atualizarem ouvindo (e trazendo) artistas mais novos, é ali que está a formação cultural e afetividade de todos. Trazer um artista de quem você é fã tem um gostinho especial.

Uma nação de novos jovens

Bandas 80 e 90

Público curtindo o show do L7 no Carioca Club. Foto: Tati Silvestroni/Music Non Stop

Desde a virada do milênio, o que se entendia por “velho” já caiu por terra. Até a década de 70, um cara de 50 anos estava acordando às sete da manhã para lavar a calçada ou organizando latas de parafusos na garagem de casa. Hoje é muito diferente. A faixa etária de quem tem um hábito de consumir cultura aumentou tremendamente. Os 50+ estão nos bares, shows, raves e festivais se divertindo, se relacionando e gastando dinheiro no mercado de entretenimento.

Uma turma que, inclusive, é dona de seu próprio dinheiro, o que influi tremendamente na perspectiva de viabilização de uma turnê na América do Sul, atualmente caríssima devido ao alto valor do dólar, das passagens aéreas e da inflação na infraestrutura de eventos.

O valor do “mundo físico”

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Sublime no Allianz Parque. Foto: Tati Silvestroni/Music Non Stop

As bandas que estão dominando as agendas dos shows de rock na cidade foram as últimas a viver a época dos álbuns lançados em vinil e CDs, antes da transformação do cenário musical para lançamentos em MP3 e streaming. A mudança, que facilitou a criação e o lançamento de novas músicas, fez crescer incomensuravelmente a quantidade de novos singles, EPs e álbuns, transformando a prateleira digital das plataformas em um oceano de novidades.

A geração que testemunhou esta mudança não conseguiu se adaptar totalmente à novidade, prendendo-se à noção de valor a algo palpável, como um CD. Temos gravado na mente o conceito de que há mais “valor” em uma carreira artística cujos álbuns eram comprados, além da ideia de perpetuidade. Olhamos para um disco do Sublime toda vez que fazemos faxina na sala de casa. Isso nos dá uma noção de que aqueles artistas, dos 80 e 90, são os últimos “eternos” do rock. Um efeito, claro, irreal, mas presente em nosso hábito de consumo.

O medo do fim

Bandas 80 e 90

The Offspring no Allianz Parque. Foto: Tati Silvestroni/Music Non Stop

Os músicos que fizeram sucesso nas décadas de 80 e 90 estão começando a entrar em um momento de despedida da carreira. É bastante possível que a turnê de muitas das bandas que estamos vendo em São Paulo seja a última oportunidade para vê-los no Brasil — o que, para um fã, é de fazer tremer os joelhos. Cyndi Lauper, por exemplo, fez sua despedida dos palcos no ano passado, no Brasil. Sepultura tocará pela última vez no Brasil no próximo Lollapalooza. Corra enquanto é tempo!

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.