DJ Alfredo Foto: Reprodução

Alfredo, o DJ que inventou Ibiza

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Um dos maiores nomes da história da dance music faleceu sem o reconhecimento que merecia

Alfredo Fiorito pode figurar facilmente em qualquer ranking dos cinco maiores DJs da história, embora jamais tenha obtido tal reconhecimento. A notícia de sua morte chegou nesta terça-feira, 24. O artista vivia em uma casa de repouso desde que sofreu um ataque cardíaco em 2021 — uma campanha de financiamento público foi lançada, em março, para ajudar um ícone da história da música a pagar pelos seus custos médicos.

 

Embora cultuado pelos seus colegas, Alfredo é pouco conhecido pelo grande público fã de música eletrônica. Um erro grave. O homem é grande, gigante. O argentino foi responsável por plantar em Ibiza a pedra fundamental do movimento acid house. Inventou o que depois foi chamado de balearic beat. E, principalmente, dominou como poucos a arte da discotecagem.

É muito comum, em textos sobre o DJ, ler que ele “tocava de tudo”. Não é tão simples assim. Qualquer DJ iniciante em festa de casamento toca de tudo. O que Fiorito fazia no Amnesia, um clube que abria às 03h da manhã e fechava ao meio-dia, era construir uma paisagem sonora perfeita para o lugar paradisíaco e hedonista onde tocou a partir dos anos 80. Uma paisagem que ainda não existia.

Alfredo chegou a Ibiza após ter morado em Paris e Madri. Como um grande pintor, viu a ilha pela primeira vez e desde então se dedicou a construir uma música inédita para descrever o que sentia. E sim, para isso, não tinha barreiras quanto a estilos musicais porque ele simplesmente estava inventando um novo gênero. Para forjar a nova onda baleárica, garimpou faixas de rock psicodélico, progressivo, house music e soul, sempre através de lados B e obscuridades que servissem à sua visão de um ambiente. O que o mano fez foi incrível.

Foi ouvindo seus sets no Amnesia que pioneiros ingleses como Paul Oakenfold e Danny Rampling sacaram o que viria a ser a acid house, o maior movimento cultural europeu depois do punk. Sem Alfredo, não teria havido Shoom, Haçienda e mais um sem número de clubs icônicos pelo mundo. Ou, pelo menos, seriam bem diferentes.

Enquanto tocava durante horas a fio em seu club, Alfredo viu garotos chegarem, ouvirem, se tornarem DJs e logo depois, superestrelas da música, fazendo fama e fortuna. Ele seguiu em Ibiza, inspirando outros. Não era muito a sua onda passar o ano dentro de aviões, e os clubes e festivais também não conseguiram dar ao cara o tempo que ele queria e precisava para contar sua história através da discotecagem. Bem, sejamos justos: Alfredo sabia que a sua música foi feita para o Amnesia e para a ilha espanhola. Por isso, nunca achou que faria sentido perambular pelo mundo.

Alfredo criou o mundo como conhecemos. Faltou cuidado com ele. A comunidade da música eletrônica, os clubes e principalmente Ibiza se concentraram no próprio sucesso e não o reverenciaram como mereceu. Se cada um que descobriu o sentido da vida dançando até o dia raiar no Amnesia tivesse doado um centavo ao lendário DJ, ele estaria na capa da Forbes.

O artista personificou também, o que foram os bons tempos de Ibiza. Um garoto de Rosário que saiu para o mundo em busca de aventuras. Quando chegou na ilha, fazia velas artesanais para vender, entregava comida para restaurantes e trabalhava como designer de moda. Pouco se sabe sobre como conseguiu desenvolver um conhecimento musical tão impressionante, assim como sua capacidade de juntar tudo em torno daquilo que depois se entendeu como balearic.

Além do Amnesia, também foi residente dos clubes Pacha e Space. Todos na ilha de onde nunca mais saiu, e que se transformou de um destino barato para festeiros neo-hippies a um condomínio de jetsetters, lotado de superiates.

Vá em paz, grande mestre!

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.