Banda Wry Wry – foto: Ana Erica

Ao lançar seu oitavo álbum, Wry reafirma seu posto de grande banda indie brasileira

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Wry lança Aurora, o primeiro álbum totalmente em português e reclama sua posição de uma das mais importantes bandas do underground brasileiro

“Queremos tocar em festivais”, me conta Mario Bros, fundador, vocalista e principal compositor da banda Wry, quando pergunto quais os objetivos da banda em 2023.

Conversamos por telefone num final de tarde, em meio a um jogo de empurra entre o sol e uma frente fria, no céu que aquece o interior de São Paulo. O Wry é de Sorocaba, cidade onde ainda moram, e eu falava de Jundiaí, nas rebarbas da capital. Antes de sair para passear com suas cachorras, Mario falou sobre o álbum Aurora, lançado dia 11 de novembro nas plataformas de digitais (com direito a uma bacanuda versão em vinil).

Primeiro disco inteiramente em português da banda, Aurora mergulha a banda no post-punk, em especial o que tomou São Paulo no final dos anos 80. “O post-punk sempre esteve presente em nossas músicas. Eu acho o movimento revolucionário”, explica.

Fundada em 1994 e ativa até hoje (com um hiato que rolou entre 2010 a 2014, época em que abriram o bar underground Asteroid, em Sorocaba), o Wry tem planos definidos para o pós-pandemia, incluindo manter a sequência de álbuns inéditos anuais.  Mario pretende (e tem altíssimas chances de conseguir) reclamar seu posto de uma das mais importantes bandas do cenário underground brasileiro.

Aurora foi concebido durante a pandemia. O Wry não parou de lançar e produzir desde seu retorno, e a pausa obrigatória nos eventos fez com que o grupo, também pela primeira vez, criasse de forma mais compartilhada. Lançara, em 2020, o disco Noites Infinitas no ano seguinte, um compilado de regravações e canções que estavam na gaveta. Sobre o Aurora, Mario conta: “começamos a trocar ideia no whatsapp. Fiz uma demo caseira com quase todas as músicas e começamos a mandar riffs e ideias um para o outro. As letras, pela primeira vez, não são todas minhas. O Luciano já teve algumas letras no passado, mas essa é a primeira vez que teve um trabalho conjunto. Eu, Willian e Luciano, além de uma música em que teve também participação do Ítalo”.

Pergunto a ele sobre a decisão em fazer de Aurora, o primeiro disco totalmente em português. “Essa é uma decisão antiga. Ela vem desde quando a gente foi morar em Londres. Foi em 2008, a gente estava gravando She Sience  e metade do que a gente gravou era em português (e tem até canções que tem as duas línguas). Cantar em inglês está muito na gente. O Wry começou cantando em inglês”. Interrompo, comentando que aquilo era uma tendência, algo comum na época em que a banda começou, no meio dos anos 90. “Mas quando a gente começou, já não era tão comum, mais. Cantar em inglês já começava a ser um tabu. A gente é da mesma geração de Raimundos e Planet Hemp… a gente não é da época dos Pin Ups, quando cantava inglês era normal. É como se a gente fosse o irmão mais novo dessa galera… É que éramos tão amigos dessa turma que parece que éramos da cena deles”.

O Wry começou a tocar durante a efervecente cena independente brasileira que proliferou no Brasil após a chegada da nossa filial da MTV, quando estouraram nomes como Chico Science, Devotos e os citados Planet Hemp e Raimundos. Além disso, uma febre do hardcore californiano tomou conta da cabeça da garotada, resultado em centenas de bandas do estilo tocando em todos os buracos.

As referências do Wry, porém, vinham de outra turma. O cenário shoegaze brasileiro que tinha como atores bandas como Pin Ups, Low Dream, Killing Chainsaw e Brincando de Deus, mais sérias, existencialistas e voltadas para o indie rock que se fazia no hemisfério norte. “O público da época era tão hardcore que a gente começou a acelerar as músicas nos shows. Eu não queria mais cantar tão macio”, entrega Mario, entre risos de ambos. “Cantar em inglês, então, era uma contramão. Nosso som era ir para Londres. A gente formou a banda para ir para Londres”.

Ao contrário da fase inicial da banda, quando olhavam para fora, Aurora é parte de um ciclo onde o Wry está imerso na música feita no (e para o) Brasil. “A gente foi para Londres para ficar um tempo. No final dessa fase eu já queria cantar em português. Voltamos já com alguma coisa em português. Só que, chegando ao Brasil, abrimos o Asteroid e a banda parou.

O Asteroid é um bar underground, lotado num casarão antigo em uma ensolarada esquina de Sorocaba. A casa existe até hoje, recebendo bandas e DJs. “Quando a gente voltou, lançamos três singles que iam numa onda  dream pop. Cheguei a estudar teclado e teoria musical, o que nos ajudou bastante”. A virada para a língua mãe, no entanto, também teve aspectos políticos. Mario sentiu que era hora de se posicionar e, para isso, a mensagem precisava ser passada em português. “Então, começou a campanha do Bolsonaro. Eu tava tão feliz, achando que tudo estava mais melhor… Eu via os gays andando de mão dada em Sorocaba. Tudo estava mais legal em 2017. Eu arrepio de falar. Voltou tudo para trás. Nós começamos ensaiar e não fazia sentido o nosso som. Eu quero fazer um disco punk. Quero falar de política e sociedade. Tanto que as músicas do Noites Infinitas, que começaram a se compostas nesta época, refletem essa mudança. Eu já sabia queria ir para este lado. Hoje, quando começo fazer uma música, já nem considero mais o inglês”.

De certa forma, Mario e o Wry fizeram as pazes com suas raízes. “Nesta época também, comecei a ler o livro do Ricardo Alexandre, Dias de Luta. Me influenciou muito. O quanto o post punk foi revolucionário! Explodiu depois do punk e abriu caminho para tanta gente que nem sabia tocar. O punk deu liberdade para música e influênciou todo o mainstream brasileiro. Quem diria que nos anos 80 o rock estaria em todas as rádios brasileiras. O Wry tem coisas post punk desde o começo e, agora pensei, ‘quero fazer um disco assim’. Algo mais ligado à realidade”. Aurora representa um link direto entre o rock brasileiro dos anos 80 com a atualidade.

Além disso, Aurora é o primeiro disco de uma trilogia que tem um alvo bastante claro. Manter o Wry na crista da onda na música indie brasileira, conectando-os com as novas gerações. “Queremos lançar três discos realmente bons, um por ano, para inserir a banda no cenário atual e conectar também com a nova geração”.

Um dos objetivos do Wry é entrar no circuito dos festivais a partir do ano que vem. Considerando a história que carregam, e a qualidade de Aurora, não será difícil.

 

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.

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